(Não pela desmesurada concentração de socialite ali observada,
mas sobretudo pela carga simbólica do poder que a organizou, a cerimónia ontem
realizada em Casas Novas (Arteixo), A Corunha, festejando as bodas de Marta
Ortega (a futura senhora Zara) e Carlos Torretta, é bem representativa do
projeto que o sangue novo de Marta vai liderar. A Corunha terá rejubilado, mas talvez não toda a
Galiza, dada a enorme rivalidade que a cidade galega mais a norte suscita junto
de praticamente toda a Galiza, apesar do símbolo Zara.)
Ontem, no acolhedor recanto rústico-gastronómico do pequeno povoado de as Eiras
(O Rosal) com o mesmo nome e apenas com uma sala a funcionar (a sazonalidade dos
dois lados do Minho está sempre viva), enquanto se degustavam as iguarias e a
garrafa de um Rias Baixas (Quinta de Couzelo, que recomendo) a boda de Marta e
Carlos não parecia intrometer-se com as papilas gustativas dos comensais.
Mas pelo relato dos jornais espanhóis a muito reservada Marta Ortega terá surpreendido
os cerca de 400 convivas com uma festa global de arromba que meteu Norah Jones,
Jamie Cullum e Chris Martin (ColdPlay) fazendo da Corunha o centro de um mundo
pelo menos por uma noite. Pela descrição que os jornalistas da Voz de Galicia (link aqui)
fizeram do evento e da lista de convidados salta à vista a natureza de player global de uma Zara, implantada por
todo o mundo e nó de uma rede que não está hoje tão estudada como o está a
ascensão do Pai Ortega. A Zara é talvez o ícone mais representativo do que
poderíamos designar de a classe média global, que ainda há dias no post sobre os
dados da desigualdade a nível mundial tratados por Branko Milanovic referia como
o grande resultado do crescimento significativo do rendimento per capita
mediano.
A partir do polígono industrial de Carballo e Arteixo e da pujante rede de subcontratação
que aí se desenvolveu, Ortega desenvolveu uma rede impressionante de caráter
global, que rapidamente multiplicou os centros de produção para lá do polígono de
Carballo e Arteixo (o Norte de Portugal que o diga) por todo o mundo. Não tenho
informação que chegue sobre as condições de trabalho que os múltiplos centros
de produção da INDITEX estarão a proporcionar aos trabalhadores locais. É bem
provável que mesmo muito baixos na origem esses postos de trabalho representem
face às condições anteriores uma significativo aumento de rendimento para os
trabalhos envolvidos no efeito Zara, ajudando a produzir os produtos que
certamente consumirão nos armazéns locais. Apesar de ser um player global de grande projeção e
riqueza, Amancio Ortega nunca se afastou da sua herança galega e parece
continuar a fazer questão de o mostrar. Não se sabe se Marta cultivará a mesma imagem
e apego à terra ou se, pelo contrário, cortará esses laços para mergulhar no cosmopolitismo
de uma rede global. Pelo menos por uma noite, as populações da Corunha sentiram-se
na pele de uma empresa global que não corta as suas amarras com o local.
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