segunda-feira, 12 de agosto de 2024

NA CANÍCULA DE LISBOA

 

                                                    (The Economist)

(As férias dos consultores são sempre uma caixa de surpresas, não porque ganhemos o suficiente para explorar paraísos exóticos com surpresas a cada esquina, mas porque há sempre um novo trabalho a começar, o que é sempre bem recebido, e lá vai para o boneco a programação de umas férias. Assim foi desta vez, está a começar um trabalho de avaliação do Programa de Assistência Técnica do PT 2030 e as regras do jogo contemplam inapelavelmente uma reunião de lançamento presencial do estudo. E assim, de repente, o planeador e avaliador andarilho salta da relativa frescura de Seixas e Moledo para a canícula de Lisboa, com pelo meio uma viagem de carro até ao Alfa Pendular e posterior viagem de comboio até Lisboa e volta. É verdade que dá para almoço com o filho mais novo e para confirmar que a questão da sinalização na linha Porto-Lisboa essa sim é uma permanente caixa de surpresas. Na ida, mais de meia hora de atraso por problemas de obras e sinalização depois de Setil. Na volta, até ao momento tudo aparentemente normal, exceto a costumeira instabilidade com a qual o rato do meu portátil se dá bastante mal, mas nunca se sabe, estou para ver o que acontecerá ao passar de novo por Setil. A canícula de Lisboa não é boa para a mente e cá estou eu a lutar com a página em branco do ecrã do portátil, à procura de um tema. Começo sem tema, à procura de um, e cá estou confrontado com o manancial inesgotável que a economia americana representa para o alinhavar de ideias de reflexão.)

Politicamente, a esperança em Kamala Harris continua forte, agora que se começa a conhecer algumas sondagens em estados que costumam ser decisivos e isso mostra que a dupla Trump- J.D. Vance parece não atinar com a mudança de circunstâncias. E, como em post específico o revelei, se a palavra “weird” fez mossa entre os Republicanos, talvez não tenha sido por acaso que Kamala escolheu para seu candidato a Vice-Presidente o homem que lançou precisamente o termo sobre Trump e Vance. Mas o contexto é mutável e, por estes dias, o tema da ameaça de recessão na economia americana abate-se sobre os candidatos, exigindo novas adaptações de discurso. O tema é incontornável pois o debate não pode deixar de integrar a interrogação de saber se o FED USA não demorou demais a tirar o pé do acelerado restritivo das taxas de juro de referência. Sabemos como o Banco Central americano foi acusado de intervir demasiado tarde na imposição de estímulos restritivos à economia para domar a inflação, sendo provável que, inconscientemente ou não, seja levado a prolongar excessivamente o travão restritivo para lavar a sua face perante os “falcões da política monetária”.

A questão da recessão e do seu impacto eleitoral é relevante, tanto mais que sem ela e sem indicadores que a sustentem, os Republicanos de Trump são capazes de explorar as simples perceções dos eleitores, sem qualquer evidência de suporte, para traçar um quadro negro da economia americana quando isso é absurdo e largamente artificial. Ora, se a recessão se manifestasse, isso seria um presente de última hora para os Republicanos.

Por agora o que temos é a volatilidade costumeira da bolsa americana. Nessa frente, há um tema que vale a pena acompanhar mais de perto que é a perda de fulgor da chamada economia high-tech. Noah Smith dedica-lhe um início de reflexão com a grande intuição que este jovem economista, o do coelho como animal de estimação, com que normalmente analisa a questão do tecno-otimismo (pessimismo). A reflexão a que me refiro é sobretudo relevante pois levanta a questão de saber se a economia da internet está ou não esgotada, pelo menos nas economias mais avançadas, tamanha já é a intensidade e disseminação do digital. Do ponto de vista individual, a do consumidor de internet, Smith invoca um argumento de puro economista, quando refere que a variável tempo é a grande limitação à intensificação do uso do digital. Na verdade, o tempo é finito, pelo menos para um cidadão normal, que se confronta com necessidades de socialização familiar e não só, de lazer, de trabalho e por isso, salvo se se transformar num zombie irreversível, o consumo individual da Internet enfrentará sempre rendimentos crescentes e isso terá consequências na rendibilidade dos investimentos.

E como estas coisas costumam ser como as cerejas, o Economist dá-nos conta que os sítios web de dating, ou seja, de procura de companhias, simples companhias ou algo mais do que isso, andam pelas ruas da amargura em matéria de procura de utilização. Teria a sua graça que o romantismo digital, mais ou menos libidinoso, fosse progressivamente substituído por um romantismo mais físico, não propriamente dos tempos do namoro à janela, mas em que a socialização do encontro evolui por outras formas que não a proteção oculta de um Tinder qualquer …

Nota final

Por incrível que pareça os problemas de sinalização no Lisboa-Porto a sul desapareceram como que por encanto e a viagem prossegue nos termos em que a nossa tolerância nos habituou a classificar como aceitável.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário