terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A ENTREVISTA DE DRAGHI



O período natalício continua a ser marcado pelas ameaças da crise da zona euro. O excelente cartoon de Kipper Williams no Guardian ilustra bem o contexto.
Os últimos dias são claramente marcados pela primeira entrevista de Draghi, neste caso ao Financial Times. A entrevista não traz aparentemente nada de novo, tendo em conta que reafirma o princípio geral de respeito absoluto pelo mandato inicial do BCE, por outras palavras a plena submissão à ortodoxia monetarista que esteve na base da sua configuração estatutária. Mas só aparentemente a entrevista não traz nada de novo. O que há, então, de relevante para além da lengalenga conhecida?
O primeiro elemento de interesse diz respeito às considerações que Draghi realiza sobre a decisão tomada de realizar operações de refinanciamento a longo prazo, eufemisticamente designadas de medidas não padronizadas. Nas suas considerações, Draghi reafirma a ideia por todos percebida de se tratar de uma medida que visa essencialmente aliviar as pressões de financiamento experimentadas pela banca europeia. Mas o Presidente do BCE teve de concordar que não há condições para garantir qual vai ser o impacto final dessa operação. Será que a operação vai concretizar-se em compras adicionais de títulos da dívida pública periférica? Será que em última instância virá a facilitar a vida às pequenas e médias empresas europeias, impactando como o desejável a economia real? O realismo de Draghi ao referir que essa possibilidade dependerá do comportamento da banca envolvida nessas operações em matéria de avaliação de risco é claro quanto às limitações da abordagem, ou seja da natureza do mandato estatutário do BCE. Já o havíamos referido: uma coisa é intervir directamente nas condições de procura, uma outra é actuar por via da facilitação do financiamento à banca.
O outro ponto da entrevista que merece atenção é o incómodo manifestado por Draghi quanto à sequência de intervenções de abordagem à crise da zona euro, considerada como não a mais adequada. Trata-se de uma crítica velada à falta de lucidez e coordenação em todo o processo, embora seja de facto uma crítica muito indirecta.
 O incómodo de Draghi poderá caracterizar-se assim:
  • Primeiro do que tudo o EFSF (Instrumento Europeu de Estabilidade Financeira) deveria ter sido plenamente operacionalizado (duas cimeiras não chegaram para tal);
  • Só depois deveriam ter sido realizados os novos testes de stress à banca e definidas as necessidades de recapitalização: neste momento, é clara a contradição que pesa sobre a banca;
  •  Finalmente, só depois deveria ter sido tomada a decisão de envolver ou não o sector privado em processos de reestruturação da dívida (como foi o caso da Grécia).
O incómodo é perceptível. Não era a sequência que pretendia. Mas a crença no mito continua persistente: “ Não há nenhum trade-off entre austeridade fiscal e crescimento e competitividade. Não nego que a consolidação fiscal conduz à contracção no curto-prazo, mas aí temos de nos interrogar: o que é que pode mitigar essa contracção”. Pois, pois, a lengalenga virou crença.

Sem comentários:

Enviar um comentário