segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

TOLERÂNCIA OU DIFERENTES PERCEÇÕES DA DESIGUALDADE

(A curva Elefante estilizada, Btanko Milanovic)


(Reflexões em torno do facto da desigualdade ter passado a constar também dos desvios estruturais das sociedades avançadas. Até agora, o tema aparecia frequentemente como indicador da desarticulação económica e social das economias mais pobres. Até que ponto a translação observada tem implicações em matéria da perceção dessa desigualdade e da tolerância para com a mesma?)

Um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman, foi dos primeiros a assinalar que a (in) tolerância para com a desigualdade não tinha uma distribuição homogénea pelos países. Mas quando Hirschman se focou nesse registo, estávamos num mundo em que a desigualdade da distribuição do rendimento (e da riqueza como os trabalhos de Piketty vieram mostrar) era apresentada como evidência da desarticulação estrutural das economias em desenvolvimento, subdesenvolvidas ou mais pobres consoante a designação adotada. Hoje, embora nas economias avançadas como os EUA e o Reino Unido os indicadores de desigualdade ainda estejam longe dos valores de um Brasil ou de uma África do Sul, a verdade é que a desigualdade teve uma translação para ocidente, pelo menos do ponto de vista da sua variação.

Esta translação impacta obviamente o estudo da tolerância para com a desigualdade e sobretudo uma variável que anda associada a estas questões que é a perceção da mesma. O problema é que, embora a desigualdade nunca tenha sido estudada, medida e investigação tão intensamente como hoje, a população em geral não domina os indicadores básicos de desigualdade. Entre a variação por mais intensa que seja para pior do coeficiente de Gini e a perceção concreta dessa desigualdade por parte da população, mesmo da mais penalizada vai uma longa distância.

O Economist fez recentemente (link aqui) uma incursão sobre o tema focando-se na economia americana, sociedade em que a ascensão de Trump ao poder agravou fortemente a questão da desigualdade, a ponto da palavra plutocracia ser hoje vulgarmente utilizada para descrever a captura direta do poder pelo topo da organização social. A situação americana diferencia-se das restantes economias avançadas porque a desigualdade após impostos e transferências sociais é bastante mais elevada do que a observada nas economias europeias. Assim, embora haja investigação empírica que mostre que a perceção da dimensão do problema esteja insuficientemente generalizada na economia americana, a verdade é que quando o conhecimento mais aprofundado sobre a magnitude dos gaps de rendimento existe a desigualdade passa a ser percebida como um problema grave. Isso contudo não significa que tal perceção conduza necessariamente à validação política de políticas públicas mais interventivas nessa correção. O que significa que, para além dos temas da perceção e da tolerância para com a desigualdade, há um outro bem mais contexto-dependente. A reatividade das sociedades à desigualdade percebida e, admitamo-lo, razoavelmente dimensionada é ela própria desigual.

Porém, a translação do tema das economias menos desenvolvidas para as avançadas suscita uma outra implicação. Até agora, falámos sobretudo de perceção da desigualdade a nível de cada sociedade. Mas quando passamos para a dimensão a nível mundial os problemas são outros. Assim, por exemplo, pode perguntar-se até que ponto num contexto em que, por exemplo, a perda das classes médias americanas coexiste com a melhoria e ascensão de classes médias nas economias asiáticas, perceção e reatividade não poderão influenciar-se mais ativamente. A campanha de Trump jogou nessa armadilha, convencendo parte dos americanos a votar em políticas que vão acabar por produzir efeitos diametralmente opostos, como temos vindo neste espaço a mencionar.

Blanko Milanovic (link aqui), a quem devemos os primeiros trabalhos sobre a desigualdade a nível mundial, interroga-se até que ponto a translação para as sociedades avançadas, acompanhada da perceção de perda face às classes sociais emergentes nas também emergentes economias, tenderá a impactar a sua estabilidade social. Até agora, EUA e Reino Unido, mostram que a reatividade favoreceu os populismos da pior espécie. Mas não é inelutável que seja sempre assim.

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