(À boleia de um cada vez mais arguto Branko Milanovic no
Global Inequality (link aqui), oportunidade para mais um take, perdi-lhe a conta, sobre um
dos temas centrais deste blogue. O tema da desigualdade a nível mundial, a chamada
desigualdade global, regressa com dados novos e algumas regularidades.)
Branko Milanovic, economista que trabalhou no
Banco Mundial durante longo tempo e que agora investiga e ensina na City
University de New York com associação ao think-tank
do Luxembourg Income Study (LIS), a que também Krugman está ligado, é hoje um
dos mais reputados membros da comunidade de investigação que estuda os temas da
desigualdade. Para os efeitos deste post,
convém sabermos que, entre outras possíveis abordagens, o tema da desigualdade
pode ser entendido a dois níveis: o da comparação entre países, no âmbito do
qual a desigualdade entre os indivíduos e consequentemente do país é calculada
país a país, não sendo os rendimentos objeto de comparação, por exemplo, dos
portugueses, dos americanos e dos chineses; o da desigualdade a nível mundial
ou global, em que o universo para o qual se calcula um qualquer índice de
desigualdade entra em linha de conta com os rendimentos de toda a população a
nível mundial.
A notoriedade relativa das duas abordagens tem oscilado com o tempo. Em
tempos de foco na globalização é a desigualdade global que tem mais
notoriedade. Em tempos de recuo dessa globalização e de exacerbação dos
fenómenos nacionais é a desigualdade entre países que tende a atrair mais atenção.
Ora, temos vindo a atravessar tempos de recuo da globalização (protecionismo,
nacionalismos, populismos) e coerentemente com essas tendências é a
desigualdade entre países que se tem destacado. É esse o foco que tem identificado
os EUA como uma das nações avançadas mais desiguais do mundo, a que se associam
níveis preocupantes de pobreza e de reprodução destas últimas e das condições
de desigualdade.
Mas ignorar artificialmente o tema da desigualdade global é empobrecedor,
sobretudo para aqueles que nunca deixaram de acompanhar os padrões evolutivos
da economia mundial, apesar dos populismos e nacionalismos.
Deixando em paz as tecnicidades que decorrem do grau de cobertura dos inquéritos
às famílias sobre os quais os cálculos de desigualdade são realizados, o que
impressiona é o comportamento do rendimento mediano global em si próprio entendido
e também em confronto com o rendimento médio mundial. O que o gráfico que abre
este post nos mostra com clareza é
que o rendimento per capita mundial
mediano tem a partir do período de 1998-2003 crescido a taxas bem mais elevadas
do que o rendimento per capita médio
mundial. É irónico que seja no período de 2008-2013 (período bem penalizador para
os grupos sociais mais desfavorecidos das economias mais avançadas) que a divergência
entre a dinâmica do rendimento per capita
mediano e do médio seja mais acentuada. Esta evidência limita-se a confirmar o
que já sabíamos: uma multidão enorme de populações muito pobres de algumas
economias asiáticas, como a China, Indonésia, Índia e Vietname, entre outros)
viram o seu rendimento crescer consideravelmente (certamente a partir de
valores muito baixos). Tal Milanovic o assinala, quando o rácio “média/mediana”
baixa isso regra é sinal de que a desigualdade está a diminuir. Praticamente todos
os indicadores de desigualdade confirmam esta regra.
Mas Milanovic é um mestre das distribuições e dos indicadores associados. Aprofundando
a análise, ele mostra-nos que, apesar das boas notícias que o rendimento per capita mediano nos traz, indo abaixo
da mediana observa-se que as evidências do reforço da pobreza se intensificam. Ou
seja, o movimento positivo atrás observado deixa para trás um montão de gente. Por
outro lado, apesar do recuo da desigualdade de 2008 a 2013, os 1% mais ricos não
perdem posição. Se pensarmos que os híper-ricos dispõem de uma vasta bateria de
formas de ocultação de rendimento, então haverá cada vez mais super-ricos.
A síntese de Milanovic ajuda-nos a compreender a diversidade dos sinais na
economia mundial: o rendimento per capita
mediano aumenta expressivamente, mas o mundo está cada vez mais polarizado. Tudo
isto nos pode ajudar a refletir sobre as dificuldades para a ocidente se encontrar
uma fórmula política que integre este paradoxo. Não é fácil. O falsamente
iluminado Trump pensa que terá encontrado essa fórmula. Duvido.
Branko Milanovic recebeu, em conjunto com Mariana Mazzucato, o Leontief Prize for Advancing the Frontiers of Economic Thought de 2018. Infelizmente, este prémio é pouco conhecido em Portugal.
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