sábado, 30 de dezembro de 2017

POESIA OU CINEMA?




(Um café matinal, a livraria de bairro ao pé de casa e a irresistível tentação de comprar a reedição dos Poemas Quotidianos de António Reis, naquelas edições que contribuirão sempre para adiar a compra de um Kindle ou coisa similar. Uma preciosidade feita livro, em que o cinema está sempre presente.)

Nunca tive o prazer de ver ou ouvir António Reis ao vivo. Mas sei que, como urbano empedernido, o seu Trás-os-Montes de 1976 marcou para sempre a minha visão desse território, que em termos profissionais comecei a compreender melhor nos anos 80. Nas imagens desse filme (António Reis  e Margarida Cordeiro) era despertado para uma estranha poesia da pobreza e do abandono.

Ao tempo, desconhecia os Poemas Quotidianos e a sua inclusão pelo saudoso Eduardo Prado Coelho numa coletânea da entretanto desaparecida Portugália Editora. A sua reedição pela Tinta da China, com o critério conhecido e rigoroso de Pedro Mexia, é seguramente das coisas melhores de 2017. Folhei-o com curiosidade e se nos anos 70 as imagens me sugeriam a poesia agora os versos fazem-me recordar as imagens.

Deixo-vos ficar com este poema que não sei dizer se é poesia ou etnografia ou as duas coisas, imagens de um país que já fomos e que queremos esquecer:

“Hei-de entrar nas casas
também

como o silêncio

A ver os retratos dos mortos
nas paredes
um bombeiro um menino

A ver os monogramas bordados nos lençóis

os vestidos virados
os vestidos tingidos
os diplomas de honra
as redomas

E a caderneta de Socorros Mútuos
e Fúnebres

em atraso.”

Suave arrepio.

E este hino ao envelhecimento:

“Na mágoa dos dias
amor
nasce-te uma ruga

mesmo de alegria.”

Feliz 2018. Trabalhemos para isso.

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