sábado, 31 de agosto de 2024

E FOI-SE!

 


(O agosto acabou, apetece-me rever o filme de Miguel Gomes, com uma manhã de nevoeiro daquelas que suscita todas as imaginações possíveis, enquanto se toma o pequeno-almoço no deck- varanda fronteiro a Caminha. O que fazer com uma manhã destas? Terminam estas férias que classificaria como as férias da imobilidade, mesmo com algumas idas ao Porto. Imobilidade porque a modorra estival acabou por vencer a hipótese de programas alternativos. Será esta modorra o prenúncio da verdadeira velhice? Tenho pensado muito sobre essa possibilidade, mas acabo sempre por interpretar o facto como uma simples vitória passageira da modorra sobre a inquietude, um simples adiamento do choque com o trabalho e ele adivinha-se pressionante no mês de setembro. Mesmo assim, ontem deu para uma visita ao modesto mas digno Museu de Caminha, onde ao lado da exposição em desenvolvimento sobre arqueologia no concelho, uma exposição dos pintores Sá Coutinho e Manuel Porfírio, designada de Inquietação e Celebração – de abril a abril 50 anos de criação e liberdade justificava a nova visita..

A exposição convida-nos a ir além do formalismo geométrico que organiza sobretudo os quadros de Sá Coutinho e gostei sobretudo da Metamorfose das Mãos do Manuel Porfírio.

Mas a parte mais curiosa da exposição acaba por ser a instalação que se afirma como um manifesto poético-artístico de solidariedade com o povo palestino, colocando por assim dizer o genocídio do povo palestino no banco dos réus. A curiosidade está que a instalação explora o elemento pré-existente no local, que é um painel pintura com o tema “A Justiça” de 1885, de autoria de Julião Martinez Vigo, colocada originalmente no teto da sala de audiências do antigo Tribunal da Comarca de Caminha que é afinal a atual galeria de exposições do Museu.

E neste fim de férias, em que se regressa de uma casa a outra, um luxo e um privilégio neste universo em que a questão habitacional se inscreve como uma das mais pungentes carências, é justo que coloque aqui neste post o poema que acompanha a instalação, de autoria de um poeta palestino (Mosab Abu Toha), reproduzido e traduzido a partir de “In Things You May Find Hidden in My Ear” (City Lights Book):

“O que é lar?

É a sombra das árvores no meu caminho para a escola antes de serem arrancadas.

É a foto em preto e branco do casamento dos meus avós antes das paredes desmoronarem.

É o tapete da oração do meu tio, onde dezenas de formigas dormiam nas noites de inverno, antes de ser saqueado e colocado em um museu.

É o forno que minha mãe usava para assar pão e frango antes de uma bomba reduzir nossa casa a cinzas.

É a cafeteria onde eu assistia a partidas de futebol e jogava.

Meu filho me interrompe: uma palavra de três letras pode conter tudo isso.”

 

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