domingo, 24 de agosto de 2025

O TRISTE PENAR DOS POLITÉCNICOS DO INTERIOR

 


(A publicação dos dados em primeira edição da relação entre vagas oferecidas e vagas ocupadas dos diferentes cursos dos estabelecimentos de ensino superior, universidades e institutos politécnicos e uma leitura territorial atenta da informação associada é de grande riqueza. Como se trata da primeira colocação, a informação é altamente fidedigna quanto à procura que se manifesta pelas instituições que os jovens e as suas famílias, pois alimenta-se das primeiras preferências. Isto não significa, como é óbvio, que não sejam necessárias leituras adicionais compostas a partir da segunda e terceira colocações. Mas a distribuição das primeiras preferências é altamente elucidativa acerca do modo como a procura social encara a qualidade do ensino superior e, indiretamente pela localização das instituições e cursos, se posiciona perante a oferta territorial de ensino superior. Existem várias dimensões de análise possíveis, a começar pela interpretação que a procura social estrutura as suas preferências. O que é que determinará que a engenharia aeroespacial tenha substituído no topo das preferências a medicina e a arquitetura. Levar-nos ia longe essa reflexão, mas esse não é o ponto que numa noite já outonal em Seixas pretendo desenvolver. O meu foco orienta-se, pelo contrário, para a situação difícil que os números revelam sobre o ensino politécnico no interior, com inúmeros cursos com preferências de ocupação significativamente abaixo da oferta de vagas. A situação de triste penar em fase de primeira colocação não é nova para estes estabelecimentos de ensino. Se é verdade que alguns conseguem em segunda e terceira colocações salvar a face quanto ao número de vagas não ocupadas, a verdade é que estruturalmente parece indiscutível que a procura social de formação superior não passa fundamentalmente por estas instituições e pelos cursos que oferecem. O que num ano em que, globalmente, a procura social ficou substancialmente aquém do oferecido, a penalização do interior exige uma explicação à parte.)

Globalmente, não estou nada convencido que o declínio demográfico não esteja a influenciar negativamente a procura social de ensino superior. Mas sem análises globais ainda devidamente fundamentadas, terá de aceitar-se a tese de que os custos de mobilidade e de residência para frequentar ensino superior fora da área de proximidade servida por transporte público regular e diário terão, este ano, juntamente com a mudança das condições de acesso influenciado o comportamento da procura.

Mas no caso dos politécnicos de Bragança, Guarda, Castelo Branco e Beja, por exemplo, a sua função seria, em princípio, servir população jovem em condições de alguma proximidade, logo sem o peso que uma deslocação e instalação no Poro, Coimbra ou Lisboa implicam. Mas, numa sequência que não é nova, as percentagens que esses politécnicos conseguem atrair de população jovem em idade de ensino superior (18 aos 24 anos, por exemplo) a residir em áreas de proximidade, digamos já com alguma margem dos distritos em que os politécnicos estão instalados é incrivelmente baixa. Tais percentagens são calculadas, recorde-se, em territórios em que o declínio demográfico tem vindo a rebaixar o peso desses escalões etários, pelo que o facto de não conseguirem fixar população que se veja para a formação superior dá que pensar.

Esta situação acontece após anos de qualificação inequívoca do corpo docente de tais instituições e apesar também da investigação e da oferta de cursos se ter aproximado do que em teoria constituiriam as necessidades de formação de tais territórios. Relembra-se ainda que casos como o Instituto Politécnico de Bragança a qualidade da investigação de alguns dos seus centros de investigação é generalizadamente reconhecida internacionalmente e entre pares. Apesar disso, os jovens dos territórios de influência desses institutos politécnicos parecem, pelo menos em primeira opção, não querer que o futuro da sua formação passe por instituições ao “pé da porta”.

A polarização do reconhecimento académico e científico que se vai fazendo sentir no ensino superior é cruel do ponto de vista da procura social favorecer as massas críticas já formadas de ensino e investigação. É cruel, mas é assim também a nível mundial. Há universidades no mundo que podem dar-se ao luxo de em classificações de 0 a 100 poder escolher no percentil noventa e nove. Os jovens e as suas famílias que possam financiar a deslocação para as universidades e politécnicos melhor-cotados em termos de massas científicas e entorno de ensino do ponto de vista da empregabilidade fogem da influência possível dessas instituições, o que é, algo de cruel, para o enorme esforço de qualificação que essas instituições e os seus docentes, grande número dos quais sem bolsa de doutoramento, realizaram nos últimos anos. A esse êxodo na origem, junta-se depois o êxodo de frequência de mestrados em universidades e politécnicos de maior prestígio.

Todo este triste penar dos politécnicos do interior acontece quando diferentes relatórios internacionais sobre o ensino superior em Portugal apontam os politécnicos do interior como um instrumento poderoso a favor da coesão territorial. Tal consenso de proposta teria exigido uma alteração substancial das condições de financiamento destas instituições, que teriam de beneficiar de outras formas de financiamento vindas das políticas de coesão e não da política pública de financiamento do ensino superior em Portugal. Nada disso aconteceu e por isso o penar que os dados de primeira colocação sugerem da procura social do ensino politécnico do interior começa a assumir formas de irreversibilidade.

Conviria que as políticas públicas entendessem bem a manifestação da procura social e não continuassem no glorioso mundo do “wishful thinking”. E se insistirmos na tecla do ensino superior como instrumento de coesão então que se altere o modelo de financiamento. Sujeitar estas instituições à livre manifestação da procura social é o melhor epitáfio que poderá ser escrito sobre as mesmas e sobre os docentes e investigadores que apostaram na sua qualificação.

 

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