terça-feira, 26 de dezembro de 2017

LEITURAS




(Em 2014 cheguei por vias travessas à obra do Arquiteto de Berkeley Christopher Alexander, tendo dedicado a essa descoberta um post (link)que pode ser relembrado aqui. Do City is not a Tree à sua monumental obra The Nature of Order foi um ápice. Agora que consegui ter finalmente acesso aos seus quatro volumes, tenho-me aventurado na sua descoberta.)

Leitor errático, indisciplinado, com demasiados interesses para o tempo disponível de alguém com atividade profissional ainda intensa, enquanto o estado da cuca o permitir, sou propenso a aventurar-me em digressões de leitura que se entrechocam e demoram demasiado tempo a consumar efeitos de progressão de ideias e de investigação suplementar.

Foi assim com a descoberta da obra do Arquiteto Christopher Alexander (arquiteto apenas por conveniência porque a sua obra é inclassificável do ponto de vista dos cânones de organização bibliográfica). O mais curioso, como o podem recordar no post acima assinalado, foi alguém fortemente identificado com a realidade empresarial que me sugeriu a leitura do marcante artigo “The City is not a Tree”. Este desconcertante artigo conduziu-me à seminal “The Nature of Order”, uma edição muito cuidada do Center for Environmental Structure, Berkeley, Califórnia, onde Alexander desenvolve com a sua equipa a sistematização de quase trinta anos de pesquisa e prática reflexiva. O subtítulo que enquadra os quatro volumes, An Essay on the Art of Building and the Nature of the Universe (Um Ensaio sobre a Arte de Construir e a Natureza do Universo anuncia a ambição inesperada da reflexão de alguém que reflete sobre a sua prática profissional. A interrogação sobre o que é afinal uma boa arquitetura ou um bom edifício conduz Alexander a algo de mais vasto que é afinal uma teoria da arquitetura, da matéria e da organização. Os quatro volumes anunciam a vastidão da reflexão: volume 1 – O Fenómeno da Vida; volume 2 – Uma Visão de um Mundo Vivo; volume 3 – O Processo de Criação da Vida; volume 4 – O Chão Luminoso.

À medida que vou dedicando algum tempo à leitura do volume inicial, que é talvez o que situa melhor o alcance e ambição da reflexão, vou-me colocando esta questão. A Nature of Order interpela não só a arquitetura, mas também a física, a biologia, a filosofia, a cosmologia, as ciências da organização. Por isso, alguma pesquisa expedita feita em direção ao passado permite-me concluir acerca de um silêncio quase absoluto sobre o alcance desta obra e o que ela representa para a nossa compreensão do mundo construído e do mundo vivo em geral neste país em que vivemos. O que só posso entender pela fortíssima segmentação e compartimentação do conhecimento científico, ou seja a transdisciplinaridade não faz mérito e não ajuda a subir na carreira científica.

Pelo que já apropriei, o ponto de referência de Alexander é o paradigma mecanicista e funcional introduzido pelo cartesianismo e presente nas mais modernas tentativas de formação de perspetivas mais holísticas do universo, as quais, apesar dos seus progressos, não conseguem libertar-se da influência do racionalismo dos mecanismos.

Nas palavras de Alexander: “O que é que eu quero exatamente dizer com a perspetiva mecanicista e racionalista do mundo? Para mim, isso é grosso modo a perspetiva da física do século XIX. Ou seja, uma perspetiva do mundo feita de átomos que gira de uma forma mecânica: um mundo em que se pressupõe que todo o universo é um mecanismo cego, girando à sua própria maneira, sob o impacto das “leis da natureza”. Essas leis são essencialmente aquelas leis mecânicas que explicam como os átomos e as estruturas feitas desses átomos atuam à sua maneira, sob a influência de forças e configurações” (The Phenomen of Life, pag.8).

Com um verdadeiro compêndio de belíssimos e intrigantes exemplos de história de arte e da arquitetura, Alexander coloca-nos perante o paradoxo de certos edifícios nos transmitirem uma perceção inequívoca de ordem viva, logo obrigando a convocar o nosso “EU” e não apenas os mecanismos implícitos na sua construção. Como se diz na introdução do Center for Environmental Structure, Os livros oferecem-nos uma perspetiva do universo centrada no humano, uma perspetiva da ordem, na qual a alma ou o sentimento humano e a alma, desempenham um papel central. Nelas, as experimentações não são apenas concebíveis em termos de um modo Cartesiano abstrato, mas envolvem uma nova categoria de experiências baseadas no sentimento humano como forma de medida, mostrando-nos os fundamentos de toda a arquitetura como algo que reside nos seres humanos. Se esta ‘alguma coisa’, que é demonstrada e discutida ao longo dos quatro volumes, deve ou não ser entendida como uma nova entidade presente na matéria, ou o que é regra geral designado de ‘alma’, cabe ao leitor decidir.”

Certamente estão a compreender o que de revolucionário, se conseguido e fundamentado, pode estar implícito nesta abordagem. Implicações por exemplo em matéria de consideração dos valores, que tendemos a considerar um elemento de subjetividade que condiciona por exemplo a universalidade dos conceitos de desenvolvimento, recebem aqui um impulso totalmente novo.

Interessou-me sobretudo o modo como Alexander afasta a religiosidade como algo que pode conferir aos tais edifícios com vida essa tal relação do Eu com a matéria e seus mecanismos. Há edifícios que não tiveram essa origem que nos oferecem esse equilíbrio e interpenetração.

Enquanto vou avançando na exploração, não pude deixar de me recordar do fascínio que algumas janelas de Siza Vieira em Serralves me provocam. Será que esse fascínio estará contido nos mecanismos de funcionalidade que o desenho de Siza convocou? Não me parece.

Irei dando notícias da exploração.

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