(A cultura catalã
e os seus principais vultos culturais merecem a nossa atenção, o que não
significa de modo nenhum perder o sentido crítico do aventureirismo independentista.
Breves notas em torno de
um dos representantes mais excelsos e não menos controversos da sua cultura,
Josep Pla.)
Não tenho neste
momento nenhum amigo ou amiga catalã a quem possa oferecer um livro. Se o
tivesse, oferecer-lhe-ia, obviamente na edição catalã, a última obra que a editora
Destino publicou de Josep Pla, Hacerse todas
las ilusiones posibles e outras notas dispersas, numa edição (aprimorada e que dá gosto de ler de sopetão)
do Professor Francesc Montero da Universidade de Girona, que mantém uma cátedra
dedicada ao truculento escritor catainquestionáveis de ter mantudo lão.
Não sou um conhecedor
profundo da obra de Pla. Mas a curiosidade sobre a sua personalidade tem uma
origem e essa foi uma autêntica devoção durante muitos anos, a obra do saudoso
Manuel Vásquez Montalban. Josep Pla, desparecido em 1981, ainda é considerado hoje
o maior escritor contemporâneo em língua catalã, sendo também o mais lido, o
que nem sempre como sabemos acontece.
O que é que me atrai na personalidade
e na prosa de Pla? Trata-se de uma pena truculenta, simultaneamente um crítico
e um intérprete do catalanismo, sempre impiedoso para a igreja e, segundo
alguns testemunhos críticos que tenho vindo a seguir, sobretudo uma personalidade
que manteve com o franquismo nos tempos da República relações controversas. Pla
foi acusado com evidências de ter desempenhado, embora com alguma distância,
atividades de espionagem para o franquismo da altura. O jornalista Carles Geli publicou
em setembro de 2014 no El País (link aqui) um artigo em que reúne algumas dessas evidências,
particularmente de alguma proximidade à Falange e à personalidade de Primo de
Rivera, antes de se refugiar em Paris.
A obra agora publicada é
um conjunto de anotações de rara perspicácia, pelas quais se percebe que,
apesar do seu êxito editorial, não gozaria hoje as boas graças do catalanismo
burguês, da esquerda e sobretudo da igreja. E o que é surpreendente é a por
vezes contundente ironia com que se refere aos restos do franquismo e, surpresa
das surpresas, um leitor atento de um ícone da cultura moderna, que é a New Yorker,
através de uma assinatura que lhe foi oferecida por alguém do exterior e que o
mantinha conectado com o mundo a partir da sua “finca” austera e isolada por terras
de Ampurdá.
Não resisto a uma citação
de uma das primeiras páginas da obra agora publicada, com a advertência de que
país significa para Josep Pla Catalunha:
“Os elementos
habituais da nossa sociedade e da nossa história foram durante séculos os
camponeses e os marinheiros e, naturalmente, os seus parasitas (comerciantes,
proprietários e nobres). Também existiu, claro está uma propriedade industrial,
mas ela só adquiriu relevância na época moderna, quando começou em maior ou
menor escala a industrialização do país.
A estes
elementos básicos da nossa sociedade há que adicionar um outro: os curas e os
frades ou se preferem os frades e os curas. Este país teve sempre facilidade em
produzi-los. Pode-se, creio, afirmar que este país sempre teve os frades e os
curas de que precisava. Em termos gerais, teve-os em abundância. Ou mais: este
país dá a impressão que poderia ter tido, em qualquer momento, muitos mais
frades e curas do que os que teve, a julgar pela quantidade de pessoas, inclusive
no círculo das vossas amizades, que apenas por causa do do seu espírito e
sensibilidade não se explicam porque é que o não foram. Isto faz com que a
nossa sociedade tenha uma massa flutuante de laicos nostálgicos do estado
eclesiástico – de laicos que não assumiram a sua vocação essencial. Creio que há
mais laicos nostálgicos de serem curas do que curas nostálgicos da vida laica,
ainda que sem dúvida os haja, por supuesto.”
Puro veneno.
Recomenda-se.
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