sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

A INCERTEZA CATALÃ




(Com quase 100% dos votos escrutinados, a mensagem do independentismo capta cerca de 2.063.361 votos, representando 47,49% do eleitorado e assegurando a maioria no parlamento continuando a não ser maioritária entre a população. O Ciudadans tem um triunfo histórico, mas esperava-se mais dos socialistas catalães.)

Num contexto em que começa a ser difícil falar-se de uma maioria silenciosa, dada a enorme afluência às urnas, o 21-D mostrou o que já esperava, a cristalização da mensagem independentista em torno de cerca de 2 milhões de pessoas. A fratura está cavada e dificilmente será reparada no futuro próximo. Mas no meio de realidades já cristalizadas, há matéria de novidade, não sendo todavia claro o que é que vai representar do ponto de vista da negociação politica. Entre a mancha independentista, a CUP radical recua com significado, mesmo assim conseguindo mais votos do que um agónico PP. Puigdemont tem uma relativa vitória a partir de Bruxelas, arrebatando à Esquerda Republicana a liderança do independentismo, sendo necessário avaliar a que é que corresponde o seu reforço eleitoral. Persiste a interrogação de saber se há ou não alguma recuperação da base eleitoral da antiga Convergência pujolista ou se estamos perante uma base social nova, menos burguesa.

Do ponto de vista de uma interpretação referendária dos resultados eleitorais, ao contrário do que um Pacheco Pereira, cada vez mais ideologizado, ontem, precocemente (face ao escrutínio) anunciava na Quadratura do Círculo, o independentismo não tem ainda a maioria da população a seu favor. Uma outra incerteza prende-se com a capacidade de atuação conjunta no Parlament dos 47,49% de votos e 70 deputados. Regra geral, o recuo do radicalismo torna-o mais radical e assim poderá acontecer com a CUP e em parte com a ER ferida no seu orgulho. Entretanto, apenas com 8 deputados e cerca de 323.000 votos, o CAT COMU Podemos, com Ada Colau à cabeça, persiste também ele uma interrogação: cairá para o lado independentista ou poderá fazer algumas pontes entre os dois lados da barricada? Os mais recentes tons da governação de Colau na cidade de Barcelona não parecem bom augúrio.

Claro que o fenómeno Ciudadans que capitalizou o voto constitucional representa um facto político relevante, com cerca de um milhão e cem mil eleitores a ser seduzido pela juventude e irrequietude de Arrimadas. O voto útil PP no partido de Alberto Rivera é demasiado evidente. Para o PP, Rajoy e Santamaria fica o sabor amargo de um quase desaparecimento do eleitorado catalão, mas paradoxalmente a obra de um ato eleitoral aparentemente exemplar, que contraria em si o discurso da opressão política e policial.

Com os socialistas catalães a lamber as feridas sabe-se lá por quanto tempo, a grande incerteza consistirá na interrogada agilidade política do PP para lidar com esta situação e dar-lhe um rumo que estanque a subida do independentismo para valores acima dos 50% da população. E é neste ponto que o meu ceticismo se enraíza. Terá o PP suficiente inteligência para compreender que o chumbo constitucional do Estatuto de Autonomia da Catalunha tal como havia sido desenhado, por si exclusivamente induzido, foi um erro politico crasso e que as negociações deveriam iniciar-se com essa convicção? Tenho dúvidas, profundas dúvidas.

Os próximos dias serão de anestesia. As vozes celestiais dos pequenos cantores vão anunciando os prémios de El Gordo. O Natal, a passagem de ano e o ritual dos Reis interrompem o pós-21D, mas os números da bolsa e do IBEX, do investimento estrangeiro, da deslocalização empresarial e do desemprego crescente pressionarão quanto baste a agenda do próximo governo que sairá desta maioria independentista.

A Catalunha está transformada numa incerteza estrutural. Poderia não ter sido assim? Podia. Mas ela estava lá.

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