(Vinhetas de El Roto e de Peridis)
(Os espanhóis
estão em período festivo que levam normalmente a sério e os catalães penso que
também. Embora a vitória do Barça em Madrid tenha servido para moderar ânimos
divisionistas, vai sendo possível neste período intermédio conhecer novas
leituras e interpretações do que os catalães transmitiram nas urnas. O pronunciamento das principais cidades tem
que se lhe diga e a esquerda fica mal na fotografia.)
Quiseram o destino e a habilidade de Valverde que
o Barça encostasse simbolicamente o Madrid às cordas logo após o ato eleitoral
do 21-D. E o fizesse num “partido” relativamente exemplar em termos de convivência
futebolista. Passado que está o epifenómeno futebolista, tem havido tempo para
leituras complementares dos resultados. Afinal, não é sempre nos tempos que
correm que temos votações com participação eleitoral assinalável. Do registo
que continuo a fazer de um tema bem mais importante para a estabilidade
europeia e até para a economia portuguesa do que as interpretações mais
apressadas têm ignorado destaco hoje dois artigos: o de Ignacio Urquizu no El
País (link aqui) e o de Roberto Blanco Valdés na Voz de Galicia (link aqui).
Começando por este último e contrariamente ao
que a perceção mediática (o poder das imagens e da sua ocupação) poderia
sugerir, nas 15 mais importantes cidades da Catalunha Valdés regista que o voto
independentista perdeu claramente para o seu contrário (34 contra 46%), graças
sobretudo à incidência urbana do fenómeno Arrimadas e Ciudadans). A sua outra
referência é mais conhecida e respeita ao facto de, tendo o voto
independentista representado 47,5% dos votos expressos, tendo em conta a taxa
de abstenção o independentismo representará hoje cerca de 37% do colégio
eleitoral recenseado. Ou seja, algo que inspira cautela face aos propósitos
referendários. O que Valdés pretende assinalar, e penso que não é uma
interpretação forçada ou viciada, é que o independentismo não foi sufragado
pela maioria da população, o que para os propósitos referendários não é
despiciendo. Por outro lado, em princípio o dinamismo territorial da Catalunha
mais intenso, o das suas principais cidades também não sufraga maioritariamente
o independentismo. O que não é despiciendo do ponto de vista das movimentações
futuras.
É neste ponto que é importante reter o artigo
de Ignacio Urquizu, professor de sociologia na Complutense de Madrid e deputado
pelo PSOE no Congresso em representação da mítica Teruel (onde me lembro de
realizar uma missão europeia). Se admitirmos que foi o Ciudadans a capitalizar
o voto urbano, então alguém perdeu. E quem perdeu do lado constitucional foi a
esquerda, quer através do PSC de Miguel Iceta (como reagiria a saudosa Carme
Chacón a estes resultados?) e a coligação entre o PODEMOS e Ada Colau.
Urquizu situa este resultado no âmbito do que
designa de relação tormentosa entre a esquerda e o nacionalismo. Ou a esquerda
é seduzida por fórmulas de valorização do mercado interno e de valorização de
interesses nacionais ou se estatela no voto cosmopolita que não capitaliza. O
que é particularmente preocupante (da minha perspetiva, claro e não da de
Arrimadas e seus votantes) é a queda pronunciada a partir de 2006. Urquizu
apresenta duas percentagens em si reveladoras: 40% em 1984 e 55% em 2003. Mesmo
incluindo a esquerda nacionalista, a percentagem atual anda pelos 30% dos votos
expressos e se retirarmos os nacionalistas então os números cheiram a desastre.
E regressando ao urbano, Urquizu salienta a perda relevante de voto urbano. Os
socialistas são a quarta força política em Barcelona e nas aglomerações entre
50.000 e 100.000 habitantes, embora suba para terceira força nas aglomerações
com mais de 100.000 habitantes. O que contrasta com a vitória de Arrimadas em
20 das 23 cidades catalãs.
O que levou a esquerda, designadamente a
socialista, a perder a onda do cosmopolitismo urbano? Urquizu avança com a tese
da armadilha dos sentimentos de identidade. É discutível mas merece ampla
reflexão. Estará a esquerda com algum apego identitário face ao cosmopolitismo
no mundo a perder o pé, a ficar demasiado velha para compreender a organização
do mundo não na base da separação e da identidade mas segundo uma perspetiva de
maior superação de limites e barreiras culturais? Até aqui tenho pensado que é
possível ter uma perspetiva crítica e reformista da globalização, não apagando
identidades e não as exacerbando a ponto de cair na tentação do nacionalismo.
Não tenho razões para duvidar fortemente dessa perspetiva. Mas o que reconheço
é que ela pode ser politicamente inconsequente e tornar-se rapidamente
minoritária. Os catalães urbanos que votaram Ciudadans terão talvez essa
perceção. E a grande interrogação coloca-se: está o PSC a ser também
descapitalizado a favor do Ciudadans ou é a parte nacionalista-independentista
que não lhe perdoa hesitações e derivas? Aparentemente é a segunda variante que
está a acontecer. Sempre é mais fácil combatê-la do que a primeira hipótese.
O problema é que não me sinto suficientemente
sossegado com essa evidência.
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