quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

MAIS E MELHOR EMPREGO




(A mensagem de Natal permitiu finalmente que o primeiro-Ministro António Costa encontrasse o registo equilibrado que se lhe pedia noutras ocasiões e que faltou então assegurar. Com o tema dos fogos florestais de junho e outubro já suficientemente debatido neste blogue, que Costa tratou desta vez com a devida ponderação, é a criação de mais e melhor emprego que centra a minha atenção.)

O tema do “mais e melhor emprego” é politicamente apetecível pois influencia diretamente fortemente as expectativas e as condições de vida de todos os ativos e, indiretamente, de todos pois as suas repercussões no equilíbrio da Segurança Social são por demais conhecidas. Objetivamente, são as contribuições para a segurança social dos que hoje estão empregados que financiam as pensões e reformas dos que ganharam entretanto esse estatuto.

Se declinarmos o “mais e melhor emprego” nas suas duas componentes de “mais” e “melhor” ressaltam alguns temas de reflexão que ajudam a calibrar expectativas. Analisemos, por agora, o “mais”, embora o post queira concentrar-se no “melhor”.

Quanto ao “mais emprego”, quando é perspetivado como agora num período de recuperação económica plena, o comportamento da variável emprego não pode deixar de ser lida em conjunto com pelo menos três aspetos: (i) a evolução concomitante da produtividade; (ii) a evolução da taxa de participação para medir se a crise terá afastado definitivamente ativos do mercado de trabalho; (iii) o estádio de desenvolvimento económico do país e o estado da arte do seu modelo produtivo em termos da sua adaptação aos desafios da globalização.


Destas referências, a que me parece mais importante é a análise combinada da primeira e da terceira. Se o país se encontrasse em período de forte crescimento da produtividade induzido por um processo de transformação estrutural do seu modelo produtivo, o comportamento do emprego poderia ser olhado com mais condescendência. Ora, não parece ser este o caso que está a ser observado. No gráfico acima, ensaiei com cálculos próprios com recurso ao Eurostat a análise combinada da evolução da taxa de emprego (20-64 anos), medida em percentagem da população total do mesmo escalão etário, e da produtividade (euro por hora trabalhada). Lamentavelmente, o Eurostat só apresenta informação para a produtividade real por hora trabalhada que prefiro claramente a outras medidas até 2013, pelo que me concentrei no período 2005-2013.

A partir de 2009, o comportamento das duas variáveis é flagrantemente oposto. A taxa de emprego não deixou de cair e a produtividade real euro por hora trabalhada cresceu permanentemente. Não podemos afirmar com segurança que o comportamento combinado reflita uma mudança estrutural. O que seria importante é que o aumento da produtividade coexistisse com o aumento da taxa de emprego. Fui à procura de informação que me permita seguir o período 2014-2016 com esse foco. Começando pela taxa de emprego, os valores de 2014 a 2016 apresentam um crescimento relativamente sustentado, embora ainda com valores inferiores aos de 2005 (70,6% contra 72,2%). Encontrei na base AMECO da DG Economic and Financial Affairs valores para o PIB por pessoa empregada a preços de 2010, que constitui um sucedâneo. O gráfico para os três anos é o seguinte:

A produtividade teima em estagnar. Mesmo assim, aumentar a taxa de emprego sem que a produtividade diminua é um bom sinal, embora fosse melhor que continuasse a aumentar.

Como é compreensível, a relação entre taxa de emprego e produtividade não é indiferente ao tema do “melhor emprego”. A qualidade do emprego é de natureza multidimensional. Mas há duas variáveis que, regra geral, se impõem: os níveis salariais e a sua dispersão/desigualdade e a precariedade no trabalho. Fui à procura de indicadores comparativos para nos situarmos comparativamente. A percentagem de trabalho temporário no escalão etário dos 15 aos 24 anos em relação ao trabalho total é um bom indicador de precariedade. O gráfico abaixo mostra que, ao contrário da União a 28, em que o fenómeno parece contido, em Portugal e Espanha não para de crescer. Não pode ignorar-se que nem todo o trabalho temporário pode ser entendido como trajetórias apontadas à precariedade exclusiva. Duas situações tendem a minorar essa possibilidade. Por um lado, o trabalho temporário significa para alguns jovens algum ganho de experiência de participação no mercado de trabalho e de procura de novas oportunidades. Por outro lado, existem atividades em que o trabalho temporário é parte indissociável do processo produtivo.


Há quem refira também os indicadores de trabalho a tempo parcial (part time) como indicador de precariedade. É mais seguro não utilizar este indicador de forma bruta e antes determinar a percentagem de ativos empregados a tempo parcial que aceitaria de bom grado um trabalho em tempo integral. A percentagem que é atribuída a Portugal de trabalhadores a tempo parcial que estão nessa situação por não encontrarem um emprego a tempo integral oscilou nos últimos 4 anos entre 36 e 39%, valor que é quase metade do observado em Espanha, que tem dos valores mais elevados em torno dos 60%. O trabalho a tempo parcial tem contudo em Portugal uma expressão mais reduzida do que na União a 28.

De qualquer modo, a Comissão Europeia publica um indicador de precariedade. Para o grupo etário dos 15 aos 64 anos, o valor do indicador tem-se situado nos últimos quatro anos entre os valores de 3,1 e 3,5%, com propensão para diminuir. A DG Emprego e Assuntos Sociais publicou em 2016 um excelente estudo sobre a matéria, cobrindo comparativamente todas as situações geradoras de risco de precariedade (ver link aqui).

A preocupação do primeiro-Ministro com o tema do “melhor emprego” tem que ver essencialmente com duas dimensões: a necessidade dos apoios à inovação empresarial (fortíssimos e abundantes no PT 2020) produzirem efeitos em termos de contratação de recursos humanos e de confirmar no mercado de trabalho a lenta e sustentada subida das qualificações superiores dos jovens portugueses. No quadro do desenvolvimento desigual que ainda imperará por muitos anos na União Europeia, Portugal não pode furtar-se, embora o possa minimizar, ao efeito de rapina das suas melhores qualificações, fruto da relação entre nível de desenvolvimento económico e padrão remuneratório à paridade de poderes de compra. As políticas públicas orientadas para reduzir a diáspora qualificada podem ser parcialmente frustrantes. O desenvolvimento desigual não se apaga por magia, sobretudo quando no interior da União há pouca convicção para o reduzir a mínimos temporais de mudança estrutural.

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