terça-feira, 19 de dezembro de 2017

FAITES VOS JEUX




(A atípica campanha eleitoral na Catalunha está no fim, com cadeiras vazias em palco e muita demagogia a povoar o discurso político, antecipando-se uma derrota estrondosa do PP com debandada dos seus eleitores para o CIUDADANOS e tempos complexos de uma negociação complexa. Poderia ter sido de outra maneira?)

Ainda hoje de manhã ouvia na rádio Antena 1 um discurso incendiário de Gabriel Rufián (mas que nome bem aplicado!), deputado em Madrid da Esquerda Republicana, e compreendia que a Catalunha está de novo perante um lio negocial sério, tanto mais enovelado quanto mais se percebe que negociadores de boa vontade há poucos.

Como não se desejava, a campanha eleitoral foi atípica, mas não menos intensa, com a imagem das cadeias vazias dos encarcerados Junqueras e outros e com Puigdemont a fazer de grande exilado que não é a partir de Bruxelas como os elementos de maior atipicidade.

Tal como o oportuno artigo do El País o ajuda a compreender (link aqui), não pode dizer-se que as intenções de voto estejam objetivamente estabilizadas.

Observaram-se algumas oscilações que poderemos resumir assim: (i) o CIUDADANOS manteve-se em crescendo, sobretudo através da irrequietude da sua candidata Inês Arrimadas, sobretudo alimentada pela contínua deserção de eleitores PP para os lados da formação liberal catalã e pelo piscar de olhos a personalidades independentes como Vargas Llosa, embora eu seja cada vez mais cético quanto ao valor eleitoral dessas bandeiras (lá e cá); (ii) a Esquerda Republicana continua a dominar o lado independentista, mas teve dinâmicas contraditórias desde a aplicação do 155, reforçou-se primeiro face aos seus pares, caindo depois; mesmo assim, poderá ter o maior número de lugares no Parlament; (iii) as restantes forças independentistas continuam a bicar-se mutuamente, com acusações de diferente teor e a oscilar na sua posição; o partido de Puigdemont parece não ter unhas para liderar de novo a banda independentista, apesar de ser o boneco mais popular entre os truculentos “caganers” (bonecos artesanais de personalidades defecando); a CUP parece confinada no seu radicalismo e a aliança Podemos-Ada Colau pode ter alguma palavra a dizer, embora abaixo dos 10%; o Partido Socialista catalão do bonacheirão e colaborativo Miguel Iceta fez ressurgir um pouco a sua expressão eleitoral, mas não chega para uma aliança de governação com Arrimadas e suas tropas; finalmente, o PP está entregue à sua irrelevância na Catalunha, terá de batalhar muito para chegar aos 6% e isso diz tudo.

Pela síntese das sondagens mais recentes que está disponível, o CIUDADANOS arrisca-se a ter uma vitória de Pirro em termos de votos, ou seja não suficiente para liderar em termos de deputados e aquém dos resultados necessários para forçar com Miguel Iceta uma governação constitucional da Catalunha. Os independentistas parecem estar contidos na sua força eleitoral, mas a verdade é que podem bloquear qualquer alternativa de governação e podem até formar governo, admitindo que as bicadas recíprocas vão parar. Há, por conseguinte, um cenário do tipo baralhar e voltar a dar, mas com as cartas negociais praticamente na mesma posição. O que não é propriamente o que o PP desejaria, até para poder cumprir as promessas que fez de não se opor a qualquer iniciativa de reformulação constitucional. A aliança entre PODEMOS (em deflagração interna cada vez mais evidente) e a alcaldeza Ana Colau (CeC) pode ser decisiva na negociação futura, mas, pelas sondagens existentes, o somatório Ciudadanos + PSC + CeC ainda se apresenta inferior ao dos independentistas.

Tudo isto tem uma moral de história que é para mim cada vez mais evidente. Podemos todos estar de acordo contra o aventureirismo dos independentistas, o irritante supremacismo catalão e a campanha de desinformação que os independentistas foram construindo ao longo do tempo, no mais puro modelo de agit pro como não se conhecia revigorado há tanto tempo. Mas o sentimento independentista está lá, até porque me recuso a aceitar que os catalães sejam estúpidos ou de baixa literacia média. Assim sendo, pese embora a criatividade de Arrimadas (num partido que, convém não ignorá-lo, começou por ser iniciativa do que de melhor existia entre os intelectuais cívicos catalães) e a disponibilidade agregadora e colaborativa de Iceta, falta força a uma alternativa constitucional. Dá a impressão de que os ganhos CIUD e PSC não cavam decisivamente no universo dos independentistas, a não ser que à boca das urnas haja uma tomada de consciência de última hora.

Por isso, não custa imaginar que toda a instabilidade é possível depois do dia 21 D, embora haja muitos dias até ao Natal e Reis.

Sem comentários:

Enviar um comentário