(Desde o rescaldo
da Grande Recessão de 2007-2008 que o protagonismo social dos economistas e a
confiança no que têm para dizer andam pelas ruas da amargura, não admira por isso que o assunto continue a
ser acesamente debatido, mas os populismos mais recentes agudizaram a situação …)
Hoje, é para muita gente claro que os economistas e a
economia levaram um grande abanão com as sequelas da Grande Recessão de
2007-2008. Se calhar não pelas melhores razões. Os macroeconomistas foram
depreciados pelo facto de não terem construído as ferramentas necessárias para
antecipar os acontecimentos que levaram à Grande Recessão. O que não é
seguramente a melhor via para criticar o papel da macroeconomia na governação.
É que tem de ser melhor discutida a relação entre a economia propriamente dita
e as ferramentas (modelos) que constituem o aparato da previsão. As ferramentas
em concreto, sobretudo as mais complexas, como o são, por exemplo, os modelos
DSGE (Dynamic Stochastic General
Equilibirum), resultam de uma multidão de pressupostos e condições de
comportamento de agentes económicos que tornam cada vez mais complexo o
estabelecimento de um nexo percetível e coerente entre o seu aparato e a teoria
económica perspetivada na sua conflitualidade intrínseca.
Desde logo, a tendência observada para que muitos desses modelos que servem
de ferramenta de previsão aos bancos centrais e outras instituições ignorem ou
pelo menos minimizem a presença do sistema financeiro na sua configuração não é
muito razoável. Depois, investigação recente (sublinhada por Noah Smith em post que vale a pena ler sobre esta
matéria) tem vindo a permitir concluir que a comparação de resultados de testes
de previsão entre os mais sofisticados modelos DSGE e modelos mais simples de
apenas uma equação tem produzido resultados desconcertantes. Os modelos mais
complexos e sofisticados não acertam mais e não erram menos do que os modelos
mais simples, o que significa que se fizéssemos uma análise custo-benefício
talvez a aposta na sofisticação da ferramenta não se justifique.
Mas, embora reconhecendo que a não antecipação dos contornos da crise de
2007-2008, apesar de alguns avisos seletivos, é matéria de abanão para uma
opinião pública que confunde perigosamente macroeconomia com previsão, a quebra
de protagonismo social e a falta de confiança no que os economistas têm para
dizer justificam uma explicação mais ampla do que a simples alquimia da
previsão nos pode oferecer. Já para não falar que se fizermos entrar a
problemática da inovação na previsão macroeconómica, desde Schumpeter que
sabemos que a inovação é por definição algo de indeterminada, que pode ser
explicada depois de ocorrer mas dificilmente ser antecipada.
A influência que os economistas exercem na decisão pública, isto é, na
opinião pública e no processo de tomada de decisão política que pode, em última
instância, ser influenciado pelos rumos da primeira, parece necessitar,
conforme Brad DeLong o assinala, de revisão profunda das condições de
autoridade e de hierarquia observadas na classe. O debate que tem sido fundamentalmente
protagonizado por Brad DeLong e Simon Wren-Lewis tem-se concentrado no
posicionamento a assumir perante o que é geralmente designado de “mainstream economics”. Não é fácil hoje
definir o que é a economia de “mainstream”.
Será que se trata da economia melhor representada em publicações nas revistas
científicas de maior prestígio, reproduzida por essa via e pelo reconhecimento
de estatuto e progressão na carreira académica que essa intensidade de
publicação possibilita? Ou estaremos a falar da economia que aparece mais
intensamente na comunicação social? Ou será da economia que mais influencia a
política dos bancos centrais e a governação em geral nas economias mais
avançadas, representadas em clubes do tipo do G20 ou similares?
O debate entre os dois economistas dos dois lados do Atlântico tem incidido
sobretudo no posicionamento mais ou menos radical face ao referido mainstream. Wren-Lewis é menos radical
quando defende que uma grande parte dos economistas de mainstream eram contrários às políticas de austeridade e que, por
isso, o combate à má influência dessa ideia não passa necessária e
obrigatoriamente por uma revolução no corpo dominante da teoria e nos
mecanismos de autoridade que o disseminam. Brad DeLong, pelo contrário,
argumenta que uma grande parte dos macroeconomistas favoráveis às políticas de
austeridade eram e são economistas de mainstream,
com grande audiência nos media. E dá
também o exemplo da influência que o chamado erro de Kenneth Rogoff e Carmen
Reinhart exerceu na política económica americana, fazendo eco de um pretenso e
falso limiar de 90% no peso da dívida pública no PIB para justificar todos os
temores quanto ao aumento do endividamento público para além desse limiar,
mesmo com taxas de juro nulas ou negativas. É também verdade que uma grande
parte dos economistas considerados de mainstream
que defenderam as políticas de austeridade se apressaram a assinar manifestos
quando começou a ser visível que Trump poderia assumir o poder.
A ascensão do populismo de Trump ao poder esbateu em parte esta divisão,
pois de mainstream ou não a economia
é identificada com a elite que o círculo mais próximo de Trump odeia e quer
marginalizar. Talvez essa orientação possa gerar algumas convergências
inesperadas, como o foram alguns dos manifestos que sem qualquer êxito
apareceram uns dias antes de se consumar a ascensão ao poder de Trump.
Mas, apesar dessa convergência possível, a controvérsia a que aludimos
neste post não pode ser ignorada:
trabalhar nos limites do mainstream
ou rejeitá-lo procurando uma alternativa com maior rotura?
Economistas, epistemológica e metodologicamente mais radicais como o interessante Lars P. Syll, não hesitam em considerar que mesmo os
implacavelmente críticos Krugman e Stiglitz não podem ser considerados
alternativas reais ao mainstream. Atentemos
na força do que Sill escreve:
“Aplicar modelos
fechados-analíticos-formalistas-matemáticos-dedutivos e axiomáticos, concebidos
com base em pressupostos atomísticos e reducionistas a um mundo que se pressupõe
consistir em entidades atomizadas e isoladas é uma receita segura para falhar
quando o mundo real é conhecido por ser um sistema aberto em que estruturas
complexas e relacionadas e agentes interagem. Deduzir validamente coisas por
via de modelos deste tipo não nos ajuda a compreender ou explicar o que está a
acontecer no mundo real em que vivemos. Deduzir validamente coisas a partir de
pressupostos reconhecidamente irrealistas- que todos sabemos serem puramente
fictícios – torna os exercícios de modelização realizados pelos economistas de
mainstream bastante inúteis. Não é este o caminho para uma efetiva compreensão
e explicação que a ciência necessita. Dizerem-nos apenas que a panóplia de
modelos matemáticos que fazem hoje a economia moderna “expandem a amplitude das
perspetivas da disciplina” é pouco e nada promissor”.
É claro que a audiência comunicacional do mainstream em economia, ponderadas as devidas exceções, é
indissociável de uma mediação política. Há gente interessada em conceder
audiência a determinadas posições e a ignorar outras. Mas falei de exceções.
Admitamos, o que pode ser controverso, que Krugman é um economista de mainstream, como Lars P. Sill o defende.
Mas dentro do mainstream é um crítico
das orientações dominantes, isso não o podemos ignorar. E também não podemos
esquecer a sua ampla e significativa audiência. Escrever crónicas e posts de blogue no New York Times é
estar numa tribuna espantosa a que todos gostaríamos de aceder. Mas não consta
que Krugman seja muito ouvido, seja por bancos centrais, seja por governos.
Por vezes, as exceções esclarecem melhor do que a regra.
Sem comentários:
Enviar um comentário