Ulrich: "Corte de crédito à economia pode ser de 36 mil milhões até
2014"
29 Novembro 2011 | 19:29
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
As intervenções públicas de Fernando Ulrich têm-se
revelado, nos tempos mais recentes, auxiliares preciosos para compreender o
modo como a banca portuguesa perspectiva a abordagem em curso à estabilização
do sistema financeiro colocada em cheque pela crise das dívidas soberanas. Os
testemunhos públicos dos restantes CEO bancários são mais opacos, querendo
talvez significar que dispõem de outras armas (mais ocultas) para procurar
influenciar os acontecimentos e a decisão política. Por isso, se expõem menos. Pelo
contrário, pela sua acutilância, as posições de Ulrich são recursos cruciais
para entender o que se vai passando.
Na conferência da APGEI, “Caminhos para a Competitividade:
Reindustrialização e Internacionalização”, a mensagem de Ulrich vem ao encontro
do que, neste espaço de opinião, tenho considerado ser uma das mais sérias
incapacidades internas da terapia em curso. Curto e grosso, o que Ulrich nos diz
é que os objectivos de desalavancagem impostos à banca tenderão inexoravelmente
a traduzir-se em reduções de crédito. Essa redução tenderá, nas melhores condições,
a representar uma redução de cerca de 16, 2 mil milhões de euros de crédito às
empresas, pressupondo uma evolução dos depósitos alinhada com a inflação. Em
meu entender, essa redução atinge mortalmente a retórica do crescimento económico
que rodeia o programa da Troika.
Na vertigem de cobertura deste tema que a imprensa
internacional nos oferece, não posso deixar de articular a intervenção de
Ulrich com a análise crítica que alguma imprensa inglesa (particularmente o
Guardian) tem realizado da governação económica Tory, particularmente do seu Ministro
das Finanças (Chancellor), George Osborne. A economia britânica, também na sequência
do modelo de consolidação orçamental abrupta, enfrenta hoje uma anemia de
crescimento que, rapidamente, irá consumir a vantagem de, nos últimos tempos,
ter-se podido financiar a taxas mais baixas do que a própria economia alemã. Ora,
no sentido de contrariar essa anemia, a política do tesouro britânico tem
consistido na facilitação do crédito, cujo último passo foi estimado em 40 mil
milhões de libras, destinado a empréstimos a pequenas e médias empresas.
Simon Jenkins, jornalista do Guardian, critica em termos
curiosos (www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/nov/29/trust-in-banks-risk-that-failed)
essa preferência pelo crédito bancário em detrimento da despesa: “Perguntem a
um qualquer homem de negócios se preferem um banco emprestador a um consumidor
com capacidade de despesa e ele optará por este último. Ele prefere vender ao
empréstimo. As vendas geram empréstimos; os empréstimos não geram vendas.” O
que Jenkins sublinha é que, na ausência de uma interferência directa na política
bancária de distribuição do crédito, a recuperação por via deste mecanismo é
sempre mais incerta e sujeita a desvios do que a revitalização da despesa.
Mas, o que Robert Skidelski, biógrafo emérito de Keynes,
nos diz (http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/nov/29/cutting-fantasy-over?INTCMP=SRCH)
é que a facilitação do crédito se apresenta como uma política de aumento da
oferta de crédito no seio de uma política global que, contraditoriamente, reduz
a sua procura, reduzindo o mercado. Pura inconsistência. A credibilidade da política
de redução de défices por si só é endogenamente ameaçada. Considerá-la de per
si um factor de confiança nos mercados transforma-se rapidamente numa aposta
arriscada.
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