(Algumas
reflexões sobre uma ideia explanada por Guilherme Costa na Conferência do Banco
de Portugal sobre investimento e o seu financiamento. Estaremos necessariamente limitados a um
confronto macro –micro ou há aqui matéria para uma ampla revisão da economia?)
Em post anterior, chamei a atenção para a relevância da ideia avançada
por GC na já mencionada Conferência do Banco de Portugal e sobretudo para o
interesse do pequeno texto que suportou a sua intervenção em resposta à
moderação de João Vieira Pereira, jornalista do Expresso.
GC alinha com as
posições de um conjunto de economistas que redescobrem o valor do “general
management” como fator de crescimento. Ainda há dias, no Bloomberg View, John
Van Reenen (MIT e Sloan School), publicava um artigo com título provocador: “Good Managers, Not Machines, Drive
Productivity Growth” (São os bons gestores, não as máquinas, que determinam
o crescimento da produtividade). Como o GC refere, esta abordagem remete não
para o capitalismo pioneiro, à Schumpeter, mas para um empreendedorismo
executivo. Estaríamos perante uma abordagem pressupostamente mais ajustada ao
capitalismo “follower”, de adaptação
e menos vocacionado para o capitalismo de fronteira tecnológica. Esta chamada
de atenção tem pleno cabimento em época de glorificação serôdia do
empreendedorismo pioneiro, como se de repente uma sociedade como a portuguesa
rebentasse com a emergência massiva de empreendedores schumpeterianos, fazendo
de cada lugar um Silicon Valley de pequena escala. A mensagem que certo
discurso político tem passado sobre o empreendedorismo é fonte segura de
frustração e de divã para muitos jovens empreendedores, inebriados pela sedução
da criatividade. Uma descida à terra ao realismo dos desafios da gestão é uma
boa terapia, certamente uma via para prevenir frustrações futuras.
Tenho de confessar que, sempre
atraído pela questão da organização das empresas como matéria que me pressiona
permanentemente o pensamento, esta abordagem é sedutora. Mas as contradições
macro-micro nunca felizmente me abandonaram e os próprios temas da inovação
pelos quais me tenho perdido ainda acentuaram mais esse permanente vai-e-vem da
minha parte. Ora na minha formação como economista do crescimento e do
desenvolvimento económico, houve três artigos com a mesma raiz e dos mesmos
autores que nos 90 marcaram para sempre a minha visão do crescimento em
economias com necessidades de catching-up
como a portuguesa. Estou seguro que em companhia do Mário Rui Silva, do Mário
Graça Moura e do Argentino Pessoa teremos comunicado bem e em termos pioneiros
na academia a importância dos artigos a que me vou referir. Respetivamente
em 1991, Equipment Investment and Economic Growth (Quarterly
Journal of Economics), 1992, "Equipment
Investment and Economic Growth: How Robust Is the Nexus?" (Brookings
Papers on Economic Activity) e 1994, "How
Strongly Do Developing Countries Benefit from Equipment Investment?"
Journal of Monetary Economics, Brad DeLong e Lawrence Summers apresentaram evidências
robustas da importância do investimento em maquinaria e equipamento no
crescimento económico. Ao mesmo tempo que o fizeram e aproveitando a relevância
das séries longas das Penn Tables, com valores à paridade de poder de compra, DeLong
e Summers mostraram magistralmente a relevância do preço relativo do
capital-equipamento a que se investe. Políticas económicas erradas determinaram
que alguns países em desenvolvimento tivessem investido em maquinaria e equipamento
a preços relativos muito mais altos do que o preço determinado pelo seu nível
de desenvolvimento económico. Uma das matérias mais intrigantes do
desenvolvimento económico é esta. Como o preço relativo dos serviços tende a
subir com o nível de desenvolvimento económico, as economias em desenvolvimento
acabam por investir em maquinaria e equipamento a preços relativos mais altos
do que as economias avançadas. Por isso, se a política económica agravar com distorções
esta penalização, as economias em desenvolvimento para as mesmas necessidades reais
de investimento terão de investir mais.
Uma das conclusões mais
importantes dos trabalhos de DeLong e Summers (são três revistas de topo) é a
demonstração de que a taxa social de retorno do investimento em maquinaria e equipamento
é bastante mais elevada do que a taxa de retorno privado desse investimento. Isso
significa que a maquinaria e equipamento produz externalidades que beneficiam a
economia como um todo e não apenas os investidores privados que introduzem nas
empresas essa maquinaria e equipamento. Ou seja, uma situação em que essas externalidades
podem aparecer materializadas por exemplo na produtividade global dos fatores. No
artigo de 1991, há uma passagem preciosa em termos de implicações de política
económica: “Em nosso entender, as economias com menor desempenho confundiram o apoio à industrialização
com o apoio aos industriais. As políticas que tentam incrementar a saúde do
setor de equipamento enriquecendo os industriais que os produzem acabam por aumentar
preços e reduzir quantidades, e por isso são contraprodutivas, embora os
industriais se sintam contentes com tais políticas. Os instrumentos que aumentam
o volume do investimento em equipamento incentivando compras são bem mais
eficazes. A divergência entre os resultados das economias da América Latina e
da Ásia oriental e a divergência entre as estruturas de quantidades e preços produzem
ensinamentos relevantes sobre o que é uma política industrial bem-sucedida e
como deve ser implementada.”
Mas o que é que isto tem
a ver com o tema do nosso post. Aparentemente, a lógica macro diz-nos que a
aposta no investimento em maquinaria e equipamento compensa com taxas sociais
de retorno superiores ao retorno privado. A influência do PEDIP na economia
portuguesa será um bom indicador desta conclusão. Numa lógica mais micro, a boa
gestão aparece sempre positivamente correlacionada com as variáveis de desempenho
(produtividade, exportações, …). Em que ficamos? Salvo reflexão mais aprofundada,
diria que a boa gestão é crucial para que o investimento em maquinaria e
equipamento produza o retorno privado e social que os trabalhos de DeLong e
Summers tão bem evidenciaram. A reflexão de GC é relevante pois coloca o
problema no contexto posterior à crise financeira global e à crise das dívidas
soberanas. É estimulante pensar que a importância da maquinaria e equipamento
(afinal a variável determinante da disseminação do conhecimento) exija hoje um novo
olhar sobre o general management, e
sobretudo um discurso mais contido sobre o empreendedorismo. Ou seja, um novo
desafio a novas pontes macro-micro, como aliás erradamente as nossas Business
Schools têm alguma dificuldade em compreender.
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