domingo, 31 de agosto de 2025

OPORTUNISMO SERVIL DISFARÇADO DE PRAGMATISMO DIPLOMÁTICO

 

                        (Vasco Gargalo para o Correio da Manhã - Oh como estou tolerante!)

https://www.facebook.com/vasco.gargalo/posts/a-bajula%C3%A7%C3%A3o-cartoon-editorial-da-revista-de-domingo-do-correiodamanhaoficial-tru/10162583697349584/  

(Anda por aí uma corrente apostada em introduzir na diplomacia económica externa uma nova maneira de estar e de fazer. Segundo esta deplorável inteligência, a bajulação de um líder autoritário, imprevisível e especialista no mais declarado bullying político e comercial deve ser considerada uma estratégia louvável de diplomacia. Estou obviamente a referir-me à posição de alguns líderes europeus que inventaram esta boutade para racionalizar a sua posição de servilismo declarado face à agressividade de Trump e da administração americana que lhe segue as pisadas, não sabendo como descalçar a bota de o terem eleito contra todas as antecipações fundamentadas que se fartaram de alertar para essa possibilidade. Não sabendo descalçar a incómoda bota esses líderes decidiram que lamber as botas do dito cujo seria uma manobra diplomática pragmática, uma espécie de mal menor face a outras alternativas. Claro que um servilismo desta natureza, transformando-o em pragmatismo diplomático não poderia escapar ao olhar atento de alguns analistas como o é por exemplo o sempre esclarecido Martin Sandbu do Financial Times.)

O que estes inteligentes de meia tigela não se apercebem é que uma reação de complacência como a da bajulação coloca a imprevisibilidade em níveis cada vez mais elevados, que é em boa medida a circunstância mais temida pelos agentes económicos. A orquestra dos bajuladores teve em Mark Rutte da NATO o principal ensaiador, mostrando despudoradamente aos restantes líderes europeus como é que se faz. A enorme confusão entre bajulação e negociação é de bradar aos céus. Uma das regras básicas do combate ao bullying é a de que o agente ativo não pode ser tratado com condescendência pois a fraqueza é farejada à distância pelo mesmo.

De facto, a ideia de que a bajulação substitui a negociação inteligente é bizarra e peregrina, além de que respira oportunismo por todos os poros. A ideia é a de quem bajula mais pode disso beneficiar com concessões mais generosas, o que é uma forma descarada de oportunismo.

O artigo de Sandbu no Financial Times tem, porém, um título equívoco, pois “A Europa está a vendar a alma a Trump” parte enganosamente do princípio de que a Europa tem uma alma. O “Eu” europeu está há muito tempo fraturado, devendo ser tratado no divã.

O que me parece lamentável é que os pragmáticos da bajulação não compreendam que praticá-la para o exterior vai conduzir as instituições europeias a tratar os Amigos ou os Fascinados por Trump da mesma maneira. A ideia de que se pode ser servil para fora e destemidamente implacável para dentro é uma enormidade.

Por isso e em resumo, a bajulação de Trump não é mais do que a expressão de uma forma ainda mais avançada e irreversível da decomposição europeia. É com isso que teremos de viver nos tempos mais próximos.

 

sábado, 30 de agosto de 2025

PORTUGAL, AGOSTO DO ANO DA GRAÇA DE 2025

(Luís Afonso, “Bartoon”, https://www.publico.pt)

