(Desde o esfarrapado documento PORTAS sobre o assunto que
se percebe que as forças políticas com capacidade de aceder à governação estão
a milhas da vontade política e da robustez necessárias para concretizar tal desígnio.
O problema neste momento
afigura-se bem pior. Há evidências que começam a ser trágicas de que a situação
se começa a degradar para lá do suportável.)
Certamente que houve tentativas no passado para avançar na direção desejada.
O esfarrapado documento PORTAS foi mais um texto para empatar a TROIKA do que
propriamente para abrir caminho e orientar uma coerente reorganização do
Estado. Antes, o chamado pacote Relvas tinha inventado áreas metropolitanas por
todo o lado, semeando urbanidade e concentração pelos territórios mais recônditos.
Não pegou verdadeiramente mas há ainda por aí sinais do desatino, por exemplo a
composição atual da Área Metropolitana do Porto. Mais recentemente, o PS virou-se
para os lados da descentralização, na linha do seu pretenso municipalismo (que
para mim é um mito), tentando por essa via abrir caminho a outras frentes de
intervenção. Sempre considerei neste espaço que tal iniciativa política acabou
por ser infeliz no modo como se apresentou. Misturou à partida um propósito de
grande alcance com matérias de grande controvérsia e com dúvidas de
enquadramento institucional, como o são por exemplo a hipótese de eleições
diretas para as Presidências das Áreas Metropolitanas. Juntou ao pacote a decisão
de fazer eleger os Presidentes das CCDR através de colégios eleitorais compostos
por representantes municipais, não entendendo que o problema das CCDR não é um
problema de legitimidade mas de falta de poder efetivo de coordenação dos serviços
do Estado presentes nas Regiões. Para além disso, embora me considere um cidadão
informado nestas matérias e com preparação técnica para a debater, ainda não
consegui perceber totalmente o projeto de descentralização que foi proposto aos
municípios. Sabe-se que foi um EXCEL que chegou aos municípios que suscitou
reações violentas e assim-assim. Sem informação privilegiada, não consegui
ainda perceber que descentralização vamos ter. Há que convir que pior maneira
de abrir caminho a uma reforma da organização do Estado seria difícil.
Poderia assim concluir-se que, face à incapacidade reinante, entraríamos numa
espécie de limbo, longe do ótimo e do desejável, um encolher de ombros
resignado e não passaríamos disso, o que aliás agrada ao centralismo e aos que sempre
acharam que descentralizar era entregar o ouro aos bárbaros. O problema é que o
rigor da natureza, a morte lenta de muitos territórios despovoados e interiores,
o adiamento de escolhas públicas inadiáveis e não atenuáveis pelas barrigas que
empurram para a frente e a contenção orçamental se têm encarregado de desfazer
esse limbo. Como? Degradando obviamente a situação e conduzindo a um atirar de
responsabilidade para outros níveis de organização do Estado que representa o
começo de uma situação insuportável. A tragédia mais recente é sempre a que
mais reforça a evidência assinalada. A derrocada da estrada de Borba representa
uma agudização perigosa dessa tendência, mais pronunciada do que a dos incêndios.
Sorte houve que a questão de Tancos se desenvolveu num plano estritamente
central. A Chamusca foi um epifenómeno e não atingiu o nível do relacionamento
entre níveis de organização territorial. Foi onde reapareceram as armas (todas?
A mais ? Não se sabe), ponto, nada mais do que isso.
Mas a tragédia de Borba para além da sua dimensão humana de população
indefesa face a uma proteção pública que não existe é emblemática do agravamento
da situação. Não é bonito o Estado no seu todo e na sua configuração territorial
diversa desmembrar-se na procura de justificações. A posição do município é de
uma grande fragilidade e bem pode esgadanhar-se todo nas operações de resgate
que não oculta o problema de base. Em Borba reina aquele equilíbrio perigoso
entre proteger a atividade económica que, predadora é certo, consegue gerar o rendimento
e o emprego mínimos num território que declina a uma velocidade impressionante
e garantir a segurança. E que conceção lata de segurança têm os portugueses,
agravada por procura de equilíbrios dessa natureza. Mas podem o Estado central
e as inconsequentes estruturas regionais desconcentradas ignorar esta questão,
sobretudo o exaurir de recursos que atinge territórios e municípios como o de
Borba? Em meu entender, não o podem fazer. A organização territorial do Estado é
pressuposta que seja uma organização coerente e não uma manta de níveis de
decisão (ou de indecisão) simplesmente à deriva. Acho que o Governo não está a
acolher bem a questão de Borba, está a querer lavar mãos quando a situação exige
que as mãos entrem na terra. E até há uma secretaria de Estado de Valorização
do Interior.
Tenho que para mim que a desvitalização galopante de alguns territórios
municipais interiores exige a curto prazo um reforço de competências de âmbito sub-regional
com os municípios a terem que voluntariamente aderir a uma partilha de serviços
e a uma gestão integrada dos mesmos. Ou seja, uma escolha criteriosa entre o
que deve continuar na esfera da proximidade aos cidadãos locais e o que deve
ascender para uma gestão integrada optimizadora dos recursos escassos de
responsabilidade das Comunidades Intermunicipais. Continuar a ignorar esta
escolha abrirá caminho a novas “derrocadas”.
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