(A candidatura de
Mário Centeno à presidência do Eurogrupo, para além de representar um
inesperado reconhecimento de um percurso pessoal, equivale a uma jogada com
riscos no plano político interno e quem não arrisca … Mas talvez o resultado final seja fortemente
tributário das negociações que vão acontecendo em Berlim.)
Pode António Costa revelar
todas as ganas deste mundo para agarrar o touro dos próximos dois anos de governação
(e sobretudo o orçamento de 2019) pelos cornos. Mas o próprio reconhecerá que o
último semestre foi doloroso e um grande teste à sua resistência política. Não
propriamente pela dificuldade intrínseca de alguns dos problemas observados, do
domínio da simples trapalhada e estruturais, e pela fragilidade estrutural em
que o país continua a viver, apesar da conjuntura positiva. Mas antes e
principalmente porque o último semestre levantou dúvidas sobre algumas das
qualidades de governação que, da esquerda à direita, todos reconheciam em António
Costa. Deve ter doído, imagino e compreendo.
A candidatura de Centeno
é, em meu entender, indissociável da perceção que Costa terá tido de que a
convergência de tantos e tão complexos acontecimentos (o Brexit e as suas consequências,
o advento dos populismos, a emergência de Macron, os cenários de governação na
Alemanha) constituiria um momento para algum abanar de coisas na zona Euro e na
União. Se essa perceção estiver correta, intuo que está, e não ignorando a
possibilidade de tudo ficar na mesma, a possível chegada de Centeno à presidência
do Eurogrupo é uma via para acompanhar esse processo num outro posicionamento. Nesse
cenário, ainda que a presidência do Eurogrupo se faça através do que for o
desempenho de Centeno e não do país, podemos entender que Portugal passa
indiretamente a ter uma outra reserva de posição, digamos um outro capital de
geração de consensos em que a nossa própria situação possa ser considerada.
Aparentemente, a
eventual presidência permitirá a Centeno manter no plano interno a sua
equilibrada perspetiva sobre a consolidação orçamental. Mas a jogada permanece
arriscada, já que ninguém poderá afiançar que a situação está madura para
mudanças. Mas que mudanças? A necessidade de ir consertando o edifício do Euro,
colmatando as suas mais perigosas lacunas, a flexibilização do tratado
orçamental, a concretização dos avanços na União Bancária, uma maior harmonização
fiscal, e sobretudo a capacidade de acomodar a estabilização dos mecanismos de
funcionamento do euro com a convergência estrutural dos países menos desenvolvidos
da União.
Matéria não falta. A
tudo isto não será indiferente que tipo de desfecho vamos ter nas negociações para
um novo governo alemão, sobretudo que tipo de contrapartidas vai o SPD (veremos
em que medida a perceção europeia influenciará essas contrapartidas) conseguir
arrancar para se comprometer seja com uma coligação, seja com simples apoio
parlamentar.
O risco da jogada estará
obviamente nesta possibilidade, que oxalá não se observe. Imaginemos que na
frente das mudanças a inércia da continuidade se impõe e que Portugal sente
dificuldades de consolidação orçamental. Nesse contexto, ter um presidente do
Eurogrupo de nada nos valerá, antes acentuará as contradições. É óbvio que uma
eventual passagem pela presidência tem uma limitação temporal limitada. Mas Mário
Centeno até pode continuar ministro das Finanças num futuro governo PS, embora
essa futurologia não seja para agora.
O facto da candidatura
de Centeno coincidir com a reunião dos socialistas europeus em Lisboa não é
seguramente uma simples coincidência de calendários. Não acredito que Costa
tenha avançado apenas com uma simples contagem de apoios possíveis. Terá a sua
intuição de que o momento é para acompanhar no centro das decisões e não na sua
periferia. Não é a primeira vez que a Europa tem momentos destes e não sai nada
de relevante. E até pode acontecer alguma reviravolta de última hora.
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