sábado, 17 de dezembro de 2011

GRITOS DE ALMA


Não faço a mínima ideia se o Deputado do PS Pedro Nuno Santos aspirou de facto ao seu momento de prime time com a sua diatribe rapidamente capturada por uma rádio local. Talvez uma Assembleia local menos motivada tenha determinado o arrebatamento do “Não pagamos, não pagamos”, que é uma palavra de ordem que poderia ter perfeitamente substituído o “estou-me marimbando para os credores”.
Mas se foi ou não um acto premeditado é o que menos importa. As sucessivas justificações que o próprio Deputado foi deixando ao longo dos dias seguintes são mais intrigantes. Pelos vistos, lendo afirmações do próprio, o objectivo seria colocar no centro da discussão a reivindicação de uma agenda de crescimento para a Europa, forçando essa perspectiva através de uma estratégia negocial em que a possibilidade de não pagar é a “única” (opinião do Deputado) arma ao alcance de um país devedor, pequeno, o que não é despiciendo, acrescento eu.
Há que convir que se trata de uma forma muito pouco canónica e algo obtusa de colocar no centro da discussão a Agenda de Crescimento para a Europa, sem a qual a terapia da austeridade vai enredar-se nas suas próprias contradições. E Manuel Alegre rapidamente se juntou ao sentido trágico do evento com algo de semelhante a isto: ‘Jovem Pedro, estou contigo, precisamos de gritos de alma desta natureza, não capitularemos’.
Estes eventos valem o que valem. Mas o que parece estar aqui em questão é a profunda incapacidade do PS definir uma linha de rumo para uma governação alternativa, criando condições para que o mito da austeridade expansionista dê lugar a soluções de política económica e monetária mais globais e consistentes. O que não é exactamente o mesmo que trilhar o espaço da não governação, sempre mais fácil de explorar. Dificilmente, essa linha de rumo para uma governação alternativa poderá emergir sem uma profunda e meticulosa explicação do último período de governação socialista e da vertigem do incremento da dívida que precipitou o descalabro. Procurar objectivamente essa explicação será a única via de libertar a má consciência com que têm partido para a discussão da situação actual. Por exemplo, seguir essa linha não será por exemplo assobiar para o ar e procurar descontextualizar as afirmações de Sócrates em Paris. Será pelo contrário partir dessas afirmações, tomá-las a sério e enfrentar o debate. O artigo de Miguel Sousa Tavares no Expresso de hoje sobre as declarações de Paris são curiosamente um bom modelo do que é tomar a sério essas declarações e questionar o que se passou.

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