(Com a devida vénia ao Understanding Society)
(Parece provocação,
mas não é, retomar o tema dos populismos em data comemorativa como a de hoje,
mas o tema urge, embora talvez a memória resistente da nossa revolução, cheia
de contradições, ajude a
compreender a resistência da sociedade portuguesa ao fenómeno, embora na diáspora
o alimentemos…)
Daniel Little no Understanding Society (link aqui) introduz apelativamente o problema:
“Parece óbvio que, na primeira ronda das eleições
presidenciais em França, precisamos urgentemente de compreender melhor a dinâmica
e as causas do populismo radical nas sociedades democráticas. O que é o populismo? Porque é que se manifesta com
tanta virulência no momento presente como um movimento político? Que papéis o
racismo, a xenofobia, o ressentimento e o medo económico desempenham na facilidade
com que cidadãos normais na Europa e na América apoiam candidatos e plataformas
populistas radicais?
Revendo algumas obras recentes sobre a matéria, Little destaca que o populismo
não é um programa ideológico, mas antes um instrumento oportunista de chegada
ao poder, o que torna mais difícil a sua caracterização e, consequentemente, o
seu combate. Por isso, é necessário cavar nas manifestações recentes e
identificar alguns traços, embora sem a certeza de que constituam padrões definidores,
isto é, aplicáveis universalmente em todas as derivas populistas.
Entre tais traços, está o apelo abstrato às pessoas e a revolta virulenta
contra as elites, numa espécie de dualismo que se alimenta das relações entre
os dois apelos. A revolta contra as elites tem por pressuposto o argumento de
que estas usurparam benefícios às pessoas e que por isso se pode conquistar
estas últimas com a denúncia violenta das elites. Nem sempre favorecida por uma
figura carismática, mas muitas vezes nela alavancada, o dualismo atrás referido
teria de ser combatido por uma perspetiva plural: “por via de muitos centros de poder e através
de uma via política de compromisso e consenso, refletindo os interesses e os
valores de tantos quanto os possíveis grupos diferentes”.
Um programa político alternativo para configurar esta perspetiva plural?
O que a experiência recente nos mostra é que a mediação política para assegurar
o tal pluralismo, no qual a diversidade constitui uma forma de resistência, não
tem sido de fácil concretização. O populismo alimenta o referido dualismo do
apelo às pessoas indiscriminadas e da virulência contra as elites com complementos
que podem ir desde a exploração do medo, das preocupações securitárias, ao nacionalismo
económico, do medo da estranheza do outro. E essa alimentação tem-se revelado
extremamente eficaz, seja ela conseguida por via de lideranças carismáticas, movimentos
sociais organizados ou exploração de dinâmicas localistas.
Mas, segundo Daniel Little, continuam questões por responder, sobretudo a
explicação das razões pelas quais o ódio e a divisão são tão retribuídos em termos
políticos nos tempos que correm.
Se estas análises estão certas uma provável vitória de Macron nas presidenciais
francesas, apesar da estupidez histórica da extrema-esquerda, não apagará os sinais
que conduziram ao populismo francês. Há um dado do problema que muitos teimam
em ignorar. Admitindo que Le Pen consegue chegar aos 40% na segunda volta, então
projetando essa dinâmica para as legislativas francesas, a Frente Nacional será
seguramente a força política com maior representação parlamentar. Então aí outros
demónios se soltarão e o então Presidente Macron vai ter de suar as estopinhas.
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