domingo, 9 de abril de 2017

SOLTAS




(A modorra pré-estival não dá para muito mais, dá para felicitar o meu colega de blogue pela sua entrada com saúde no universo do “When I’m sixty-four”, e para algumas notas soltas …)

A primeira nota solta forma-se em torno da descida à terra da justiça portuguesa. Sou dos que penso que não há na sociedade portuguesa grupos, corpos ou outras entidades coletivas que possam ser classificados a nata da nação. Há muito que penso assim. Basta-me viajar no Alfa Pendular, renovado ou não, estar atento em alguns dias cruciais da migração de juízes entre as três cidades do Porto, Coimbra e Lisboa. Bastou-me assistir às entrevistas do juiz Carlos Alexandre à SIC, meditar bem nas suas palavras e no trivial dos problemas que também o afligem, o de pagar contas ao fim do mês, com todo o respeito pela tarefa que tem a seu cargo. Por isso, sinceramente, não compreendi o coro entusiástico de adesão à figura da Procuradora Joana Marques Vidal, por mais favorável que seja o confronto das personalidades com os seus antecessores. Ora, a rábula do arquivamento dos processos contra Oliveira e Costa e Dias Loureiro com texto a deixar no ar suspeitas, praticamente acusações sem provas de condenação, contra os dois espertalhões, é de uma baixaria jurídica inqualificável e lá se foi o entusiasmo mediático pela criatura. A situação é tanto mais para mim exemplar quanto são para mim personagens execráveis, representantes ilustres do ambiente que nos rodearam em pleno consulado Cavaco, uma boa medida das falsas mudanças do país que o ex-Presidente teima em atribuir-se naquela proverbial ausência de capacidade de introspeção e de se olhar com frontalidade no espelho e não na aprovação da sua Maria. Por isso, veria com agrado a condenação de tais aves, sobre os quais se dizia à época, principalmente do segundo, de que não havia negócio gordo que se fizessem em Portugal sem a aprovação do dono, então, disto tudo. Pois, por incompetência da investigação judicial, inteligência de artimanha dos ditos cujos, ou vá lá saber-se porquê, o Ministério não conseguiu produzir acusação competente e coerente. Mas a Procuradora não resistiu e produz o arquivamento com uma acusação-suspeição para memória futura. Então é esta a personalidade que vai regenerar pela justiça a sociedade portuguesa? Estou com curiosidade em saber o que é que o papagaio João Miguel Tavares vai dizer da sua figura predileta.

Arrisco a ideia de que Joana Marques Vidal não resistiu a uma piscadela de olho ao populismo judicialista. A condenação seria popular. Como não foi possível, vamos lá tentar deixar no ar algo que não comprometa o sentimento profundo dos eleitores, marcando os ditos com um ferrete, o da desconfiança. Pura baixaria, inqualificável, algo de expressivo do caráter da Procuradora e a justiça desceu à terra, colocando-se finalmente ao nível de outros grupos e corpos sociais, onde há gente boa e gente péssima e por mais estratégias de defesa coletiva de interesses sempre vem ao de cima essa identificação com os traços mais profundos da sociedade a que pertencem.

A segunda nota solta está relacionada com a derrota da ETA perante o estado espanhol. Bem podem os etarras, simpatizantes ou praticantes, trazer para a cena mediática o assunto da rendição, da entrega das armas, da capitulação. Mas o que fica para a história, depois de tanta gente inocente morta, foi a capacidade do estado espanhol, muitas vezes de modo canhestro e não recomendável, de fazer frente à violência e terror da ETA, não cedendo, conquistando ali e acolá vitórias, até à capitulação daquela. O clima de coação e de violência que a ETA infligiu historicamente sobre representantes democráticos das populações do País Basco não poderia ter outro destino que não a vitória da democracia. Compreender a densidade histórica dos propósitos independentistas dos Bascos, que é profunda, é uma coisa. Pactuar com a coação e a violência exercida contra a democracia é algo de muito diferente e nessa incompreensão está a razão principal da derrota dos etarras.

Esperar que a memória da violência etarra se apague nas famílias espanholas atingidas pelos seus estilhaços é pura ingenuidade. Há casos notáveis de perdão, mas esses serão uma exceção. O que levanta a questão complexa do tratamento aos etarras ainda presos em prisões espanholas ou francesas. A capitulação da ETA transformá-los-á em presos de delito comum? Ora aqui está uma questão que daria para um tratado de ética e moral política.

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