Interrompo o meu prometido desligamento perante o que vai marcando a “Terrinha” para citar mais uma vez uma crónica de Manuel Carvalho. O ex-diretor do “Público” não será propriamente um especialista de áreas económicas, sociais ou políticas mas é indiscutivelmente alguém cujas dimensões de senso comum, experiência profissional e abrangência cultural recomendam frequentemente a leitura e tomada em devida consideração das suas reflexões. É mais uma vez o caso com “Notícia de um país sábio, mas pobre”, um texto que – a despeito do exagero associado ao seu título, talvez justificado pela necessidade sentida pelo autor de reforçar o argumento de um país evolutivamente mais “sábio” do que menos “pobre” – bem poderia ser entendido como uma ótima base de partida para que os portugueses (leia-se, os nossos responsáveis políticos, os nossos agentes económicos, os nossos líderes de opinião, os nossos académicos, os nossos cidadãos em geral) se interrogassem, individual e coletivamente, sobre o que se lhes depara e o modo como não são capazes de se decidir a enfrentar com afinco e foco a realidade que os tolhe. Exemplifico, citando: ”Por muito mais sábios e competentes que os portugueses sejam, as suas aspirações continuam a ser travadas por uma espécie de imposto cobrado pelos arcaísmos do antigamente. A qualificação dos donos das empresas é baixa e amarra-os à condição do velho patrão. A organização do Estado preserva o centralismo da Idade Média. A justiça permanece ‘catatónica’ em áreas cruciais como a da administração e do fisco.” E, mais adiante, após ter definido limpidamente a passagem de António Costa pelo poder (“António Costa, justiça lhe seja feita, jamais reivindicou para si e para os seus ministros o privilégio do milagre. Na sua maneira ronceira de encarar o presente e o futuro, pedia calma.”), leem-se ainda verdades tão insofismáveis quanto as de que “essa reconstrução exige uma energia que não se vê em lado nenhum”, “há quem faça mais do que insistir na discussão sobre quem dá mais aos polícias ou mais corta nos impostos”, “Portugal terá por isso de continuar à espera que as transformações subterrâneas, naturais mais lentas, se processem” ou “saber como se acelera essa transição [uma transformação capaz de levar as empresas a criar produtos de alto valor acrescentado, capazes de pagar salários altos e impostos suficientes para financiar o Estado social] devia estar no centro do debate político”. A pergunta que se impõe é a de sempre: será que alguma vez iremos consciencializar honestamente o peso das nossas fragilidades e dos nossos limites e assumir com verdade e eficácia o potencial dos nossos trunfos para lograrmos cubicar em plenitude tudo quanto ainda nos falta fazer?
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