(A vontade de nesta modorra de agosto me interessar pela política nacional é quase nula e o aparecimento de Luís Montenegro no Pontal, na rentrée política do PSD, tem o condão de me afastar ainda mais dessa possibilidade. Já não é de “silly season” que se trata, mas do regresso em toda a linha da tática política mais de curto prazo que possa ser imaginada. Não é coisa que a estrutura de votos do novo Parlamento não anunciasse, mas não imaginei que chegasse tão cedo e com tanta intensidade. O aumento “one shot” das pensões mais baixas é um murro no peito no PS de Pedro Nuno Santos, uma jogada tática que deixa o novel líder do PS amarrado de pés e mãos e, por mais que tenha pensado no assunto, não faço a mínima ideia sobre o que é que o PS poderá contrapor a esta jogada de início de estação política. Por isso, ao ritmo claramente mais lento e espaçado com que tenho escrito em agosto, o melhor é refugiar-me na cena internacional, onde matéria não falta, ppis o mundo em geral parece não ter ido para férias. Destacarei neste post dois temas. Primeiro, a alteração provocada nas narrativas sobre a evolução do conflito na Ucrânia pela séria incursão das tropas ucranianas em território russo, no âmbito do que parece ser muito mais do que um simples conflito de incidência trans fronteiriça. Segundo, o profundo significado que poderemos associar ao diferimento no tempo da retaliação iraniana à humilhação que Israel provocou nas lideranças iranianas assassinando em Teerão um dos líderes do Hamas, ou seja, nas barbas, e elas são frondosas, do regime teocrático iraniano.)
Começo pelos acontecimentos de Kursk na Rússia, em que se estima cerca de 130.000 russos estão em deslocamento, na sequência da operação surpresa que as tropas ucranianas realizaram em território russo, no que tudo indica ser algo mais do que uma simples incursão ameaçadora por território inimigo. A dimensão territorial da Rússia constitui em si própria um delicado calcanhar de Aquiles em termos de segurança. É praticamente impossível manter a totalidade do território sob proteção militar permanente, sobretudo no contexto de uma grande parte da força militar russa estar deslocada no território ucraniano, na sequência da brutal invasão que Putin operou. A operação surpresa perpetrada pelas forças ucranianas pode ser classificada segundo vários critérios, a começar pelo do arrojo das suas forças e da sua estratégia no terreno. Mas é seguramente bastante mais do que isso, sobretudo se o controlo ucraniano das partes invadidas do território russo se mantiver, obrigando a deslocamentos de tropas russas, sobretudo se deslocadas a partir do território ucraniano para conter aquela ofensiva. A dimensão do território agora ocupado é ainda demasiado pequena para poder pesar numas eventuais negociações de paz. Mas o efeito maior que a operação surpresa provocou é seguramente a da mudança à força e a contragosto da narrativa russa sobre o decurso da guerra. E essa mudança tem duas dimensões. Primeiro, porque dá aos movimentos anti-Putin condições para se fazerem ouvir. Segundo, porque um deslocamento de 130.000 pessoas, que poderá aumentar, é dificilmente ocultável pelas autoridades russas e isso não é coisa pouca.
Claro que poderemos suscitar o tema do recrudescimento da violência do conflito que a ousadia ucraniana poderá provocar, já que Putin tudo tentará para recuperar o curso da sua própria narrativa. Sim, esse é risco mais elevado, mas admitindo, o que não está ainda provado, que existem negociações ocultas para uma possível “paz”, por mais interrogada que ela possa ser, regra geral na antecâmara desses momentos existem sempre processos de agudização das hostilidades.
Tal como acontece numa jogada mais ousada de xadrez, é natural que a resposta seja mais interrogada do que numa jogada normal e isso creio que vai acontecer. Mas temos de convir que já há algum tempo as forças ucranianas estavam na defensiva, sem poder objetivar influenciar a narrativa dos acontecimentos.
A outra questão da cena internacional que tem marcado estes dias é o tempo associado à retaliação iraniana tornada necessária pela profunda humilhação que Israel provocou assassinando o líder do Hamas em Teerão, numa operação que se terá estendido por muito tempo e que foi acionada apenas quando a referida humilhação pudesse ser mais devastadora.
Se houvesse dúvidas quanto ao caráter pensado e estruturado do regime teocrático iraniano, esta manobra de alongamento do tempo de retaliação é um bom exemplo dessa característica. Em meu entender, isso significa que o regime de Teerão está na expectativa de algum desenvolvimento na concretização de possíveis tréguas em Gaza, sobretudo por não querer dar mais nenhum passo em falso, perturbando com isso a mitigação do problema humanitário em Gaza. Isso não significa que não haja retaliação e que ela não seja violenta e seletiva.
As contradições do mundo de hoje superam tudo o que possa ser imaginado. Enquanto por cá, a modorra estival se confunde com a baixa qualidade da tática política, no Médio Oriente a vida dos mais desfavorecidos está presa por fios, que para muitos já rebentaram com as consequência conhecidas de horror e barbárie.
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