(O nevoeiro de Moledo chegou este ano mais cedo para refrescar os corpos consumidos por dias inteiros de ondas de calor, que estranhamente se concentraram em terras de Viana do Castelo e litoral mais a norte. Ao chegar hoje à praia para fazer jus à rotina de clamar que o nevoeiro é uma chatice, mas que sabe bem depois da canícula desproporcionada para estas paragens, demos de caras com a personagem Hugo Soares e isso bastou para ficar de mau humor. Há personagens que me irritam solenemente, o espaço é público bem entendido, mas com tanto sítio atrativo ao longo da costa lá teremos de alombar com o personagem. Espero que o Pontal chegue cedo e que a personalidade zarpe em direção a Quarteira. A grande vantagem de iniciar o período da modorra com muito pouco de estival é a de reduzir a intensidade da modorra. E assim será com toda a probabilidade ao longo desta semana, modorra sim, ma non troppo. Em busca de tema para esta crónica, o Público de hoje traz-nos um artigo de um prestigiado sindicalista, Ulisses Garrido, e o seu alerta é importante, pois versa sobre aspetos da governação de Montenegro e seus pares que têm passado mais despercebidos, apagados pelos sound bytes dos temas mais mediáticos. Mas o exemplo que Garrido nos traz é bem revelador do modelo de governação em curso. O tema é-me caro, profissional e intelectualmente, e versa sobre os baixos níveis de formação profissional contínua, de reciclagem ou reorientação profissional que se praticam no tecido empresarial português, sobretudo o de pequena e média dimensão. Pois, assim sendo, quando se esperaria de um Governo que apregoa reformismo por dá cá aquela palha que enfrentasse o problema e criasse condições para uma maior apetência e interesse empresarial pela formação dos seus quadros e trabalhadores, o que acontece é exatamente o inverso, reduz para metade as horas de formação obrigatórias nas pequenas e médias empresas. Os pequenos patrões certamente aplaudirão, as associações empresariais encolherão os ombros, afinal nunca se envolveram decisivamente em contrariar esta baixa propensão. Tudo na maior. )
Com esta tirada, não estou obviamente a desvalorizar a dimensão estrutural de um problema, que se observa apesar de continuar a existirem fundos europeus para aliviar o esforço público neste tipo de financiamento. O problema é comum praticamente a todo o tecido empresarial europeu de pequenas e médias empresas, embora a dimensão das nossas PME esteja bastante abaixo dos valores da mediana do tecido empresarial europeu.
A dificuldade dos empresários que pontuam nesses tecidos empresariais em libertar parte do seu tempo para eles próprios evidenciaram uma prática mais demonstradora da sua recetividade à formação é conhecida, com a sua grande maioria a desdenhar das vantagens dessa formação, o que os leva como reflexo a desvalorizar os investimentos em formação dos seus próprios trabalhadores. Quanto a estes últimos, como a probabilidade das suas remunerações e da sua valorização profissional no interior dessas empresas virem a aumentar com essa formação continua a ser muito baixa, isso regra geral determina a fraca disposição de libertar parte do seu tempo livre para investir em formação. Depois, a possibilidade de ela ser concretizada em período laboral encontra por parte do empresariado uma forte rejeição, o que gera uma espécie de quadratura do círculo.
Como já anteriormente referi, este problema é comum à generalidade dos tecidos empresariais de PME e muitas soluções foram encontradas para mitigar os fatores estruturais adversos por mim já assinalados. A qualidade da formação e o aumento da probabilidade da formação ter impactos remuneratórios que se vejam são fatores que tenderam em muitos tecidos a quebrar o gelo da rejeição empresarial. Depois, existem inúmeras formas de formação “in company” (em contexto de trabalho ou nas instalações da empresa), reduzindo tempos mortes de deslocação.
A participação do associativismo empresarial nestes processos já viveu melhores dias. Os tempos em que os programas de formação-ação atingiram o seu auge, com metodologias em que a gestão estratégica era combinada com a identificação de necessidades de formação das PME, sucumbiram à padronização do Fundo Social Europeu, a alguns exageros de algumas associações que apostaram mais no financiamento das remunerações das suas equipas técnicas internas do que na qualificação da própria formação-ação e em custos-padrão incompatíveis com a complexidade da metodologia.
Reduzir as horas obrigatórias de formação por parte das empresas é sucumbir ao facilitismo, alcançar a compreensão e aplauso dos empresários, iludir o problema e simular que a questão está resolvida, um faz de conta completo. Ulisses Garrido tem carradas de razão quando alerta para mais esta manifestação das políticas ilusórias.
Nota complementar:
A fotografia que abre este post dá conta da erosão costeira grave que assola a praia de Moledo. À vista de todos, está completamente desnudada a estrutura de proteção que há alguns anos foi colocada na duna para a proteger das investidas do mar. Aí está mais um fenómeno para o qual “faz de conta” não constitui solução.

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