domingo, 2 de abril de 2017

FINANCEIRICES




(Tempo reduzido para reflexões no blogue, afazeres familiares de logística de mudanças, tão perto do clássico na Luz sem o poder ver ao vivo, mas tempo suficiente para confirmar que continuamos reféns das peripécias do sistema financeiro ou de quem dele é cúmplice, com as habituais aves canoras convencidas que têm um rei na barriga…)

Poderemos nós esperar, talvez ingenuamente, que vamos entrar num ciclo calmo, com o sistema financeiro finalmente estabilizado e não despertando suspeitas, não se sobrepondo à economia real e não apagando o esforço diário dos empresários portugueses, instalados e emergentes, que vão conquistando mercados, paulatina mas progressivamente?

Apesar dos esforços do regulador no sentido de impor critérios mais duros de “ring fencing”, tentando separar o sistema bancário e financeiro dos seus cúmplices, a verdade é que a sofisticação dos laços de cumplicidade, criativamente concebidos e aplicados, torna sempre provável que o armário dos esqueletos contaminados não esteja vazio, seja ele, o esqueleto, uma associação mútua como o Montepio ou outro qualquer de que ainda não conheçamos o nome. Quis o destino, ou algo menos determinista não o enjeito, que numa época em que se discute o financiamento da economia social o banco que mais se aproxima do estatuto de financiador da economia social e a mútua que se quer agora separar evidenciem que podem não estar à altura do desafio expresso pela generalidade dos atores mais representativos da economia social. O seu a seu dono. Banco para o Ministro das Finanças e associação mutualista para o Ministro do Trabalho e da Segurança Social. Mas gostaríamos de ver uma posição do Conselho de Ministros sobre a matéria. No fundo, bem lá fundo, uma grande mancha numa área em que a dedicação de alguns e o profissionalismo e competência de outros dispensaria esta ligação da associação mutualista a negócios menos claros de uma instituição desonesta como o BES o mostrou ser, por mais despudoradas tentativas de fazer do regulador o mau da fita e projetar no purgatório o verdadeiro culpado. Já agora gostaria de ser informado sobre o que foi a política de financiamento do BES para com a economia social. Alguns esqueletos surgiriam no armário das coisas menos claras.

Neste universo de financeirices, Teixeira dos Santos resolveu ser ave canora e o seu chilreado não é brilhante. Ficamos a saber que Armando Vara foi escolha sua e que a opção teve que ver com o facto de ele conhecer bem a Caixa. Sócrates talvez agradeça esta afirmação. Teixeira dos Santos trouxe, entretanto, para o debate uma distinção importante a que já aqui fiz referência, a necessidade de distinguir entre imparidades de crise e imparidades dolosas, ou seja entre crédito que à luz da informação da época podia ser considerado “um bom negócio” e crédito doloso para alimentar uma pirâmide especulativa qualquer. A transparência da análise do sistema financeiro exigiria que os portugueses tivessem acesso a uma informação rigorosa sobre o peso relativo dos dois tipos de imparidades, no BES, na Caixa, no Banif. E também nos disse que o crédito não é tarefa de um homem só. É uma verdade, meu caro. Mas convém sempre perceber que tipo de relações há entre os homens (ou mulheres) que subscrevem a concessão de um crédito até à assinatura final. É que a sucessão de assinaturas é ascendente ou seja de quem tem menos poder de decisão até quem tem a decisão final. Mas a comunicação pode ser apenas ascendente.

Finalmente, está por fazer a história da emergência da modalidade experimental de resolução de bancos em dificuldades. O regulador terá muito que contar nesta matéria, acaso na reforma e entre duas partidas de golfe tiver tempo para contar a sua própria reflexão sobre esta modalidade resolutiva, tão enxuta e inequivocamente quando inicialmente apresentada e tão discutida hoje em dia, subordinada que foi ao teste da sua aplicação, sobretudo nas condições em que se encontra o sistema financeiro mundial. Tudo muda desde a melhor solução até à solução menos má e não se sabe bem quem é o pai da ideia. Que houve barrigas de aluguer já não tenho dúvidas.

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