Agosto chega ao seu fim e assim se começa a esboçar a rentrée. Boa parte da “malta” ainda está a banhos, gozando maioritariamente o Algarve e as suas inexcedíveis condições turísticas, hoje por hoje cada vez mais dependentes do contributo dos cidadãos não nacionais que para cá vieram em busca de melhor vida. Por outro lado, e habitando um outro “planeta”, os nossos agentes políticos entretêm-se na extensão da sua nobre missão de darem música aos restantes portugueses, deles mais alheados do que nunca. O cartunista Luís Afonso ajuda-nos a ilustrar, entre matérias por demais sérias (como o sempre adiado reconhecimento do Estado da Palestina), necessidades inventadas (como o anúncio do regresso da Fórmula 1 a Portugal por parte do primeiro-ministro) e agências de emprego que continuam a florescer como cogumelos numa indesmentível demonstração de que os nossos cursos superiores têm muitas e boas saídas (vejam-se as Universidades de Verão dos partidos). Pois que o fim-de-semana encerre a silly season em paz – com o Governo, Montenegro e a ministra da Administração Interna “ao leme”, e Marcelo sempre atento à instalada “coordenação espetacular”, para que os incêndios não provoquem mais desgraças e estragos – e nos traga em boa hora a normalidade igualmente silly, e sobretudo desgovernada, que sem apelo nem agravo nos abraça carinhosamente o ano inteiro. 

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

EXCERTOS DE VERÃO (TAKE 5)

 


Questões de geopolítica

(As questões da geopolítica internacional regressaram em força à ciência política e à política externa na justa medida em que o elefante na sala Donald Trump veio baralhar o já abalado consenso mundial em torno da globalização. A utilização dos direitos aduaneiros como arma descarada de pressão política e de bullying internacional está em franco desenvolvimento com epicentro em Washington, tendo as economias emergentes dos BRIC o alvo principal. Assim, o demonstram os direitos aduaneiros de 50% sobre as importações para os EUA provenientes da Índia e do Brasil, mas por razões fundamentalmente diversas. A Índia porque Trump pretende dissuadir aquela potência mundial de continuar na influência da órbita de Moscovo e o Brasil porque Trump, revendo-se nele próprio, acha que Bolsonaro é primo da Madre Teresa de Calcutá e que os seus problemas com a justiça brasileira são resultado puro e simples de perseguição política. Tal como noutras decisões do tresloucado Presidente americano nada é estudado com profundidade antes delas serem tomadas. Se o tivesse feito, compreenderia que a Índia e o Brasil são ossos duros de roer, mesmo no bullying mais abjeto, porque, nem sempre pelas melhores razões, a Índia e o Brasil têm desenvolvido em simultâneo com a interação com a economia americana uma tentativa determinada de desenvolvimento de novas relações, designadamente com o eixo asiático da economia mundial.)

O excerto que hoje vos trago vem de um artigo de alguém com visão a partir de dentro desta questão, pois é professor de Relações Políticas Internacionais na prestigiada Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. É um pequeno excerto, mas suficientemente claro e denso para preencher os critérios desta seção estival

“(…) Washington olha hoje para a política externa segundo uma perspetiva de aliados ou de adversários. Para as economias emergentes esta é uma falsa escolha. O posicionamento estratégico significa cultivar múltiplas e sobreponíveis relacionamentos que previnam qualquer dependência de um único grande poder. Pensem nisto como uma versão geopolítica de uma estratégia de portfólio de títulos: tais como os investidores diversificam o risco por vários ativos, as nações diversificam a dependência por muitas relações. O objetivo não é a autossuficiência, mas antes manter a liberdade de ação. Quando as alternativas existem, nenhum parceiro pode por si só ditar os termos. (…)”

Matias Spektor

New York Times, edição internacional de 28 de agosto de 2025.

O que o artigo de Spektor nos traz é uma série de evidências sobre estratégias concretas da Índia e do Brasil para diversificar as suas relações comerciais, se bem que o modelo de capitalismo de compadrio que ainda caracteriza as duas economias possa funcionar como um travão a essa tentativa. De qualquer modo, no seio dos BRIC, a Índia e o Brasil são os que têm mais avançado nesta direção, sendo por isso monitorizados com atenção pelos restantes países ameaçados pelo elefante na sala.

