O
fim-de-semana subsequente aos resultados da cimeira europeia de 8/9 de Dezembro
de 2011 tem permitido clarificar reacções e avaliações mais circunstanciadas
desses mesmos resultados. Duas tónicas essenciais caracterizam a generalidade
das análises publicadas:
- A cimeira terá permitido conter as pressões de curto prazo que se abatiam sobre os líderes europeus, mas veio acrescentar novas fontes de indeterminação sobre a sustentabilidade de longo prazo do edifício do euro tal qual ele está configurado e, o que é mais perturbador, sobre o próprio processo de construção europeia;
- Os países do sul atingidos pela crise das dívidas soberanas emergem como os principais perdedores a curto e a longo prazo, já que da cimeira não emerge qualquer esperança de alternativa à ortodoxia de abordagem em curso: o mito da austeridade redentora e expansionista continua a dominar o horizonte da política económica e monetária.
Quanto à primeira tónica, tal como tem acontecido nesta
sequência vertiginosa de cimeiras, quanto mais se analisa em profundidade as
declarações emitidas menos seguro se fica quanto à operacionalidade das decisões
assumidas. Por isso, a generalidade dos analistas tem-se deliciado em explorar orientações
possíveis para essa operacionalização:
- Como será na prática o processo de decisão futuro na própria União Europeia após a posição britânica de rejeição de assinatura de tratado europeu?
- Que extensão poderá assumir o cortejo de consultas parlamentares quanto às decisões tomadas?
- O que significará na prática a regra da maioria qualificada de 85% em algumas decisões? Algumas análises já publicadas sugerem que tanto grupos de pequenos países podem bloquear algumas decisões, como os países de maior dimensão o possam fazer;
- Que contornos vai assumir em concreto o enforcement (cumprimento) da disciplina fiscal? Não estará em causa a hipótese de sanções, mas quem as aplica no quadro de um acordo inter-governamental?
- Poderá o futuro Mecanismo Europeu de Estabilidade financiar-se junto do BCE? Quem se juntará à zona euro no reforço anunciado de 200 mil milhões de euros do FMI?
Mas o que determina essencialmente a indeterminação de
longo prazo é a absoluta ausência de uma alternativa credível à já gasta retórica
do crescimento. É surreal que não haja qualquer sinal na declaração de preocupação
e intervenção proactiva quanto às generalizadas perspectivas recessivas ou de afrouxamento
da actividade económica na União Europeia. É também surreal que o desemprego
estrutural continue ignorado na abordagem. Alguns comentadores mais pessimistas não
hesitaram ontem em considerar que o impulso dado pelos resultados da cimeira
pode esgotar-se antes do Natal. Talvez seja catastrofista, mas dá bem conta do
estado das baixas expectativas.
Os países periféricos atingidos pela crise das dívidas
soberanas são perdedores em absoluto com o processo que se desenha. Com a
permanência do mito da austeridade redentora e expansionista, terão assinado
uma auto-sentença de empobrecimento, com riscos elevados de espiral de
austeridade. Kevin O’Rourke, o meu historiador contemporâneo preferido da
globalização, tem um artigo virulento no Project Syndicate de 9.12.2011 (Uma Cimeira
para a Morte): http://www.project-syndicate.org/commentary/orourke1/English.
A incapacidade política de forjar uma alternativa ao mito da austeridade
redentora e expansionista terá custos avassaladores a longo prazo. A construção
dessa alternativa política e de pensamento económico não significa que se
ignore a necessidade de arrepiar caminho em matéria de finanças públicas nesses
países. Faz parte dessa alternativa. Por isso, intervenções de circunstância
como a do Engº Sócrates em Paris só penalizam essa possibilidade. São tiros já
não apenas nos pés. Invocar a gestão da dívida após uma experiência de gestão
ruinosa da mesma tem que se lhe diga. Pelos vistos a hibernação não terá sido tão
prolongada quanto o necessário. Temos aqui algo de semelhante ao envolvimento
do deputado Paulo Campos na rediscussão das parcerias público-privadas rodoviárias.
Hibernação prolongada é o que se recomenda.
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