quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

REGRESSANDO AO FINANCIAMENTO DO INVESTIMENTO




(Regresso ao tema da Conferência do Banco de Portugal e do BEI na Cupertino de Miranda, no Porto, focando-me agora nas matérias do segundo painel, as questões da inovação. Um painel que terá ficado, em meu entender, abaixo das expectativas, talvez porque demasiado institucional.)

O painel sobre políticas inovadoras tinha o atrativo de ser introduzido pelo Engº José Carlos Caldeira, presidente da Agência Nacional de Inovação (ANI), alguém que não pertencendo propriamente à academia, conhece-a melhor do que ninguém. As suas anteriores funções de Direção no INESC TEC fazem ele um verdadeiro broker: conhece como ninguém os mecanismos da política de investigação e inovação a nível europeu, as empresas e as suas necessidades tecnológicas e de organização e quem na academia é capaz de dar o salto e pensar numa lógica de translação do conhecimento para as empresas e superação das suas necessidades. Com a presidência da ANI adquiriu o domínio de todos os instrumentos da política de inovação. Logo, a pessoa certa para introduzir o tema e tenho tido momentos de trabalho (designadamente em estudos de avaliação de políticas) muito interessantes com o JCC, onde sempre aprendi imenso. Para além disso, JCC tem um conhecimento vivido do que é o centralismo nestas matérias.

Para além desta introdução, adivinhava-se apenas como relevante a intervenção de José Manuel Mendonça que dirige o INESC TEC e que costuma ser alguém que gosta de interpelar audiências e não de as adormecer com discursos de embalar consciências. Das restantes intervenções, Birthe Bruhn-Léon, Diretora (Região Ibérica), Direção de Operações, Banco Europeu de Investimento, Carlos Martinez Mongay, Diretor das Economias dos Estados‑Membros, Comissão Europeia e Pablo Millán Cantero, Diretor, Mandate Management Equity – Structural Funds, European Investment Fund não esperava muito. Tudo muito institucional, é preciso falar de inovação sem ponta de inovação, acredito que seja gente que é preciso manter do nosso lado, mas isso é preocupação do governador do Banco de Portugal, não a minha. As expectativas confirmaram-se e com eles foi perda de tempo.

A intervenção inicial de JCC é relevante, sobretudo do ponto de vista do que ela representa de informação de síntese para o investidor inovador que busca financiamento e outros instrumentos de política pública. O presidente da ANI tem uma posição com a qual eu concordo plenamente (e já o escrevi em alguns estudos de avaliação) sobre o elevado grau de maturidade e de coerência que as políticas de inovação apresentam em Portugal. A evolução do 3º Quadro Comunitário de Apoio (2000-2006) para o QREN 2007-2013 e deste para o PT 2020 foi realizada, pasme-se e em oposição à prática dominante em Portugal, avaliando, amadurecendo, corrigindo lacunas e enriquecendo abordagens e instrumentos. O que temos hoje em matéria de políticas públicas de inovação (com grande apoio dos Fundos Estruturais, não o ignoremos) é um quadro muito amadurecido de instrumentos, em que a generalidade dos stakeholders se reconhece. Se não fora a velha questão da burocracia regulamentar (onde é difícil perceber o que tem a marca de Bruxelas e da burocracia nacional, sempre ávida de marcar presença) poderíamos dizer que o comboio estava nos trilhos e era fiável.

O esquema apresentado por JCC tem a virtude de integrar também os instrumentos comunitários de acesso direto para além das políticas públicas nacionais. Já agora ficaria bem ao Banco de Portugal publicar, para além da intervenção inicial do Governador, as principais apresentações.

JCC divide sempre o sistema de inovação em três universos, o da investigação básica, o da investigação aplicada e o da valorização em mercado (market update). É particularmente relevante a inclusão da dimensão da valorização em mercado, pois em Portugal o maior défice talvez se situe na rarefação de instrumentos de apoio e financiamento nesta última fase, que sabemos hoje ser um dos pontos críticos do sucesso de projetos de base tecnológica. Segundo o presidente da ANI, a aplicação deste esquema em confronto com as evidências de terreno mostra que as margens de aperfeiçoamento do sistema estão nos gaps que ainda existem entre investigação básica e aplicada e entre esta e a valorização de mercado. Concordo. Mas conviria ter em conta que a interpretação da sequência investigação básica-investigação aplicada-valorização em mercado não pode limitar-se a uma perspetiva linear e sequencial. Conforme os evolucionistas mais atentos o mostraram existem inúmeras experiências de inovação que não partem da investigação básica, podem nem a ela recorrer. São inovações geradas na capacidade de resolução de problemas nas empresas, sobretudo naquelas que estão organizadas segundo uma lógica transversal de inovação. Tais inovações podem exigir apenas o contributo da investigação aplicada e em casos extremos pode reverter para necessidades só superadas com aprofundamentos de investigação básica, mas não necessariamente. Aliás, quanto mais intensiva for a translação de conhecimento e a sua prática, mais difícil será discernir em alguns casos a sequencialidade linear. E não devemos esquecer os setores de atividade não mobilizam proporções idênticas de conhecimento analítico (mais frequente na investigação básica) e sintético (predominante em processos em que a resolução de problemas comanda). Penso tratar-se de um ajustamento importante ao modelo e as políticas públicas de inovação não o podem esquecer, sob pena de ficarem reféns da capacidade de apropriação de fundos por parte da investigação científica.

José Manuel Mendonça laborou em parte na mesma onda do presidente da ANI e outra coisa é que seria estranho acontecer, dado o universo de experiência do INESC, agora INESCTEC. Temos 30 anos de experiência consequente de políticas de investigação e inovação, saibamos ouvir os stakeholders pertinentes, olhemos inteligentemente para modelos ao nosso alcance (Dinamarca, por exemplo), não inventemos formalmente para agradar a alguma moda recente e sobretudo erradiquemos a estupidez do erro gratuito e evitável. JMM falou por exemplo num caso recente que vou averiguar de um aviso para processos de transferência de tecnologia que acabava por negar o acesso a instituições especializadas nesse domínio. Fala quem sabe e nestas coisas o que temos de fazer é concentrar-nos no objetivo de aumentar o número dos que sabem e que podem nessa onda falar. O sistema tem uma curva de aprendizagem relevante, caso raro em matéria de políticas públicas. Não hipotequemos essa aprendizagem.

Assino por baixo.

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