domingo, 18 de novembro de 2018

DO LOCAL AO GLOBAL



(Não pela desmesurada concentração de socialite ali observada, mas sobretudo pela carga simbólica do poder que a organizou, a cerimónia ontem realizada em Casas Novas (Arteixo), A Corunha, festejando as bodas de Marta Ortega (a futura senhora Zara) e Carlos Torretta, é bem representativa do projeto que o sangue novo de Marta vai liderar. A Corunha terá rejubilado, mas talvez não toda a Galiza, dada a enorme rivalidade que a cidade galega mais a norte suscita junto de praticamente toda a Galiza, apesar do símbolo Zara.)

Ontem, no acolhedor recanto rústico-gastronómico do pequeno povoado de as Eiras (O Rosal) com o mesmo nome e apenas com uma sala a funcionar (a sazonalidade dos dois lados do Minho está sempre viva), enquanto se degustavam as iguarias e a garrafa de um Rias Baixas (Quinta de Couzelo, que recomendo) a boda de Marta e Carlos não parecia intrometer-se com as papilas gustativas dos comensais.

Mas pelo relato dos jornais espanhóis a muito reservada Marta Ortega terá surpreendido os cerca de 400 convivas com uma festa global de arromba que meteu Norah Jones, Jamie Cullum e Chris Martin (ColdPlay) fazendo da Corunha o centro de um mundo pelo menos por uma noite. Pela descrição que os jornalistas da Voz de Galicia (link aqui) fizeram do evento e da lista de convidados salta à vista a natureza de player global de uma Zara, implantada por todo o mundo e nó de uma rede que não está hoje tão estudada como o está a ascensão do Pai Ortega. A Zara é talvez o ícone mais representativo do que poderíamos designar de a classe média global, que ainda há dias no post sobre os dados da desigualdade a nível mundial tratados por Branko Milanovic referia como o grande resultado do crescimento significativo do rendimento per capita mediano.

A partir do polígono industrial de Carballo e Arteixo e da pujante rede de subcontratação que aí se desenvolveu, Ortega desenvolveu uma rede impressionante de caráter global, que rapidamente multiplicou os centros de produção para lá do polígono de Carballo e Arteixo (o Norte de Portugal que o diga) por todo o mundo. Não tenho informação que chegue sobre as condições de trabalho que os múltiplos centros de produção da INDITEX estarão a proporcionar aos trabalhadores locais. É bem provável que mesmo muito baixos na origem esses postos de trabalho representem face às condições anteriores uma significativo aumento de rendimento para os trabalhos envolvidos no efeito Zara, ajudando a produzir os produtos que certamente consumirão nos armazéns locais. Apesar de ser um player global de grande projeção e riqueza, Amancio Ortega nunca se afastou da sua herança galega e parece continuar a fazer questão de o mostrar. Não se sabe se Marta cultivará a mesma imagem e apego à terra ou se, pelo contrário, cortará esses laços para mergulhar no cosmopolitismo de uma rede global. Pelo menos por uma noite, as populações da Corunha sentiram-se na pele de uma empresa global que não corta as suas amarras com o local.

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