(Um pouco técnico
talvez, mas ainda assim um debate incontornável, sobretudo quando nele intervém
talvez o macroeconomista português de maior projeção internacional, Ricardo Reis, de Leça da Palmeira, presentemente
na London School of Economics…)
Posso recorrer ao meu horizonte temporal de referência, cerca de quarenta anos
atento à evolução do pensamento macroeconómico, e não me lembro de tão grande
agitação de ideias e de avaliações do estado da arte na macroeconomia.
Os estados de agitação, febris ou não, são de difícil caracterização e o da
macroeconomia não é exceção.
A questão tem vários cambiantes.
Um deles é, como já aqui o referi, o do pretenso desaparecimento do legado
de Keynes. O pensamento keynesiano foi prematuramente afastado do ensino da
macroeconomia e os resquícios que dele ficaram são produtos derivados relativamente
aos quais é praticamente impossível descobrir algum nexo com o pensamento original
de Keynes. Os tempos pós 2007-2008, com o regresso do tema dos estímulos
fiscais (mais assumidamente nos EUA do que noutra parte, pois na União Europeia
por aí se começou mas sem continuidade) e com o lancinante pedido de ajuda à
política fiscal protagonizado pela política monetária, vieram mostrar quão
precipitada fora a passagem de certidão de óbito ao keynesianismo. O posicionamento
entre os economistas tem mudado nesta matéria. Ainda esta semana, o sempre
atento Noah Smith (ver link aqui) dedicava na sua crónica no Bloomberg View
reflexão a esta viragem, tanto mais impressiva quanto parte dela tem origem em
economistas que tinham abraçado fervorosamente o campo contrário
Um outro eixo do debate centrou-se no repúdio generalizado que começou a
fazer-se sentir relativamente aos pressupostos simplificadores com que a
macroeconomia de mainstream era
construída. Indivíduos com um horizonte de vida infinito, expectativas racionais,
mercados financeiros totalmente eficientes e outros começaram a ser questionados
como algo demasiado dissonante da realidade, mesmo admitindo que não há teoria
sem simplificação. A onda prosseguida por este eixo chega mesmo a questionar a
própria ideia de equilíbrio geral e por aí se percebe que novas dicotomias e roturas
são traçadas, complicando o que já era de difícil arrumação.
Há ainda o mundo dos modelos macroeconómicos que servem de suporte à
atividade dos bancos centrais e dos governos em geral, particularmente dos
modelos DGSE – Dynamic General Stochastic
Equilibrium. A discussão em torno de saber se nestes modelos está presente a
influência keynesiana não é para aqui chamada. Importa só referir que também aqui
a agitação está instalada e um economista de grande sobriedade como Olivier
Blanchard não hesita em afirmar que são necessários pelo menos cinco tipos de
modelos macroeconómicos para responder a todos os desafios que o contexto atual
coloca à modelização económica (ver link aqui).
E finalmente, tal como em devido tempo aqui o acusámos, coloca-se a questão
dos termos corretos e incorretos com que a macroeconomia usa a matemática.
O que isto quer significar é que o descontentamento com o estado da arte da
macroeconomia se organiza em múltiplas tribos, algumas sobrepostas, e por isso
o debate é difícil de organizar.
É aqui que o artigo de Ricardo Reis, “Is
something really wrong with macroeconomics?”, escrito para uma conferência,
“The Future of Macroeconomic Theory”,
organizada por David Vines para a Oxford
Review of Economic Policy, merece leitura atenta, apesar do seu não
radicalismo quanto ao tema. Ricardo Reis é um macroeconomista difícil de
classificar, mas tem uma obra rigorosa, honesta nos seus propósitos, largamente
reconhecida entre pares, embora descarte uma intervenção declarada em matérias
de discussão que entrem abertamente no debate político. A sua análise do estado
da arte da macroeconomia é curiosa, abrange quatro funções: investigação, política
económica, previsão e ensino da macroeconomia.
Ricardo Reis, embora dotado de uma grande capacidade analítica e de
modelização, não é um fundamentalista. Por isso, compreende que a procura de
pressupostos melhor ajustados às economias concretas de hoje não é algo de
impossível, sendo mesmo necessária para garantir a credibilidade e utilidade da
teoria macroeconómica. É nesse sentido que, percorrendo as quatro funções atrás
assinaladas, testemunha o que ele considera uma grande capacidade de rejuvenescimento
de pensamento.
Do ponto de vista da investigação, analisa o que são segundo ele os mais
promissores jovens macroeconomistas, saídos dos Phd mais recentes e acolhidos pelas
revistas de maior prestígio entre pares. Conclui que a grande maioria dos jovens
analisados prossegue vias que respondem a muitas das críticas de pressupostos realizados
à economia de mainstream. Reis chega
a conclusões similares analisando uma maior gama de produção teórica do que a publicada
pelos novos investigadores de ponta.
Em matéria de política económica e monetária, Reis recorda que a reação a
2007-2008 concretizada pelos bancos centrais das economias mais avançadas não
teria sido possível sem o suporte da investigação e análise macroeconómicas realizadas
pelo corpo de macroeconomistas que continuam a ter nos bancos centrais a sua
principal fonte de emprego.
Em matéria de previsão macroeconómica, Reis desvaloriza a crítica generalizada
que foi feita à macroeconomia por não dar origem a modelos mais credíveis. Apoia-se
nos limites da previsão macroeconómica e salienta o trabalho em curso de revisão
desses modelos (veja-se o artigo de Blanchard).
Curiosamente e isso não é inocente, a função em que Reis é mais crítico sobre
o estado da arte da macroeconomia é a do ensino: “Macroeconomics could be taught in a much more data-driven way than what
is done today (a macroeconomia pode ser ensinada de uma maneira muito mais
influenciada pelas evidências do que o é hoje”).
Fiquem com esta posição de Ricardo Reis, na qual o economista português
procura desmistificar a por alguns designada crise da macroeconomia:
“(...) Perguntar a um investigador ativo em macroeconomia sobre
o que está hoje errado na macroeconomia é seguramente conduzir a uma resposta enviesada.
A resposta é simples: tudo está errado com a macroeconomia. Toda a hora do meu
dia de trabalho é passada a identificar onde o nosso conhecimento é
insuficiente e como é que o posso melhorar. Os investigadores são peritos em identificar
as falhas no nosso conhecimento corrente e em propor maneiras de superar essas
falhas. A investigação é isso. Assim, sempre que me perguntem o que é que está
errado em alguma parte da disciplina fui treinado durante vários anos para vos
dizer muitas situações em que está errada. Com alguma sorte, posso conduzir-vos
a um artigo que escrevi propondo uma maneira de resolver um desses problemas.”
Sobre este mesmo tema, atrevia-me a sugerir a leitura de um texto de Bernard Guerrien com o título"Les tribulations d’Olivier Blanchard, symptôme de l’état de déliquescence de la macroéconomie" (disponível em http://www.bernardguerrien.com/index.htm/)
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