segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A (NÃO) ORGANIZAÇÃO DO ESTADO



(Desde o esfarrapado documento PORTAS sobre o assunto que se percebe que as forças políticas com capacidade de aceder à governação estão a milhas da vontade política e da robustez necessárias para concretizar tal desígnio. O problema neste momento afigura-se bem pior. Há evidências que começam a ser trágicas de que a situação se começa a degradar para lá do suportável.)

Certamente que houve tentativas no passado para avançar na direção desejada. O esfarrapado documento PORTAS foi mais um texto para empatar a TROIKA do que propriamente para abrir caminho e orientar uma coerente reorganização do Estado. Antes, o chamado pacote Relvas tinha inventado áreas metropolitanas por todo o lado, semeando urbanidade e concentração pelos territórios mais recônditos. Não pegou verdadeiramente mas há ainda por aí sinais do desatino, por exemplo a composição atual da Área Metropolitana do Porto. Mais recentemente, o PS virou-se para os lados da descentralização, na linha do seu pretenso municipalismo (que para mim é um mito), tentando por essa via abrir caminho a outras frentes de intervenção. Sempre considerei neste espaço que tal iniciativa política acabou por ser infeliz no modo como se apresentou. Misturou à partida um propósito de grande alcance com matérias de grande controvérsia e com dúvidas de enquadramento institucional, como o são por exemplo a hipótese de eleições diretas para as Presidências das Áreas Metropolitanas. Juntou ao pacote a decisão de fazer eleger os Presidentes das CCDR através de colégios eleitorais compostos por representantes municipais, não entendendo que o problema das CCDR não é um problema de legitimidade mas de falta de poder efetivo de coordenação dos serviços do Estado presentes nas Regiões. Para além disso, embora me considere um cidadão informado nestas matérias e com preparação técnica para a debater, ainda não consegui perceber totalmente o projeto de descentralização que foi proposto aos municípios. Sabe-se que foi um EXCEL que chegou aos municípios que suscitou reações violentas e assim-assim. Sem informação privilegiada, não consegui ainda perceber que descentralização vamos ter. Há que convir que pior maneira de abrir caminho a uma reforma da organização do Estado seria difícil.

Poderia assim concluir-se que, face à incapacidade reinante, entraríamos numa espécie de limbo, longe do ótimo e do desejável, um encolher de ombros resignado e não passaríamos disso, o que aliás agrada ao centralismo e aos que sempre acharam que descentralizar era entregar o ouro aos bárbaros. O problema é que o rigor da natureza, a morte lenta de muitos territórios despovoados e interiores, o adiamento de escolhas públicas inadiáveis e não atenuáveis pelas barrigas que empurram para a frente e a contenção orçamental se têm encarregado de desfazer esse limbo. Como? Degradando obviamente a situação e conduzindo a um atirar de responsabilidade para outros níveis de organização do Estado que representa o começo de uma situação insuportável. A tragédia mais recente é sempre a que mais reforça a evidência assinalada. A derrocada da estrada de Borba representa uma agudização perigosa dessa tendência, mais pronunciada do que a dos incêndios. Sorte houve que a questão de Tancos se desenvolveu num plano estritamente central. A Chamusca foi um epifenómeno e não atingiu o nível do relacionamento entre níveis de organização territorial. Foi onde reapareceram as armas (todas? A mais ? Não se sabe), ponto, nada mais do que isso.

Mas a tragédia de Borba para além da sua dimensão humana de população indefesa face a uma proteção pública que não existe é emblemática do agravamento da situação. Não é bonito o Estado no seu todo e na sua configuração territorial diversa desmembrar-se na procura de justificações. A posição do município é de uma grande fragilidade e bem pode esgadanhar-se todo nas operações de resgate que não oculta o problema de base. Em Borba reina aquele equilíbrio perigoso entre proteger a atividade económica que, predadora é certo, consegue gerar o rendimento e o emprego mínimos num território que declina a uma velocidade impressionante e garantir a segurança. E que conceção lata de segurança têm os portugueses, agravada por procura de equilíbrios dessa natureza. Mas podem o Estado central e as inconsequentes estruturas regionais desconcentradas ignorar esta questão, sobretudo o exaurir de recursos que atinge territórios e municípios como o de Borba? Em meu entender, não o podem fazer. A organização territorial do Estado é pressuposta que seja uma organização coerente e não uma manta de níveis de decisão (ou de indecisão) simplesmente à deriva. Acho que o Governo não está a acolher bem a questão de Borba, está a querer lavar mãos quando a situação exige que as mãos entrem na terra. E até há uma secretaria de Estado de Valorização do Interior.

Tenho que para mim que a desvitalização galopante de alguns territórios municipais interiores exige a curto prazo um reforço de competências de âmbito sub-regional com os municípios a terem que voluntariamente aderir a uma partilha de serviços e a uma gestão integrada dos mesmos. Ou seja, uma escolha criteriosa entre o que deve continuar na esfera da proximidade aos cidadãos locais e o que deve ascender para uma gestão integrada optimizadora dos recursos escassos de responsabilidade das Comunidades Intermunicipais. Continuar a ignorar esta escolha abrirá caminho a novas “derrocadas”.

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