O período natalício
continua a ser marcado pelas ameaças da crise da zona euro. O excelente cartoon
de Kipper Williams no Guardian ilustra bem o contexto.
Os últimos dias
são claramente marcados pela primeira entrevista de Draghi, neste caso ao
Financial Times. A entrevista não traz aparentemente nada de novo, tendo em
conta que reafirma o princípio geral de respeito absoluto pelo mandato inicial
do BCE, por outras palavras a plena submissão à ortodoxia monetarista que
esteve na base da sua configuração estatutária. Mas só aparentemente a
entrevista não traz nada de novo. O que há, então, de relevante para além da
lengalenga conhecida?
O primeiro
elemento de interesse diz respeito às considerações que Draghi realiza sobre a
decisão tomada de realizar operações de refinanciamento a longo prazo,
eufemisticamente designadas de medidas não padronizadas. Nas suas considerações,
Draghi reafirma a ideia por todos percebida de se tratar de uma medida que visa
essencialmente aliviar as pressões de financiamento experimentadas pela banca
europeia. Mas o Presidente do BCE teve de concordar que não há condições para
garantir qual vai ser o impacto final dessa operação. Será que a operação vai
concretizar-se em compras adicionais de títulos da dívida pública periférica? Será
que em última instância virá a facilitar a vida às pequenas e médias empresas
europeias, impactando como o desejável a economia real? O realismo de Draghi ao
referir que essa possibilidade dependerá do comportamento da banca envolvida
nessas operações em matéria de avaliação de risco é claro quanto às limitações da
abordagem, ou seja da natureza do mandato estatutário do BCE. Já o havíamos referido:
uma coisa é intervir directamente nas condições de procura, uma outra é actuar
por via da facilitação do financiamento à banca.
O outro ponto
da entrevista que merece atenção é o incómodo manifestado por Draghi quanto à
sequência de intervenções de abordagem à crise da zona euro, considerada como não
a mais adequada. Trata-se de uma crítica velada à falta de lucidez e coordenação
em todo o processo, embora seja de facto uma crítica muito indirecta.
O incómodo de
Draghi poderá caracterizar-se assim:
- Primeiro do que tudo o EFSF (Instrumento Europeu de Estabilidade Financeira) deveria ter sido plenamente operacionalizado (duas cimeiras não chegaram para tal);
- Só depois deveriam ter sido realizados os novos testes de stress à banca e definidas as necessidades de recapitalização: neste momento, é clara a contradição que pesa sobre a banca;
- Finalmente, só depois deveria ter sido tomada a decisão de envolver ou não o sector privado em processos de reestruturação da dívida (como foi o caso da Grécia).
O incómodo é perceptível. Não era a sequência que
pretendia. Mas a crença no mito continua persistente: “ Não há nenhum trade-off
entre austeridade fiscal e crescimento e competitividade. Não nego que a
consolidação fiscal conduz à contracção no curto-prazo, mas aí temos de nos
interrogar: o que é que pode mitigar essa contracção”. Pois, pois, a lengalenga
virou crença.
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