(A modorra pré-estival
não dá para muito mais, dá para felicitar o meu colega de blogue pela sua
entrada com saúde no universo do “When I’m sixty-four”, e para algumas notas soltas …)
A primeira nota solta forma-se em torno da descida à terra da justiça
portuguesa. Sou dos que penso que não há na sociedade portuguesa grupos, corpos
ou outras entidades coletivas que possam ser classificados a nata da nação. Há
muito que penso assim. Basta-me viajar no Alfa Pendular, renovado ou não, estar
atento em alguns dias cruciais da migração de juízes entre as três cidades do
Porto, Coimbra e Lisboa. Bastou-me assistir às entrevistas do juiz Carlos Alexandre
à SIC, meditar bem nas suas palavras e no trivial dos problemas que também o
afligem, o de pagar contas ao fim do mês, com todo o respeito pela tarefa que
tem a seu cargo. Por isso, sinceramente, não compreendi o coro entusiástico de
adesão à figura da Procuradora Joana Marques Vidal, por mais favorável que seja
o confronto das personalidades com os seus antecessores. Ora, a rábula do arquivamento
dos processos contra Oliveira e Costa e Dias Loureiro com texto a deixar no ar suspeitas,
praticamente acusações sem provas de condenação, contra os dois espertalhões, é
de uma baixaria jurídica inqualificável e lá se foi o entusiasmo mediático pela
criatura. A situação é tanto mais para mim exemplar quanto são para mim personagens
execráveis, representantes ilustres do ambiente que nos rodearam em pleno consulado
Cavaco, uma boa medida das falsas mudanças do país que o ex-Presidente teima em
atribuir-se naquela proverbial ausência de capacidade de introspeção e de se
olhar com frontalidade no espelho e não na aprovação da sua Maria. Por isso, veria
com agrado a condenação de tais aves, sobre os quais se dizia à época,
principalmente do segundo, de que não havia negócio gordo que se fizessem em Portugal
sem a aprovação do dono, então, disto tudo. Pois, por incompetência da investigação
judicial, inteligência de artimanha dos ditos cujos, ou vá lá saber-se porquê,
o Ministério não conseguiu produzir acusação competente e coerente. Mas a
Procuradora não resistiu e produz o arquivamento com uma acusação-suspeição para
memória futura. Então é esta a personalidade que vai regenerar pela justiça a
sociedade portuguesa? Estou com curiosidade em saber o que é que o papagaio João
Miguel Tavares vai dizer da sua figura predileta.
Arrisco a ideia de que Joana Marques Vidal não resistiu a uma piscadela de
olho ao populismo judicialista. A condenação seria popular. Como não foi possível,
vamos lá tentar deixar no ar algo que não comprometa o sentimento profundo dos
eleitores, marcando os ditos com um ferrete, o da desconfiança. Pura baixaria,
inqualificável, algo de expressivo do caráter da Procuradora e a justiça desceu
à terra, colocando-se finalmente ao nível de outros grupos e corpos sociais,
onde há gente boa e gente péssima e por mais estratégias de defesa coletiva de
interesses sempre vem ao de cima essa identificação com os traços mais profundos
da sociedade a que pertencem.
A segunda nota solta está relacionada com a derrota da ETA perante o estado
espanhol. Bem podem os etarras, simpatizantes ou praticantes, trazer para a
cena mediática o assunto da rendição, da entrega das armas, da capitulação. Mas
o que fica para a história, depois de tanta gente inocente morta, foi a capacidade
do estado espanhol, muitas vezes de modo canhestro e não recomendável, de fazer
frente à violência e terror da ETA, não cedendo, conquistando ali e acolá vitórias,
até à capitulação daquela. O clima de coação e de violência que a ETA infligiu historicamente
sobre representantes democráticos das populações do País Basco não poderia ter
outro destino que não a vitória da democracia. Compreender a densidade histórica
dos propósitos independentistas dos Bascos, que é profunda, é uma coisa. Pactuar
com a coação e a violência exercida contra a democracia é algo de muito diferente
e nessa incompreensão está a razão principal da derrota dos etarras.
Esperar que a memória da violência etarra se apague nas famílias espanholas
atingidas pelos seus estilhaços é pura ingenuidade. Há casos notáveis de perdão,
mas esses serão uma exceção. O que levanta a questão complexa do tratamento aos
etarras ainda presos em prisões espanholas ou francesas. A capitulação da ETA
transformá-los-á em presos de delito comum? Ora aqui está uma questão que daria
para um tratado de ética e moral política.
Sem comentários:
Enviar um comentário