(Um café matinal,
a livraria de bairro ao pé de casa e a irresistível tentação de comprar a reedição
dos Poemas Quotidianos de António Reis, naquelas edições que contribuirão sempre
para adiar a compra de um Kindle ou coisa similar. Uma preciosidade feita livro, em que o
cinema está sempre presente.)
Nunca tive o prazer de
ver ou ouvir António Reis ao vivo. Mas sei que, como urbano empedernido, o seu Trás-os-Montes
de 1976 marcou para sempre a minha visão desse território, que em termos profissionais
comecei a compreender melhor nos anos 80. Nas imagens desse filme (António Reis
e Margarida Cordeiro) era despertado
para uma estranha poesia da pobreza e do abandono.
Ao tempo, desconhecia os
Poemas Quotidianos e a sua inclusão pelo saudoso Eduardo Prado Coelho numa
coletânea da entretanto desaparecida Portugália Editora. A sua reedição pela
Tinta da China, com o critério conhecido e rigoroso de Pedro Mexia, é seguramente
das coisas melhores de 2017. Folhei-o com curiosidade e se nos anos 70 as
imagens me sugeriam a poesia agora os versos fazem-me recordar as imagens.
Deixo-vos ficar com este
poema que não sei dizer se é poesia ou etnografia ou as duas coisas, imagens de
um país que já fomos e que queremos esquecer:
“Hei-de
entrar nas casas
também
como o silêncio
A ver os
retratos dos mortos
nas
paredes
um
bombeiro um menino
A ver os
monogramas bordados nos lençóis
os vestidos
virados
os vestidos
tingidos
os diplomas
de honra
as redomas
E a
caderneta de Socorros Mútuos
e Fúnebres
em atraso.”
Suave arrepio.
E este hino ao envelhecimento:
“Na mágoa
dos dias
amor
nasce-te
uma ruga
mesmo de
alegria.”
Feliz 2018. Trabalhemos
para isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário