domingo, 11 de dezembro de 2011

PERDEDORES E INDETERMINAÇÕES DE LONGO PRAZO


O fim-de-semana subsequente aos resultados da cimeira europeia de 8/9 de Dezembro de 2011 tem permitido clarificar reacções e avaliações mais circunstanciadas desses mesmos resultados. Duas tónicas essenciais caracterizam a generalidade das análises publicadas:

  • A cimeira terá permitido conter as pressões de curto prazo que se abatiam sobre os líderes europeus, mas veio acrescentar novas fontes de indeterminação sobre a sustentabilidade de longo prazo do edifício do euro tal qual ele está configurado e, o que é mais perturbador, sobre o próprio processo de construção europeia;
  • Os países do sul atingidos pela crise das dívidas soberanas emergem como os principais perdedores a curto e a longo prazo, já que da cimeira não emerge qualquer esperança de alternativa à ortodoxia de abordagem em curso: o mito da austeridade redentora e expansionista continua a dominar o horizonte da política económica e monetária.

Quanto à primeira tónica, tal como tem acontecido nesta sequência vertiginosa de cimeiras, quanto mais se analisa em profundidade as declarações emitidas menos seguro se fica quanto à operacionalidade das decisões assumidas. Por isso, a generalidade dos analistas tem-se deliciado em explorar orientações possíveis para essa operacionalização:

  • Como será na prática o processo de decisão futuro na própria União Europeia após a posição britânica de rejeição de assinatura de tratado europeu?
  • Que extensão poderá assumir o cortejo de consultas parlamentares quanto às decisões tomadas?
  • O que significará na prática a regra da maioria qualificada de 85% em algumas decisões? Algumas análises já publicadas sugerem que tanto grupos de pequenos países podem bloquear algumas decisões, como os países de maior dimensão o possam fazer;
  • Que contornos vai assumir em concreto o enforcement (cumprimento) da disciplina fiscal? Não estará em causa a hipótese de sanções, mas quem as aplica no quadro de um acordo inter-governamental?
  • Poderá o futuro Mecanismo Europeu de Estabilidade financiar-se junto do BCE? Quem se juntará à zona euro no reforço anunciado de 200 mil milhões de euros do FMI?

Mas o que determina essencialmente a indeterminação de longo prazo é a absoluta ausência de uma alternativa credível à já gasta retórica do crescimento. É surreal que não haja qualquer sinal na declaração de preocupação e intervenção proactiva quanto às generalizadas perspectivas recessivas ou de afrouxamento da actividade económica na União Europeia. É também surreal que o desemprego estrutural continue ignorado na abordagem.  Alguns comentadores mais pessimistas não hesitaram ontem em considerar que o impulso dado pelos resultados da cimeira pode esgotar-se antes do Natal. Talvez seja catastrofista, mas dá bem conta do estado das baixas expectativas.

Os países periféricos atingidos pela crise das dívidas soberanas são perdedores em absoluto com o processo que se desenha. Com a permanência do mito da austeridade redentora e expansionista, terão assinado uma auto-sentença de empobrecimento, com riscos elevados de espiral de austeridade. Kevin O’Rourke, o meu historiador contemporâneo preferido da globalização, tem um artigo virulento no Project Syndicate de 9.12.2011 (Uma Cimeira para a Morte): http://www.project-syndicate.org/commentary/orourke1/English. A incapacidade política de forjar uma alternativa ao mito da austeridade redentora e expansionista terá custos avassaladores a longo prazo. A construção dessa alternativa política e de pensamento económico não significa que se ignore a necessidade de arrepiar caminho em matéria de finanças públicas nesses países. Faz parte dessa alternativa. Por isso, intervenções de circunstância como a do Engº Sócrates em Paris só penalizam essa possibilidade. São tiros já não apenas nos pés. Invocar a gestão da dívida após uma experiência de gestão ruinosa da mesma tem que se lhe diga. Pelos vistos a hibernação não terá sido tão prolongada quanto o necessário. Temos aqui algo de semelhante ao envolvimento do deputado Paulo Campos na rediscussão das parcerias público-privadas rodoviárias. Hibernação prolongada é o que se recomenda.

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