(O pacote fiscal
que Trump está a fazer passar pelas instâncias políticas americanas está a suscitar
um amplo debate entre os macroeconomistas. Acompanhando de perto esse debate, compreende-se facilmente que quem se
afirma frequentemente à margem da política aparece afinal largamente comprometido
com a preocupação de dar ao pacote fiscal de Trump um sentido de racionalidade
económica, quando afinal a agenda subjacente é claramente outra.)
A agenda económica de
Trump não é propriamente um exemplo de elaboração. Aparentemente ela tem o propósito
de agradar aos descontentes com a desindustrialização que a economia americana
tem vindo a experimentar nas últimas décadas. Descontentes que se transformaram
em apoiantes à espera dos coelhos que o mestre se propôs tirar da cartola. Nessa
linha da frente, o homem tem ladrado mais do que mordido. No início, avançou
com alguns (poucos) processos mediativos de ameaça a empresas que tinham
processos de deslocalização em curso. Rapidamente os abandonou. Depois,
atirou-se aos macro acordos comerciais regionais, com a mesma ladainha, suster
a perda de empregos da economia americana, que nós sabemos resultarem mais do
progresso tecnológico do que do comércio internacional. Ensaiou depois algumas
guerrinhas com o Canadá com o mesmo propósito. Mas a agenda não é propriamente
essa. Trump está no poder para defender os interesses dos empresários que partilham
o seu mundo. Tão simples como isso. O que revoluciona completamente os princípios
do lobbying e da captura de interesses.
Para quê lobbying e captura de
interesses quando se pode governar diretamente sem intermediações que dão
sempre trabalho a fidelizar e a financiar? Tão simples como isso.
O generoso pacote fiscal
que Trump submeteu às instâncias políticas americanas constitui o melhor
indicador dessa agenda assim concebida. A administração Trump desdenha claramente
das elites da macroeconomia. Coerentemente, já que a sua eleição viveu dessa rejeição.
Mas quando começaram a ser conhecidos os contornos mais efetivos do pacote fiscal,
muitos economistas alertaram para o grande embuste que ele representava. A redução
de impostos servia claramente os mais ricos e poderosos. Mas apesar de
rejeitadas pelo populismo americano, as elites macroeconómicas dão jeito, não
para pensar a tomada de decisão, mas antes para validar o que já foi decidido. Nestas
ocasiões, há sempre quem esteja disposto a fazer o jeito, mesmo que a um personagem
tão caótico e perigoso como Trump. E, regra geral, para além de arraia-miúda
que consegue uns minutos de presença nos media, há sempre alguns graúdos e
respeitados, regra geral também pertencendo ao grupo dos que religiosamente se
intitula de não-político, a-político ou politicamente agnóstico. É o caso de
gente poderosa na academia como Robert J. Barro, Michael J. Boskin e John P. Taylor
que com mais cinco companheiros recorreram às páginas do Wall Street Journal
(mas onde é que havia de ser?) para glorificar o pacote fiscal de Trump. Fazendo-o,
lançando para a opinião a pseudodemonstração de que o pacote irá representar um
importante estímulo do crescimento económico e praticamente ignorando as possíveis
implicações do programa em termos de agravamento do défice externo e dos níveis
de endividamento do país. Esperava-se que gente deste calibre de formalização
académica aparecesse com modelo próprio, devidamente explicitado para
viabilizar o escrutínio amplo e rigoroso, pois de folhas EXCEL com bugs estamos fartos (não sei se me
percebem …). Pois não. Os graúdos recorrem pelo contrário a modelos de outrem (incluindo
a OCDE) em termos que se prestam a muitas dúvidas, do tipo de utilizarem alternativas
de maior crescimento sem explicar devidamente porque não consideraram as hipóteses/cenários
de menor crescimento.
Lawrence Summers não será
propriamente um santo nestas matérias. Mas rigor e frontalidade nestas matérias
não lhe faltam. Em companhia de Jason Furman (ambos com filiação em Harvard) e
utilizando agora o Washington Post e o Financial Times (tudo é simbólico neste
debate), os dois economistas interpelam o outro grupo (link aqui e aqui), a bem de um debate
franco e rigoroso. Resposta e contrarresposta estão já no ar e prontas para análise.
Não é de facto muito convincente a esperança do grupo pró-Trump em efeitos consideráveis
sobre o crescimento económico e até algo suspeita a maneira como descartam os
cenários de crescimento menor estudados pelas suas referências (link aqui). E certamente
ainda mais suspeitos, quando sugerem que o pacote irá pagar-se a si próprio,
sem impacto no défice nem no nível da dívida.
É por estas e por outras
que bem compreendo amigos provenientes de outras academias (de outras ciências)
quando desdenham da pretensa cientificidade
com que alguns macroeconomistas se apresentam nos respetivos universos ou mesmo
outros universos disciplinarmente mais amplos. A pretensa validação do pacote fiscal
de Trump mais uma vez vem mostrar que os pretensamente politicamente agnósticos
são afinal os mais vendáveis para dar uma mão a agendas que afinal são mais
simples do que parecem. E o pior é que há quem nelas vote, sem pestanejar.
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