quarta-feira, 5 de abril de 2017

OS ECONOMISTAS SOB DESCONFIANÇA




(Desde o rescaldo da Grande Recessão de 2007-2008 que o protagonismo social dos economistas e a confiança no que têm para dizer andam pelas ruas da amargura, não admira por isso que o assunto continue a ser acesamente debatido, mas os populismos mais recentes agudizaram a situação …)

Hoje, é para muita gente claro que os economistas e a economia levaram um grande abanão com as sequelas da Grande Recessão de 2007-2008. Se calhar não pelas melhores razões. Os macroeconomistas foram depreciados pelo facto de não terem construído as ferramentas necessárias para antecipar os acontecimentos que levaram à Grande Recessão. O que não é seguramente a melhor via para criticar o papel da macroeconomia na governação. É que tem de ser melhor discutida a relação entre a economia propriamente dita e as ferramentas (modelos) que constituem o aparato da previsão. As ferramentas em concreto, sobretudo as mais complexas, como o são, por exemplo, os modelos DSGE (Dynamic Stochastic General Equilibirum), resultam de uma multidão de pressupostos e condições de comportamento de agentes económicos que tornam cada vez mais complexo o estabelecimento de um nexo percetível e coerente entre o seu aparato e a teoria económica perspetivada na sua conflitualidade intrínseca.

Desde logo, a tendência observada para que muitos desses modelos que servem de ferramenta de previsão aos bancos centrais e outras instituições ignorem ou pelo menos minimizem a presença do sistema financeiro na sua configuração não é muito razoável. Depois, investigação recente (sublinhada por Noah Smith em post que vale a pena ler sobre esta matéria) tem vindo a permitir concluir que a comparação de resultados de testes de previsão entre os mais sofisticados modelos DSGE e modelos mais simples de apenas uma equação tem produzido resultados desconcertantes. Os modelos mais complexos e sofisticados não acertam mais e não erram menos do que os modelos mais simples, o que significa que se fizéssemos uma análise custo-benefício talvez a aposta na sofisticação da ferramenta não se justifique.

Mas, embora reconhecendo que a não antecipação dos contornos da crise de 2007-2008, apesar de alguns avisos seletivos, é matéria de abanão para uma opinião pública que confunde perigosamente macroeconomia com previsão, a quebra de protagonismo social e a falta de confiança no que os economistas têm para dizer justificam uma explicação mais ampla do que a simples alquimia da previsão nos pode oferecer. Já para não falar que se fizermos entrar a problemática da inovação na previsão macroeconómica, desde Schumpeter que sabemos que a inovação é por definição algo de indeterminada, que pode ser explicada depois de ocorrer mas dificilmente ser antecipada.

A influência que os economistas exercem na decisão pública, isto é, na opinião pública e no processo de tomada de decisão política que pode, em última instância, ser influenciado pelos rumos da primeira, parece necessitar, conforme Brad DeLong o assinala, de revisão profunda das condições de autoridade e de hierarquia observadas na classe. O debate que tem sido fundamentalmente protagonizado por Brad DeLong e Simon Wren-Lewis tem-se concentrado no posicionamento a assumir perante o que é geralmente designado de “mainstream economics”. Não é fácil hoje definir o que é a economia de “mainstream”. Será que se trata da economia melhor representada em publicações nas revistas científicas de maior prestígio, reproduzida por essa via e pelo reconhecimento de estatuto e progressão na carreira académica que essa intensidade de publicação possibilita? Ou estaremos a falar da economia que aparece mais intensamente na comunicação social? Ou será da economia que mais influencia a política dos bancos centrais e a governação em geral nas economias mais avançadas, representadas em clubes do tipo do G20 ou similares?

O debate entre os dois economistas dos dois lados do Atlântico tem incidido sobretudo no posicionamento mais ou menos radical face ao referido mainstream. Wren-Lewis é menos radical quando defende que uma grande parte dos economistas de mainstream eram contrários às políticas de austeridade e que, por isso, o combate à má influência dessa ideia não passa necessária e obrigatoriamente por uma revolução no corpo dominante da teoria e nos mecanismos de autoridade que o disseminam. Brad DeLong, pelo contrário, argumenta que uma grande parte dos macroeconomistas favoráveis às políticas de austeridade eram e são economistas de mainstream, com grande audiência nos media. E dá também o exemplo da influência que o chamado erro de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart exerceu na política económica americana, fazendo eco de um pretenso e falso limiar de 90% no peso da dívida pública no PIB para justificar todos os temores quanto ao aumento do endividamento público para além desse limiar, mesmo com taxas de juro nulas ou negativas. É também verdade que uma grande parte dos economistas considerados de mainstream que defenderam as políticas de austeridade se apressaram a assinar manifestos quando começou a ser visível que Trump poderia assumir o poder.

A ascensão do populismo de Trump ao poder esbateu em parte esta divisão, pois de mainstream ou não a economia é identificada com a elite que o círculo mais próximo de Trump odeia e quer marginalizar. Talvez essa orientação possa gerar algumas convergências inesperadas, como o foram alguns dos manifestos que sem qualquer êxito apareceram uns dias antes de se consumar a ascensão ao poder de Trump.

Mas, apesar dessa convergência possível, a controvérsia a que aludimos neste post não pode ser ignorada: trabalhar nos limites do mainstream ou rejeitá-lo procurando uma alternativa com maior rotura?

Economistas, epistemológica e metodologicamente mais radicais como o interessante Lars P. Syll, não hesitam em considerar que mesmo os implacavelmente críticos Krugman e Stiglitz não podem ser considerados alternativas reais ao mainstream. Atentemos na força do que Sill escreve:

Aplicar modelos fechados-analíticos-formalistas-matemáticos-dedutivos e axiomáticos, concebidos com base em pressupostos atomísticos e reducionistas a um mundo que se pressupõe consistir em entidades atomizadas e isoladas é uma receita segura para falhar quando o mundo real é conhecido por ser um sistema aberto em que estruturas complexas e relacionadas e agentes interagem. Deduzir validamente coisas por via de modelos deste tipo não nos ajuda a compreender ou explicar o que está a acontecer no mundo real em que vivemos. Deduzir validamente coisas a partir de pressupostos reconhecidamente irrealistas- que todos sabemos serem puramente fictícios – torna os exercícios de modelização realizados pelos economistas de mainstream bastante inúteis. Não é este o caminho para uma efetiva compreensão e explicação que a ciência necessita. Dizerem-nos apenas que a panóplia de modelos matemáticos que fazem hoje a economia moderna “expandem a amplitude das perspetivas da disciplina” é pouco e nada promissor”.

É claro que a audiência comunicacional do mainstream em economia, ponderadas as devidas exceções, é indissociável de uma mediação política. Há gente interessada em conceder audiência a determinadas posições e a ignorar outras. Mas falei de exceções. Admitamos, o que pode ser controverso, que Krugman é um economista de mainstream, como Lars P. Sill o defende. Mas dentro do mainstream é um crítico das orientações dominantes, isso não o podemos ignorar. E também não podemos esquecer a sua ampla e significativa audiência. Escrever crónicas e posts de blogue no New York Times é estar numa tribuna espantosa a que todos gostaríamos de aceder. Mas não consta que Krugman seja muito ouvido, seja por bancos centrais, seja por governos.

Por vezes, as exceções esclarecem melhor do que a regra.

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