segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A DESIGUALDADE NO SCIENTIFIC AMERICAN (II)

(Scientific American, novembro de 2018)


(Pouco tempo hoje e nos próximos dois dias para o blogue. Tempo apenas para integrar mais um contributo do número de novembro da revista americana. Mais propriamente a relação entre desigualdade e confiança interpessoal, com a corrupção a minar o processo.

O gráfico que abre o post de hoje traz-nos uma relação aparentemente intuitiva mas que, regra geral, não tem suscitado a atenção que merece do ponto de vista da afirmação das condições ideias de contexto para o funcionamento de uma economia de mercado.

O que o gráfico nos mostra é que nas economias com menor índice de desigualdade na distribuição do rendimento (medida por um rudimentar coeficiente de GINI que varia entre 0, equidade máxima) e 1, desigualdade máxima) o grau de confiança interpessoal é mais elevado. Ou seja, parece resultar da relação estabelecida que a desigualdade mina o fortalecimento da nossa confiança nos outros, já que a relação contrária não parece plausível. Sabemos que passar de uma relação que é válida para um dado momento do tempo e envolve vários países para uma inferência temporal representa muitas vezes um passo no escuro, logo sujeito a quedas previsíveis. Mas neste caso parece possível admitir que para um dado país e ao longo do tempo, a redução da desigualdade nesse país possa estar ligada a um aumento de confiança interpessoal. A evidência empírica dos países escandinavos vai nesse sentido, o que suscita a curiosidade de saber se os não progressos nessa matéria nesses países poderão andar futuramente associados a uma quebra dessa confiança interpessoal.

O problema é que outras variáveis podem intervir neste processo, influenciando o nível de confiança interpessoal e não deixando depor isso ter consequências sobre a desigualdade. Essa outra variável de que ainda não falámos é a corrupção. Esta última produz entre outros efeitos uma quebra de confiança nas instituições públicas, como a classe política ou as entidades da segurança ou da justiça, o que poderíamos designar de quebra de confiança institucional. Ora, a desconfiança institucional tende quase sempre a gerar perda de confiança interpessoal. Com instituições corruptas a desconfiança social, o nosso nível de confiança interpessoal, tende a instalar-se. Do mesmo modo, a corrupção pode alimentar processos de drenagem de recursos de grupos sociais mais pobres e indefesos para os grupos beneficiários da viciação do jogo democrático.

Ou seja, a relação entre desigualdade e nível de confiança interpessoal poderá ser demasiado simplista e exigir atenção a outras formas e sentidos de causalidade.

Talvez por esta via possamos compreender melhor a grande recetividade que o discurso político anticorrupção, sobretudo quando acionado por gente não comprometida, poderá suscitar nos tempos que correm.

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