quarta-feira, 21 de agosto de 2024

QUESTÕES DE AUTONOMIA REGIONAL

 


(Não é bonito, mas trágico o que a Madeira tem oferecido aos ecrãs das televisões nacionais, ávidas de matéria para compensar a fraca densidade noticiosa deste verão que se alonga por agosto a caminhar para o seu fim. Se não bastasse a gravidade do fenómeno natural, a questão do fogo posto está a ser investigada, que atingiu uma percentagem de área ardida de grandes proporções, no plano político a autonomia regional anda pelas ruas da amargura. Perante o espanto geral, depois de um significativo atraso na chegada ao teatro das operações, afinal Porto Santo está à distância de uma simples viagem de ferry, o Presidente do Governo Regional Miguel Albuquerque e o responsável político pela proteção civil decidiram regressar às férias no Porto Santo, colocando ao rubro o caldo entornado da política regional com esta displicência de um Albuquerque cada vez mais acossado pela pulverização do eleitorado. O ritual das férias nas extensas praias de Porto Santo é uma espécie de obsessão para as lideranças regionais. Quem não se lembra dos longos séquitos que seguiam Alberto João Jardim nas suas caminhadas estivais, como se o Governo Regional realizasse reuniões chapinhando no mar da Região? Deveremos estar assim a falar de uma tradição obsessiva que nem uma ilha positivamente a arder poderá quebrar, mas sobretudo revela uma displicência de comportamento do Presidente regional que não condiz por exemplo com a sua brava intervenção nas fatídicas inundações do Funchal provocadas pelas derrocadas das ribeiras, quando ainda era Presidente da Câmara do Funchal.)

De quando em vez a natureza ou a incompetência dos humanos mostra ao país e ao mundo a fragilidade da sustentabilidade do modelo de ordenamento da Região, mesmo que nos últimos anos vários instrumentos de planeamento e de gestão territorial tenham pretendido arrepiar caminho, corrigir más e insustentáveis práticas e procurar mitigar erros do passado. A regularização de parte das ribeiras pertenceu a esse grupo, mas o problema é que a ocupação humana da ilha, fruto dos desvarios do passado, continua praticamente intacta, criando condições de forte vulnerabilidade, sempre que o fogo, o vento ou a chuva ultrapassam limiares do razoável. Esta fragilidade contrasta obviamente com o glamour do modelo económico turístico, ele próprio atentatório dessa sustentabilidade, contribuindo para um desequilíbrio de ocupação do território que é em si própria um fator de insustentabilidade.

É neste contexto muito particular que a autonomia regional se tem consolidado. Com as condições de difícil sustentabilidade a que anteriormente me referi, seria de antecipar que a proteção civil constituísse um fator de grande relevância. Esta é das matérias a que a autonomia regional deve prestar a maior atenção política, decidindo se vai até ao fim na procura da autonomia definitiva ou se, pelo contrário, opta por modelos de cooperação com o Governo central. Dadas as condições de relevo da Região, não é preciso ser um especialista de proteção civil para compreender que os meios de proteção aérea assumem uma importância primordial, cabendo-lhe decidir se mantém na Região os meios adequados ou se opta por recorrer ao apoio do Governo central sempre que a necessidade se manifesta.

No caso do incêndio que ainda grassa, parece ter havido erro de apreciação e alguma hesitação na convocação da ajuda do Governo central. Admitindo que, mais tarde ou mais cedo, a situação ficará dominada, talvez seja a altura certa para a autonomia regional decidir de uma vez por todas de que equipamentos e meios de combate necessita efetivamente para enfrentar as suas precárias condições de sustentabilidade.

As condições em que Miguel Albuquerque regressou ao poder tenderão a provocar um ambiente político e parlamentar nada propício a uma discussão serena dos rumos da autonomia regional em matéria de proteção civil, nunca perdendo de vista a insustentabilidade do modelo de ordenamento da Região que inexoravelmente tenderá a penalizar o glamour do modelo turístico. Tenho para mim que é nestas condições de problemas concretos e não no plano dos modelos que a autonomia se consolida ou fragiliza. Por isso, sigo com atenção os rumos das duas autonomias regionais, as únicas de que dispomos. E, ao contrário dos puristas da regionalização, as autonomias regionais também se fazem com problemas de governabilidade política, fazem parte da equação e não adianta imaginar que não acontecem. Aliás, bastaria estar atento ao que se passa na vizinha Espanha para fazer cair essa ingenuidade.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário