(Scientific American, novembro de 2018)
(Pouco tempo hoje e nos próximos dois dias para o blogue.
Tempo apenas para integrar mais um contributo do número de novembro da revista
americana. Mais propriamente a relação
entre desigualdade e confiança interpessoal, com a corrupção a minar o
processo.
O gráfico que abre o post de hoje traz-nos uma relação aparentemente
intuitiva mas que, regra geral, não tem suscitado a atenção que merece do ponto
de vista da afirmação das condições ideias de contexto para o funcionamento de
uma economia de mercado.
O que o gráfico nos mostra é que nas economias com menor índice de desigualdade
na distribuição do rendimento (medida por um rudimentar coeficiente de GINI que
varia entre 0, equidade máxima) e 1, desigualdade máxima) o grau de confiança
interpessoal é mais elevado. Ou seja, parece resultar da relação estabelecida
que a desigualdade mina o fortalecimento da nossa confiança nos outros, já que
a relação contrária não parece plausível. Sabemos que passar de uma relação que
é válida para um dado momento do tempo e envolve vários países para uma inferência
temporal representa muitas vezes um passo no escuro, logo sujeito a quedas previsíveis.
Mas neste caso parece possível admitir que para um dado país e ao longo do tempo,
a redução da desigualdade nesse país possa estar ligada a um aumento de
confiança interpessoal. A evidência empírica dos países escandinavos vai nesse
sentido, o que suscita a curiosidade de saber se os não progressos nessa matéria
nesses países poderão andar futuramente associados a uma quebra dessa confiança
interpessoal.
O problema é que outras variáveis podem intervir neste processo, influenciando
o nível de confiança interpessoal e não deixando depor isso ter consequências sobre
a desigualdade. Essa outra variável de que ainda não falámos é a corrupção. Esta
última produz entre outros efeitos uma quebra de confiança nas instituições públicas,
como a classe política ou as entidades da segurança ou da justiça, o que poderíamos
designar de quebra de confiança institucional. Ora, a desconfiança institucional
tende quase sempre a gerar perda de confiança interpessoal. Com instituições corruptas
a desconfiança social, o nosso nível de confiança interpessoal, tende a instalar-se.
Do mesmo modo, a corrupção pode alimentar processos de drenagem de recursos de
grupos sociais mais pobres e indefesos para os grupos beneficiários da viciação
do jogo democrático.
Ou seja, a relação entre desigualdade e nível de confiança interpessoal
poderá ser demasiado simplista e exigir atenção a outras formas e sentidos de
causalidade.
Talvez por esta via possamos compreender melhor a grande recetividade que o
discurso político anticorrupção, sobretudo quando acionado por gente não
comprometida, poderá suscitar nos tempos que correm.
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