domingo, 3 de dezembro de 2017

JOGADA ARRISCADA




(A candidatura de Mário Centeno à presidência do Eurogrupo, para além de representar um inesperado reconhecimento de um percurso pessoal, equivale a uma jogada com riscos no plano político interno e quem não arrisca … Mas talvez o resultado final seja fortemente tributário das negociações que vão acontecendo em Berlim.)

Pode António Costa revelar todas as ganas deste mundo para agarrar o touro dos próximos dois anos de governação (e sobretudo o orçamento de 2019) pelos cornos. Mas o próprio reconhecerá que o último semestre foi doloroso e um grande teste à sua resistência política. Não propriamente pela dificuldade intrínseca de alguns dos problemas observados, do domínio da simples trapalhada e estruturais, e pela fragilidade estrutural em que o país continua a viver, apesar da conjuntura positiva. Mas antes e principalmente porque o último semestre levantou dúvidas sobre algumas das qualidades de governação que, da esquerda à direita, todos reconheciam em António Costa. Deve ter doído, imagino e compreendo.

A candidatura de Centeno é, em meu entender, indissociável da perceção que Costa terá tido de que a convergência de tantos e tão complexos acontecimentos (o Brexit e as suas consequências, o advento dos populismos, a emergência de Macron, os cenários de governação na Alemanha) constituiria um momento para algum abanar de coisas na zona Euro e na União. Se essa perceção estiver correta, intuo que está, e não ignorando a possibilidade de tudo ficar na mesma, a possível chegada de Centeno à presidência do Eurogrupo é uma via para acompanhar esse processo num outro posicionamento. Nesse cenário, ainda que a presidência do Eurogrupo se faça através do que for o desempenho de Centeno e não do país, podemos entender que Portugal passa indiretamente a ter uma outra reserva de posição, digamos um outro capital de geração de consensos em que a nossa própria situação possa ser considerada.

Aparentemente, a eventual presidência permitirá a Centeno manter no plano interno a sua equilibrada perspetiva sobre a consolidação orçamental. Mas a jogada permanece arriscada, já que ninguém poderá afiançar que a situação está madura para mudanças. Mas que mudanças? A necessidade de ir consertando o edifício do Euro, colmatando as suas mais perigosas lacunas, a flexibilização do tratado orçamental, a concretização dos avanços na União Bancária, uma maior harmonização fiscal, e sobretudo a capacidade de acomodar a estabilização dos mecanismos de funcionamento do euro com a convergência estrutural dos países menos desenvolvidos da União.

Matéria não falta. A tudo isto não será indiferente que tipo de desfecho vamos ter nas negociações para um novo governo alemão, sobretudo que tipo de contrapartidas vai o SPD (veremos em que medida a perceção europeia influenciará essas contrapartidas) conseguir arrancar para se comprometer seja com uma coligação, seja com simples apoio parlamentar.

O risco da jogada estará obviamente nesta possibilidade, que oxalá não se observe. Imaginemos que na frente das mudanças a inércia da continuidade se impõe e que Portugal sente dificuldades de consolidação orçamental. Nesse contexto, ter um presidente do Eurogrupo de nada nos valerá, antes acentuará as contradições. É óbvio que uma eventual passagem pela presidência tem uma limitação temporal limitada. Mas Mário Centeno até pode continuar ministro das Finanças num futuro governo PS, embora essa futurologia não seja para agora.

O facto da candidatura de Centeno coincidir com a reunião dos socialistas europeus em Lisboa não é seguramente uma simples coincidência de calendários. Não acredito que Costa tenha avançado apenas com uma simples contagem de apoios possíveis. Terá a sua intuição de que o momento é para acompanhar no centro das decisões e não na sua periferia. Não é a primeira vez que a Europa tem momentos destes e não sai nada de relevante. E até pode acontecer alguma reviravolta de última hora.

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