(Regresso ao tema
da Conferência do Banco de Portugal e do BEI na Cupertino de Miranda, no Porto,
focando-me agora nas matérias do segundo painel, as questões da inovação. Um painel que terá ficado, em meu entender,
abaixo das expectativas, talvez porque demasiado institucional.)
O painel sobre políticas
inovadoras tinha o atrativo de ser introduzido pelo Engº José Carlos Caldeira,
presidente da Agência Nacional de Inovação (ANI), alguém que não pertencendo
propriamente à academia, conhece-a melhor do que ninguém. As suas anteriores
funções de Direção no INESC TEC fazem ele um verdadeiro broker: conhece como ninguém os mecanismos da política de
investigação e inovação a nível europeu, as empresas e as suas necessidades
tecnológicas e de organização e quem na academia é capaz de dar o salto e
pensar numa lógica de translação do conhecimento para as empresas e superação
das suas necessidades. Com a presidência da ANI adquiriu o domínio de todos os
instrumentos da política de inovação. Logo, a pessoa certa para introduzir o
tema e tenho tido momentos de trabalho (designadamente em estudos de avaliação
de políticas) muito interessantes com o JCC, onde sempre aprendi imenso. Para
além disso, JCC tem um conhecimento vivido do que é o centralismo nestas
matérias.
Para além desta
introdução, adivinhava-se apenas como relevante a intervenção de José Manuel
Mendonça que dirige o INESC TEC e que costuma ser alguém que gosta de
interpelar audiências e não de as adormecer com discursos de embalar
consciências. Das restantes intervenções, Birthe Bruhn-Léon, Diretora (Região
Ibérica), Direção de Operações, Banco Europeu de Investimento, Carlos Martinez
Mongay, Diretor das Economias dos Estados‑Membros, Comissão Europeia e Pablo
Millán Cantero, Diretor, Mandate Management Equity – Structural Funds,
European Investment Fund não
esperava muito. Tudo muito institucional, é preciso falar de inovação sem ponta
de inovação, acredito que seja gente que é preciso manter do nosso lado, mas isso é
preocupação do governador do Banco de Portugal, não a minha. As expectativas
confirmaram-se e com eles foi perda de tempo.
A
intervenção inicial de JCC é relevante, sobretudo do ponto de vista do que ela
representa de informação de síntese para o investidor inovador que busca
financiamento e outros instrumentos de política pública. O presidente da ANI
tem uma posição com a qual eu concordo plenamente (e já o escrevi em alguns
estudos de avaliação) sobre o elevado grau de maturidade e de coerência que as
políticas de inovação apresentam em Portugal. A evolução do 3º Quadro
Comunitário de Apoio (2000-2006) para o QREN 2007-2013 e deste para o PT 2020
foi realizada, pasme-se e em oposição à prática dominante em Portugal, avaliando,
amadurecendo, corrigindo lacunas e enriquecendo abordagens e instrumentos. O
que temos hoje em matéria de políticas públicas de inovação (com grande apoio
dos Fundos Estruturais, não o ignoremos) é um quadro muito amadurecido de
instrumentos, em que a generalidade dos stakeholders se reconhece. Se
não fora a velha questão da burocracia regulamentar (onde é difícil perceber o
que tem a marca de Bruxelas e da burocracia nacional, sempre ávida de marcar
presença) poderíamos dizer que o comboio estava nos trilhos e era fiável.
O
esquema apresentado por JCC tem a virtude de integrar também os instrumentos
comunitários de acesso direto para além das políticas públicas nacionais. Já
agora ficaria bem ao Banco de Portugal publicar, para além da intervenção inicial
do Governador, as principais apresentações.
JCC
divide sempre o sistema de inovação em três universos, o da investigação
básica, o da investigação aplicada e o da valorização em mercado (market
update). É particularmente relevante a inclusão da dimensão da valorização
em mercado, pois em Portugal o maior défice talvez se situe na rarefação de
instrumentos de apoio e financiamento nesta última fase, que sabemos hoje ser
um dos pontos críticos do sucesso de projetos de base tecnológica. Segundo o presidente da ANI, a aplicação deste esquema em
confronto com as evidências de terreno mostra que as margens de aperfeiçoamento
do sistema estão nos gaps que ainda existem entre investigação básica e
aplicada e entre esta e a valorização de mercado. Concordo. Mas conviria ter em
conta que a interpretação da sequência investigação básica-investigação
aplicada-valorização em mercado não pode limitar-se a uma perspetiva linear e
sequencial. Conforme os evolucionistas mais atentos o mostraram existem inúmeras
experiências de inovação que não partem da investigação básica, podem nem a ela
recorrer. São inovações geradas na capacidade de resolução de problemas nas
empresas, sobretudo naquelas que estão organizadas segundo uma lógica transversal
de inovação. Tais inovações podem exigir apenas o contributo da investigação
aplicada e em casos extremos pode reverter para necessidades só superadas com
aprofundamentos de investigação básica, mas não necessariamente. Aliás, quanto
mais intensiva for a translação de conhecimento e a sua prática, mais difícil
será discernir em alguns casos a sequencialidade linear. E não devemos esquecer
os setores de atividade não mobilizam proporções idênticas de conhecimento analítico
(mais frequente na investigação básica) e sintético (predominante em processos
em que a resolução de problemas comanda). Penso tratar-se de um ajustamento
importante ao modelo e as políticas públicas de inovação não o podem esquecer,
sob pena de ficarem reféns da capacidade de apropriação de fundos por parte da investigação
científica.
José
Manuel Mendonça laborou em parte na mesma onda do presidente da ANI e outra
coisa é que seria estranho acontecer, dado o universo de experiência do INESC,
agora INESCTEC. Temos 30 anos de experiência consequente de políticas de investigação
e inovação, saibamos ouvir os stakeholders pertinentes, olhemos
inteligentemente para modelos ao nosso alcance (Dinamarca, por exemplo), não
inventemos formalmente para agradar a alguma moda recente e sobretudo erradiquemos
a estupidez do erro gratuito e evitável. JMM falou por exemplo num caso recente
que vou averiguar de um aviso para processos de transferência de tecnologia que
acabava por negar o acesso a instituições especializadas nesse domínio. Fala
quem sabe e nestas coisas o que temos de fazer é concentrar-nos no objetivo de
aumentar o número dos que sabem e que podem nessa onda falar. O sistema tem uma
curva de aprendizagem relevante, caso raro em matéria de políticas públicas. Não
hipotequemos essa aprendizagem.
Assino
por baixo.
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