(Em 2014 cheguei
por vias travessas à obra do Arquiteto de Berkeley Christopher Alexander, tendo
dedicado a essa descoberta um post (link)que pode ser relembrado aqui. Do City is not
a Tree à sua monumental obra The Nature of Order foi um ápice. Agora que consegui ter finalmente acesso aos
seus quatro volumes, tenho-me aventurado na sua descoberta.)
Leitor errático,
indisciplinado, com demasiados interesses para o tempo disponível de alguém com
atividade profissional ainda intensa, enquanto o estado da cuca o permitir, sou
propenso a aventurar-me em digressões de leitura que se entrechocam e demoram
demasiado tempo a consumar efeitos de progressão de ideias e de investigação
suplementar.
Foi assim com a
descoberta da obra do Arquiteto Christopher Alexander (arquiteto apenas por
conveniência porque a sua obra é inclassificável do ponto de vista dos cânones
de organização bibliográfica). O mais curioso, como o podem recordar no post acima assinalado, foi alguém
fortemente identificado com a realidade empresarial que me sugeriu a leitura do
marcante artigo “The City is not a Tree”.
Este desconcertante artigo conduziu-me à seminal “The Nature of Order”, uma edição muito cuidada do Center for Environmental Structure,
Berkeley, Califórnia, onde Alexander desenvolve com a sua equipa a
sistematização de quase trinta anos de pesquisa e prática reflexiva. O
subtítulo que enquadra os quatro volumes, An
Essay on the Art of Building and the Nature of the Universe (Um Ensaio
sobre a Arte de Construir e a Natureza do Universo anuncia a ambição inesperada
da reflexão de alguém que reflete sobre a sua prática profissional. A
interrogação sobre o que é afinal uma boa arquitetura ou um bom edifício conduz
Alexander a algo de mais vasto que é afinal uma teoria da arquitetura, da
matéria e da organização. Os quatro volumes anunciam a vastidão da reflexão:
volume 1 – O Fenómeno da Vida; volume
2 – Uma Visão de um Mundo Vivo;
volume 3 – O Processo de Criação da Vida;
volume 4 – O Chão Luminoso.
À medida que vou
dedicando algum tempo à leitura do volume inicial, que é talvez o que situa
melhor o alcance e ambição da reflexão, vou-me colocando esta questão. A Nature of Order interpela não só a
arquitetura, mas também a física, a biologia, a filosofia, a cosmologia, as
ciências da organização. Por isso, alguma pesquisa expedita feita em direção ao
passado permite-me concluir acerca de um silêncio quase absoluto sobre o
alcance desta obra e o que ela representa para a nossa compreensão do mundo
construído e do mundo vivo em geral neste país em que vivemos. O que só posso
entender pela fortíssima segmentação e compartimentação do conhecimento
científico, ou seja a transdisciplinaridade não faz mérito e não ajuda a subir
na carreira científica.
Pelo que já apropriei, o
ponto de referência de Alexander é o paradigma mecanicista e funcional
introduzido pelo cartesianismo e presente nas mais modernas tentativas de
formação de perspetivas mais holísticas do universo, as quais, apesar dos seus
progressos, não conseguem libertar-se da influência do racionalismo dos
mecanismos.
Nas palavras de
Alexander: “O que é que eu quero exatamente dizer com a perspetiva mecanicista
e racionalista do mundo? Para mim, isso é grosso modo a perspetiva da física do
século XIX. Ou seja, uma perspetiva do mundo feita de átomos que gira de uma
forma mecânica: um mundo em que se pressupõe que todo o universo é um mecanismo
cego, girando à sua própria maneira, sob o impacto das “leis da natureza”. Essas
leis são essencialmente aquelas leis mecânicas que explicam como os átomos e
as estruturas feitas desses átomos atuam à sua maneira, sob a influência de
forças e configurações” (The Phenomen of
Life, pag.8).
Com um verdadeiro
compêndio de belíssimos e intrigantes exemplos de história de arte e da
arquitetura, Alexander coloca-nos perante o paradoxo de certos edifícios nos transmitirem
uma perceção inequívoca de ordem viva, logo obrigando a convocar o nosso “EU” e
não apenas os mecanismos implícitos na sua construção. Como se diz na
introdução do Center for Environmental Structure,
“Os livros oferecem-nos uma perspetiva do universo
centrada no humano, uma perspetiva da ordem, na qual a alma ou o sentimento
humano e a alma, desempenham um papel central. Nelas, as experimentações não
são apenas concebíveis em termos de um modo Cartesiano abstrato, mas envolvem
uma nova categoria de experiências baseadas no sentimento humano como forma de
medida, mostrando-nos os fundamentos de toda a arquitetura como algo que reside
nos seres humanos. Se esta ‘alguma coisa’, que é demonstrada e discutida ao
longo dos quatro volumes, deve ou não ser entendida como uma nova entidade
presente na matéria, ou o que é regra geral designado de ‘alma’, cabe ao leitor
decidir.”
Certamente estão a
compreender o que de revolucionário, se conseguido e fundamentado, pode estar
implícito nesta abordagem. Implicações por exemplo em matéria de consideração
dos valores, que tendemos a considerar um elemento de subjetividade que
condiciona por exemplo a universalidade dos conceitos de desenvolvimento, recebem
aqui um impulso totalmente novo.
Interessou-me sobretudo
o modo como Alexander afasta a religiosidade como algo que pode conferir aos
tais edifícios com vida essa tal relação do Eu com a matéria e seus mecanismos.
Há edifícios que não tiveram essa origem que nos oferecem esse equilíbrio e
interpenetração.
Enquanto vou avançando
na exploração, não pude deixar de me recordar do fascínio que algumas janelas
de Siza Vieira em Serralves me provocam. Será que esse fascínio estará contido
nos mecanismos de funcionalidade que o desenho de Siza convocou? Não me parece.
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