Adivinhava-se o desenlace, mas Rui Costa ainda procurava evitá-lo. Só que Roger Schmidt – claramente uma aposta que resultou no primeiro ano graças ao circunstancialismo de Enzo Fernández – continuou a mostrar a sua incompetência ao comando dos “encarnados” e Moreira de Cónegos foi a gota de água que fez transbordar o copo. Uma incompetência apenas igualada pela do próprio presidente, que lhe renovou o contrato e preparou com os pés a época que já corre (ou, se preferirem, com os cifrões e um voluntarismo néscio a comandarem a sua “gestão” nas compras e vendas de jogadores e na constituição do plantel – sublinho as saídas de alguns dos seus melhores atletas, como João Neves, Rafa e Neres, o favoritismo concedido a Di María e Otamendi e as aquisições a metro e sem critério visível). Agora, Rui Costa vai ter de mostrar o seu engenho através do recrutamento de um treinador capaz, sendo para mim certo que o mais bem posicionado de todos num país em que a normalidade desportiva vigorasse (apesar de instável, Sérgio Conceição é mais dotado do que Abel Ferreira, Leonardo Jardim ou Bruno Lage) acabará por ser excluído por força das suas ligações portistas – muito discutíveis, aliás! Veremos...
sábado, 31 de agosto de 2024
E FOI MESMO!
Termina hoje agosto, como tão bem aqui salientou o meu amigo e colega de blogue. Esse mês que é, em Portugal, sinal de paralisia quando na grande maior parte da Europa já significa rentrée e atividade. O agosto de 2024 foi o de uns Jogos Olímpicos que se anunciavam cheios de perigos mas que se saldaram por um magnífico sucesso parisiense e desportivo (como já salientamos neste espaço).
Decorrem entretanto os muito meritórios Jogos Paralímpicos, mas o dominante em Paris já é a incapacidade política cada vez mais patente do presidente Macron, agora perante os resultados de uma eleição que provocou desnecessariamente e que quer desvirtuar à força toda e contra quaisquer mínimos de lisura democrática – o impasse é total e não se anunciam tempos fáceis em França, agora que a secundarização de Marine Le Pen parecia suscetível de poder acontecer...
MAIS PORTUGAL...
Mais algumas amostras do Portugal que hoje somos, de modo quase irremediável: um país de reivindicação, de subsidiação, de concentração e de imigração, nomeadamente. Com implicações pouco gratificantes, do “quem não chora não mama” ao “bodo aos pobres”, enquanto o excedente permite, de uma Grande Lisboa a deitar por fora aos indonésios, paquistaneses, nepaleses e brasileiros que nos salvam o mercado de trabalho sem prejuízo das consequências sociais que arrastam e dos inerentes populismos referendários que evidenciam a desonestidade intelectual de certos políticos. À deriva e sem conseguirmos que se veja luz ao fundo do túnel...
E FOI-SE!
(O agosto acabou, apetece-me rever o filme de Miguel Gomes, com uma manhã de nevoeiro daquelas que suscita todas as imaginações possíveis, enquanto se toma o pequeno-almoço no deck- varanda fronteiro a Caminha. O que fazer com uma manhã destas? Terminam estas férias que classificaria como as férias da imobilidade, mesmo com algumas idas ao Porto. Imobilidade porque a modorra estival acabou por vencer a hipótese de programas alternativos. Será esta modorra o prenúncio da verdadeira velhice? Tenho pensado muito sobre essa possibilidade, mas acabo sempre por interpretar o facto como uma simples vitória passageira da modorra sobre a inquietude, um simples adiamento do choque com o trabalho e ele adivinha-se pressionante no mês de setembro. Mesmo assim, ontem deu para uma visita ao modesto mas digno Museu de Caminha, onde ao lado da exposição em desenvolvimento sobre arqueologia no concelho, uma exposição dos pintores Sá Coutinho e Manuel Porfírio, designada de Inquietação e Celebração – de abril a abril 50 anos de criação e liberdade justificava a nova visita..
A exposição convida-nos a ir além do formalismo geométrico que organiza sobretudo os quadros de Sá Coutinho e gostei sobretudo da Metamorfose das Mãos do Manuel Porfírio.
Mas a parte mais curiosa da exposição acaba por ser a instalação que se afirma como um manifesto poético-artístico de solidariedade com o povo palestino, colocando por assim dizer o genocídio do povo palestino no banco dos réus. A curiosidade está que a instalação explora o elemento pré-existente no local, que é um painel pintura com o tema “A Justiça” de 1885, de autoria de Julião Martinez Vigo, colocada originalmente no teto da sala de audiências do antigo Tribunal da Comarca de Caminha que é afinal a atual galeria de exposições do Museu.
E neste fim de férias, em que se regressa de uma casa a outra, um luxo e um privilégio neste universo em que a questão habitacional se inscreve como uma das mais pungentes carências, é justo que coloque aqui neste post o poema que acompanha a instalação, de autoria de um poeta palestino (Mosab Abu Toha), reproduzido e traduzido a partir de “In Things You May Find Hidden in My Ear” (City Lights Book):
“O que é lar?
É a sombra das árvores no meu caminho para a escola antes de serem arrancadas.
É a foto em preto e branco do casamento dos meus avós antes das paredes desmoronarem.
É o tapete da oração do meu tio, onde dezenas de formigas dormiam nas noites de inverno, antes de ser saqueado e colocado em um museu.
É o forno que minha mãe usava para assar pão e frango antes de uma bomba reduzir nossa casa a cinzas.
É a cafeteria onde eu assistia a partidas de futebol e jogava.