Trump recusa-se a entender que uma postura de bullying internacional não favorece ninguém na cena internacional, até porque a diversificação de relacionamentos na cena internacional exige custos elevados de coordenação. Mas o que estes países compreendem é que a ordem económica internacional marcada por hegemonias claras se não está em vias de extinção, está pelo menos abalada exigindo estratégias de salvaguarda por parte dos países interessados em redirecionar e mitigar as suas fontes de dependência.

Até que a situação se clarifique, o principal obstáculo está nas características internas do capitalismo instalado nestes países. O “crony capitalism” com fortes nuances de capitalismo de Estado nem sempre encontra as estruturas de coordenação mais pertinentes e desligadas dos interesses de compadrio que o definem para organizar uma prudente diversificação de relações.

 

O CHEGA E AS AUTÁRQUICAS

 

Publiquei hoje no “Expresso” o resultado de um trabalho exploratório sobre o que poderá vir a acontecer ao Chega nas Autárquicas de 12 de outubro. Não vou aqui adiantar-me muito à sua eventual leitura pelos interessados na matéria, apenas reproduzo os dois destaques escolhidos pelo editor e, ainda, o mapa e a tabela que acompanham o exercício e indiciam o que é tratado no mesmo. Não me alargo mais em comentários, apenas peço a quem leia este arriscado esboço que não o encare como qualquer tentativa de previsão de resultados (nem de sondagem) e que tenha em conta a precaução adicional de não olhar para o termo “probabilidade” no sentido estatístico do mesmo mas como um registo de propensões de diferentes graus. Um mero contributo, pois, para chamar a atenção para um tópico que reputo da maior relevância para se equacionarem, ainda que contingentemente, os caminhos de evolução da sociedade portuguesa.



FISSURAS EM SERRALVES (NOTA COMPLEMENTAR)

 

(O meu post de ontem foi redigido antes da entrevista que Isabel Pires de Lima concedeu ao Público, completando a notícia sobre a qual organizei a minha interpretação. Sinceramente, não esperaria que a minha interpretação fosse tão rapidamente confirmada, mas a entrevista, obviamente ainda sem acesso a contraditório pela pessoa visada, corrobora plenamente a minha interpretação de que haveria algum contencioso entre a Presidente demissionária e a Presidente do Conselho de Fundadores Ana Pinho. A expressão utilizada por IPL não podia ser mais acutilante, demite-se porque não “aceita prestar vassalagem” à personagem que eu designei no post de “Senhora disto tudo” de Serralves. É óbvio que a dureza da expressão utilizada é acompanhada de um conjunto diversificado de “salamaleques institucionais” sobre a valia e alcance da obra que Ana Pinho deixou em Serralves nos anos que assumiu a Presidência da Fundação. Para retomar o título do meu post, fica então demonstrado que as fissuras existiam em Serralves, aliás como seria de admitir dada a personalidade da atual Presidente do Conselho de Fundadores e o modelo de liderança que aplicou quando presidia à Fundação. Independentemente de ser absolutamente necessário ouvir Ana Pinho sobre a tal falta de confiança que alguns membros do Conselho de Fundadores depositavam em Isabel Pires de Lima e sobre as razões que as inspiravam, fica de novo a perceção que nestas instituições culturais os egos tendem, por vezes, a sobrepor-se ao rigoroso aprofundamento da missão que lhes está reservada. Nesse caso, essa missão redobra de importância, pois trata-se de uma instituição com prestígio nacional e internacional, construída com autonomia a partir da Cidade e isso é demasiado importante para ser posto em causa por qualquer ego por maior que ele seja. Tal como o meu colega de blogue o sugeriu, começam a existir sinais de que o Porto mais cosmopolita e internacionalizado não resiste ele também às derivas que, frequentemente, denunciamos andarem à solta por terras da Capital. Depois não se admirem que o Norte seja um mito absoluto como consciência regional, aliás como qualquer referendo assim o demonstraria.)

Pessimismo de fim de férias, num agosto que chega ao fim, húmido e climaticamente imprevisível?

Não, nada disso. Simplesmente, análise distanciada e não emotiva de evidência que se vai acumulando.