(A curva Elefante estilizada, Btanko Milanovic)
(Reflexões em
torno do facto da desigualdade ter passado a constar também dos desvios estruturais
das sociedades avançadas. Até
agora, o tema aparecia frequentemente como indicador da desarticulação económica
e social das economias mais pobres. Até que ponto a translação observada tem
implicações em matéria da perceção dessa desigualdade e da tolerância para com
a mesma?)
Um dos patronos
deste blogue, Albert O. Hirschman, foi dos primeiros a assinalar que a (in) tolerância
para com a desigualdade não tinha uma distribuição homogénea pelos países. Mas quando
Hirschman se focou nesse registo, estávamos num mundo em que a desigualdade da
distribuição do rendimento (e da riqueza como os trabalhos de Piketty vieram
mostrar) era apresentada como evidência da desarticulação estrutural das economias
em desenvolvimento, subdesenvolvidas ou mais pobres consoante a designação
adotada. Hoje, embora nas economias avançadas como os EUA e o Reino Unido os indicadores
de desigualdade ainda estejam longe dos valores de um Brasil ou de uma África
do Sul, a verdade é que a desigualdade teve uma translação para ocidente, pelo
menos do ponto de vista da sua variação.
Esta translação impacta
obviamente o estudo da tolerância para com a desigualdade e sobretudo uma variável
que anda associada a estas questões que é a perceção da mesma. O problema é que,
embora a desigualdade nunca tenha sido estudada, medida e investigação tão intensamente
como hoje, a população em geral não domina os indicadores básicos de desigualdade.
Entre a variação por mais intensa que seja para pior do coeficiente de Gini e a
perceção concreta dessa desigualdade por parte da população, mesmo da mais
penalizada vai uma longa distância.
O Economist fez
recentemente (link aqui) uma incursão sobre o tema focando-se na economia americana, sociedade
em que a ascensão de Trump ao poder agravou fortemente a questão da desigualdade,
a ponto da palavra plutocracia ser hoje vulgarmente utilizada para descrever a
captura direta do poder pelo topo da organização social. A situação americana
diferencia-se das restantes economias avançadas porque a desigualdade após impostos e transferências sociais é bastante mais elevada do que a observada
nas economias europeias. Assim, embora haja investigação empírica que mostre que
a perceção da dimensão do problema esteja insuficientemente generalizada na
economia americana, a verdade é que quando o conhecimento mais aprofundado sobre
a magnitude dos gaps de rendimento existe a desigualdade passa a ser percebida
como um problema grave. Isso contudo não significa que tal perceção conduza
necessariamente à validação política de políticas públicas mais interventivas
nessa correção. O que significa que, para além dos temas da perceção e da tolerância
para com a desigualdade, há um outro bem mais contexto-dependente. A reatividade
das sociedades à desigualdade percebida e, admitamo-lo, razoavelmente
dimensionada é ela própria desigual.
Porém, a translação do
tema das economias menos desenvolvidas para as avançadas suscita uma outra implicação.
Até agora, falámos sobretudo de perceção da desigualdade a nível de cada
sociedade. Mas quando passamos para a dimensão a nível mundial
os problemas são outros. Assim, por exemplo, pode perguntar-se até que ponto num
contexto em que, por exemplo, a perda das classes médias americanas coexiste
com a melhoria e ascensão de classes médias nas economias asiáticas, perceção e
reatividade não poderão influenciar-se mais ativamente. A campanha de Trump
jogou nessa armadilha, convencendo parte dos americanos a votar em políticas
que vão acabar por produzir efeitos diametralmente opostos, como temos vindo
neste espaço a mencionar.
Blanko Milanovic (link aqui), a quem
devemos os primeiros trabalhos sobre a desigualdade a nível mundial, interroga-se
até que ponto a translação para as sociedades avançadas,
acompanhada da perceção de perda face às classes sociais emergentes nas também
emergentes economias, tenderá a impactar a sua estabilidade social. Até agora,
EUA e Reino Unido, mostram que a reatividade favoreceu os populismos da pior
espécie. Mas não é inelutável que seja sempre assim.
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