Meu filho me interrompe: uma palavra de três letras pode conter tudo isso.”
sexta-feira, 30 de agosto de 2024
KAMALA A AGUENTAR A BARRA...
O tema é candente e do mais relevante interesse global, merecendo por isso uma atualização permanente. No caso, e depois do que aqui escrevi na semana passada, algumas sondagens e prognósticos foram alterados no tocante à disputa Kamala-Trump, generalizadamente em favor da primeira (que já apresenta probabilidades de vitória estimadas em 55% e sondagens por Estados que lhe conferem uma vitória por quase 2% de diferença) e assim comprovando quanto Kamala estava amarfanhada debaixo de uma nomenclatura que se movia em redor de Biden e quanto Trump pode ser afinal um “tigre de papel” incapaz de reagir a situações que lhe invertam as expectativas (mesmo que beneficiando de ajudas tão indignas quanto as de Elon Musk – pessoalmente já nem consigo encarar um Tesla na rua! – ou as do inconcebível Robert Kennedy Jr.). E, como então explicitei, a viragem da votação na Pensilvânia poderá vir a ser a mais decisiva de todos os swing states – como, aliás, Timothy Garton Ash refere com alguma graça no título do seu artigo de hoje no “The Guardian” (ver mais abaixo).
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
COMO VAI EVOLUIR O CONFLITO EUA – CHINA?
(Richard Baldwin)
(Sabemos como na sequência da adaptação do ocidente livre aos efeitos da invasão russa da Ucrânia ficou mais clara a vulnerabilidade americana, europeia e principais parceiros à influência chinesa, entretanto classificada pelos principais estrategas como ameaça. Se é verdade que o problema chegou a ser referenciado pela administração de Trump, a ameaça só se tornou mais cristalina em plena adaptação ao novo contexto de guerra na Europa. Entretanto, o modelo económico chinês prosseguia a sua marcha implacável, assente num dirigismo político autoritário e por vezes brutal, o qual supervisiona um modelo económico em que o mercado se combina com a força vinculadora do autoritarismo. Aos olhos dos analistas ocidentais começou, entretanto, a ser visível a encruzilhada em que o modelo económico chinês se encontra. Por um lado, a tentação de tudo conseguir através da força das exportações, cavalgando agressivamente quotas a ocidente e a oriente, pelo menos enquanto os sinais de alerta contra a maléfica influência das exportações chineses nos propósitos de recuperação de alguma intensidade industrial nesses países. Por outro lado, emergia a interpretação de que a subida do rendimento per capita chinês e a ascensão das suas classes médias urbanas impunham uma nova atenção sobre o potencial de desenvolvimento do mercado interno e a necessidade de construir um novo modelo de produção capaz de responder ao consumo potencial dessas classes médias urbanas. Recentemente, a revelação dos efeitos do declínio demográfico chinês, já repetidas vezes tratado neste blogue, e os sinais de crash imobiliário tendem a perturbar esta via alternativa para o desenvolvimento económico chinês. Sabe-se também que às autoridades políticas chineses é difícil abandonar a tentação dos excedentes comerciais externos, já que essa ascensão serve às mil maravilhas o discurso político do PC chinês de expansão pelo mundo.
A partir do momento em que a ameaça chinesa está identificada, várias administrações ensaiaram posicionamentos mais agressivos contra a influência chinesa na tecnologia e nos mercados internos. O destaque vai obviamente para a administração americana, já que como sempre as autoridades europeias irão demorar uma eternidade até estabilizarem uma posição similar.
Queria neste post chamar a atenção para as eleições americanas serão também nesta matéria de importância decisiva, já que nelas se irão confrontar duas posições, uma já claramente definida pelo que se observou no passado e outra, a de Kamala Harris, ainda não suficientemente clara.
A posição de Trump é conhecida desde a sua passagem pelo poder. A sua ideia, peregrina e perigosa, é a de que os EUA poderão sozinhos enfrentar a ameaça chinesa e submetê-la aos interesses americanos. Toda a investigação disponível mostra que essa posição tem mais de fanfarronice do que evidência de suporte. Dado o nível de desenvolvimento tecnológico atingido pela China e o grau de penetração já atingido pelos produtos chineses nos mercados ocidentais, as evidências apontam para que os EUA não sejam capazes de sozinhos combater eficazmente a ameaça. Tudo indica que se Trump ganhasse voltaria a usar a mesma estratégia de só contra todos, o que revela uma péssima leitura do que é hoje a economia mundial.
Espera-se que Kamala Harris tenha sobre esta matéria uma posição mais fundamentada e essa só poderá ser a de construir alianças estratégicas com outros países, incluindo a Europa, mas outros países como a Coreia do Sul, o Japão, Austrália, Canadá, Índia e alguns outros. No número de setembro-outubro da Foreign Affairs, Aaron Friedberg, professor em Princeton assina um artigo “Stopping the Next China Shock: A Collective Strategy for Countering Beijing’s Mercantilism”, que pode ser uma boa ajuda para a candidata democrata marcar a diferença nessa matéria. Claro que no contexto atual da economia mundial, com riscos de fratura e incremento do protecionismo, urdir alianças estratégicas não é tarefa fácil, sobretudo se não forem acompanhadas de objetivos claros que os eleitorados possam compreender e avaliar as vantagens face ao ímpeto chinês. Mas, ainda que de construção difícil, essas alianças são o que o mundo livre tem de melhor para assegurar uma resposta positiva ao avanço chinês em algumas matérias, como os veículos elétricos, a tecnologia das baterias e a questão-chave dos semicondutores.