(Ler o artigo de
Habermas sobre as dificuldades da Alemanha e da chanceler Merkel em oferecer
condições a uma saída positiva para as propostas de Macron é bem um sinal dos
tempos europeus que vivemos. E
por mais que nos questionemos sobre o deserto de projetos e lideranças em que
Macro se destaca não podemos deixar de reconhecer que a Europa pouco mais tem
para oferecer de relevante para uma mudança.)
O El País de ontem
(link aqui) presta-nos um valioso serviço de traduzir para uma língua acessível o último
artigo de Habermas sobre o que poderíamos designar de uma perspetiva de
esquerda participativa para o futuro da União na encruzilhada atual em que o
mundo de Trump e a indeterminação política na Alemanha a colocaram. Podem as
diferentes esquerdas questionar o eventual aprofundamento federal europeu.
Podem reivindicar o direito a uma reinvenção dos estados nacionais e à
necessidade do projeto da União se adaptar a esse parar para pensar em
detrimento de uma fuga para a frente. Podem exigir que os passos do
aprofundamento se concretizem em maior interação com os parlamentos nacionais e
com a expressão do sentir das populações. Podem até questionar o edifício do
euro, sobretudo a fragilidade dos pilares em que foi construído, como costumo dizer
não preparados para suportar pressões como as dos últimos tempos. Têm todo esse
direito. Mas a verdade é que não conheço qualquer proposta elaborada sobre esse
recuo cautelar. Por isso, em meu entender, por mais ponderada que essa cautela
defensiva possa ser, pelo facto de ser apenas defensiva foi de surpresa
apanhada pela proposta de Macron apresentada a partir de França.
Não sou propriamente um
fervoroso seguidor de Macron. Mas, como tive oportunidade em momento próprio
neste blogue de o escrever, impressionou-me a coragem política do presidente
francês quando afrontou com êxito o populismo lepeniano não metendo o rabinho
entre as pernas nos assuntos europeus, antes defendendo o seu aprofundamento
como arma política. Chapeau. Aliás, o próprio Habermas reconhece o
completamente inesperado aparecimento do movimento político de Macron, por mais
frágil que se apresente. Num tempo considerado impossível por ser curto de
mais, a viragem conseguida na opinião política francesa em ambiente de
populismo florescente é verdadeiramente notável. Isso mostra, em meu entender,
o vazio das perspetivas defensivas do nacionalismo à esquerda e à direita. Mas
evidencia também que o próprio Macron precisa do aprofundamento europeu para
vencer resistências no plano interno a uma economia francesa mais ágil e flexível.
Embora não seja pacífico discernir o que é isso de uma economia mais ágil e
flexível, sobretudo pelo que isso implica de alterações na legislação laboral,
a União beneficiaria de uma economia francesa menos rígida.
Termos assim Habermas
interessado em analisar as razões das dificuldades alemãs em dar uma resposta
às pretensões de agenda política de Macron é um sinal dos tempos e creio que
pele de galinha será uma consequência em algumas esquerdas. E o problema é que
tais dificuldades de resposta vão para além do atual momento político das
complexas negociações entre Merkel e o SPD para formar governo com um programa
minimamente equilibrado para justificar o regresso do SPD à governação.
Habermas é particularmente duro para com o nacionalismo económico alemão (o que
não significa que não devamos estudar o seu sistema de inovação em PME). A
pergunta sistemática (título do artigo de Habermas) de quanto é que vai o
processo custar aos alemães tem sido uma venda para disfarçar a incomodidade do
nacionalismo económico alemão para com os temas da solidariedade europeia.
Recordemos que Merkel se atravessou corajosamente com a questão dos refugiados
mas é temerosa nesse outro universo de adaptações. A interrogação de Habermas é
provocadora: “E também em grande medida improvável que
esta chanceler, a partir da sua debilitada situação política interna, não
tencione deixar claro ao seu encantador homólogo francês que, embora muito o
lamente, não pode aceitar a sua elaborada perspetiva reformista. Por outro
lado, e essa é a pergunta que me interessa: pode esta política que não conheço
pessoalmente – filha de um padre protestante, austera e consciente, até agora
mal habituada ao êxito, mas mesmo assim dada à reflexão – ter um interesse real
em acabar de forma tão pouco gloriosa os seus 16 anos como chanceler?
Retirar-se-á depois de mais quatro anos de sobrevivência política penosa com um
poder a diminuir? Ou conseguirá mostrar grandeza e saltar sobre a sua própria
sombra, apesar de todos aqueles que agora murmuram sobre a sua decadência?”
Habermas, trazendo para
a discussão o projeto de Macron, não faz mais do que voltar a um tema que lhe é
caro e que a meu ver resume as interrogações políticas na Europa. Serão os
estados-nacionais, sobretudo dos países mais pequenos mesmo que com história
consolidada como Portugal, o edifício mais seguro para preservar a soberania?
Confesso que sou um
cético quanto a essa possibilidade e que estou mais perto de Habermas do que de
outro qualquer ressurgimento de soberania nacional. Compreendo que para um país
pequeno, periférico e de destino turístico influenciar os rumos da cidadania
europeia de Habermas é tarefa para a próxima geração, não a minha. Para os
jovens que fazem neste momento a diáspora portuguesa a cidadania europeia não é
um fantasma, mas uma realidade que aprenderam a apreciar.
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