segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O INÍCIO DA MODORRA ESTIVAL, MA NON TROPPO

 


(O nevoeiro de Moledo chegou este ano mais cedo para refrescar os corpos consumidos por dias inteiros de ondas de calor, que estranhamente se concentraram em terras de Viana do Castelo e litoral mais a norte. Ao chegar hoje à praia para fazer jus à rotina de clamar que o nevoeiro é uma chatice, mas que sabe bem depois da canícula desproporcionada para estas paragens, demos de caras com a personagem Hugo Soares e isso bastou para ficar de mau humor. Há personagens que me irritam solenemente, o espaço é público bem entendido, mas com tanto sítio atrativo ao longo da costa lá teremos de alombar com o personagem. Espero que o Pontal chegue cedo e que a personalidade zarpe em direção a Quarteira. A grande vantagem de iniciar o período da modorra com muito pouco de estival é a de reduzir a intensidade da modorra. E assim será com toda a probabilidade ao longo desta semana, modorra sim, ma non troppo. Em busca de tema para esta crónica, o Público de hoje traz-nos um artigo de um prestigiado sindicalista, Ulisses Garrido, e o seu alerta é importante, pois versa sobre aspetos da governação de Montenegro e seus pares que têm passado mais despercebidos, apagados pelos sound bytes dos temas mais mediáticos. Mas o exemplo que Garrido nos traz é bem revelador do modelo de governação em curso. O tema é-me caro, profissional e intelectualmente, e versa sobre os baixos níveis de formação profissional contínua, de reciclagem ou reorientação profissional que se praticam no tecido empresarial português, sobretudo o de pequena e média dimensão. Pois, assim sendo, quando se esperaria de um Governo que apregoa reformismo por dá cá aquela palha que enfrentasse o problema e criasse condições para uma maior apetência e interesse empresarial pela formação dos seus quadros e trabalhadores, o que acontece é exatamente o inverso, reduz para metade as horas de formação obrigatórias nas pequenas e médias empresas. Os pequenos patrões certamente aplaudirão, as associações empresariais encolherão os ombros, afinal nunca se envolveram decisivamente em contrariar esta baixa propensão. Tudo na maior. )

Com esta tirada, não estou obviamente a desvalorizar a dimensão estrutural de um problema, que se observa apesar de continuar a existirem fundos europeus para aliviar o esforço público neste tipo de financiamento. O problema é comum praticamente a todo o tecido empresarial europeu de pequenas e médias empresas, embora a dimensão das nossas PME esteja bastante abaixo dos valores da mediana do tecido empresarial europeu.

A dificuldade dos empresários que pontuam nesses tecidos empresariais em libertar parte do seu tempo para eles próprios evidenciaram uma prática mais demonstradora da sua recetividade à formação é conhecida, com a sua grande maioria a desdenhar das vantagens dessa formação, o que os leva como reflexo a desvalorizar os investimentos em formação dos seus próprios trabalhadores. Quanto a estes últimos, como a probabilidade das suas remunerações e da sua valorização profissional no interior dessas empresas virem a aumentar com essa formação continua a ser muito baixa, isso regra geral determina a fraca disposição de libertar parte do seu tempo livre para investir em formação. Depois, a possibilidade de ela ser concretizada em período laboral encontra por parte do empresariado uma forte rejeição, o que gera uma espécie de quadratura do círculo.

Como já anteriormente referi, este problema é comum à generalidade dos tecidos empresariais de PME e muitas soluções foram encontradas para mitigar os fatores estruturais adversos por mim já assinalados. A qualidade da formação e o aumento da probabilidade da formação ter impactos remuneratórios que se vejam são fatores que tenderam em muitos tecidos a quebrar o gelo da rejeição empresarial. Depois, existem inúmeras formas de formação “in company” (em contexto de trabalho ou nas instalações da empresa), reduzindo tempos mortes de deslocação.

A participação do associativismo empresarial nestes processos já viveu melhores dias. Os tempos em que os programas de formação-ação atingiram o seu auge, com metodologias em que a gestão estratégica era combinada com a identificação de necessidades de formação das PME, sucumbiram à padronização do Fundo Social Europeu, a alguns exageros de algumas associações que apostaram mais no financiamento das remunerações das suas equipas técnicas internas do que na qualificação da própria formação-ação e em custos-padrão incompatíveis com a complexidade da metodologia.

Reduzir as horas obrigatórias de formação por parte das empresas é sucumbir ao facilitismo, alcançar a compreensão e aplauso dos empresários, iludir o problema e simular que a questão está resolvida, um faz de conta completo. Ulisses Garrido tem carradas de razão quando alerta para mais esta manifestação das políticas ilusórias.

Nota complementar:

A fotografia que abre este post dá conta da erosão costeira grave que assola a praia de Moledo. À vista de todos, está completamente desnudada a estrutura de proteção que há alguns anos foi colocada na duna para a proteger das investidas do mar. Aí está mais um fenómeno para o qual “faz de conta” não constitui solução.

 

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