quarta-feira, 14 de novembro de 2018

DESIGUALDADE, TAKE (?)



(À boleia de um cada vez mais arguto Branko Milanovic no Global Inequality (link aqui), oportunidade para mais um take, perdi-lhe a conta, sobre um dos temas centrais deste blogue. O tema da desigualdade a nível mundial, a chamada desigualdade global, regressa com dados novos e algumas regularidades.)

Branko Milanovic, economista que trabalhou no Banco Mundial durante longo tempo e que agora investiga e ensina na City University de New York com associação ao think-tank do Luxembourg Income Study (LIS), a que também Krugman está ligado, é hoje um dos mais reputados membros da comunidade de investigação que estuda os temas da desigualdade. Para os efeitos deste post, convém sabermos que, entre outras possíveis abordagens, o tema da desigualdade pode ser entendido a dois níveis: o da comparação entre países, no âmbito do qual a desigualdade entre os indivíduos e consequentemente do país é calculada país a país, não sendo os rendimentos objeto de comparação, por exemplo, dos portugueses, dos americanos e dos chineses; o da desigualdade a nível mundial ou global, em que o universo para o qual se calcula um qualquer índice de desigualdade entra em linha de conta com os rendimentos de toda a população a nível mundial.

A notoriedade relativa das duas abordagens tem oscilado com o tempo. Em tempos de foco na globalização é a desigualdade global que tem mais notoriedade. Em tempos de recuo dessa globalização e de exacerbação dos fenómenos nacionais é a desigualdade entre países que tende a atrair mais atenção. Ora, temos vindo a atravessar tempos de recuo da globalização (protecionismo, nacionalismos, populismos) e coerentemente com essas tendências é a desigualdade entre países que se tem destacado. É esse o foco que tem identificado os EUA como uma das nações avançadas mais desiguais do mundo, a que se associam níveis preocupantes de pobreza e de reprodução destas últimas e das condições de desigualdade.

Mas ignorar artificialmente o tema da desigualdade global é empobrecedor, sobretudo para aqueles que nunca deixaram de acompanhar os padrões evolutivos da economia mundial, apesar dos populismos e nacionalismos.

Deixando em paz as tecnicidades que decorrem do grau de cobertura dos inquéritos às famílias sobre os quais os cálculos de desigualdade são realizados, o que impressiona é o comportamento do rendimento mediano global em si próprio entendido e também em confronto com o rendimento médio mundial. O que o gráfico que abre este post nos mostra com clareza é que o rendimento per capita mundial mediano tem a partir do período de 1998-2003 crescido a taxas bem mais elevadas do que o rendimento per capita médio mundial. É irónico que seja no período de 2008-2013 (período bem penalizador para os grupos sociais mais desfavorecidos das economias mais avançadas) que a divergência entre a dinâmica do rendimento per capita mediano e do médio seja mais acentuada. Esta evidência limita-se a confirmar o que já sabíamos: uma multidão enorme de populações muito pobres de algumas economias asiáticas, como a China, Indonésia, Índia e Vietname, entre outros) viram o seu rendimento crescer consideravelmente (certamente a partir de valores muito baixos). Tal Milanovic o assinala, quando o rácio “média/mediana” baixa isso regra é sinal de que a desigualdade está a diminuir. Praticamente todos os indicadores de desigualdade confirmam esta regra.

Mas Milanovic é um mestre das distribuições e dos indicadores associados. Aprofundando a análise, ele mostra-nos que, apesar das boas notícias que o rendimento per capita mediano nos traz, indo abaixo da mediana observa-se que as evidências do reforço da pobreza se intensificam. Ou seja, o movimento positivo atrás observado deixa para trás um montão de gente. Por outro lado, apesar do recuo da desigualdade de 2008 a 2013, os 1% mais ricos não perdem posição. Se pensarmos que os híper-ricos dispõem de uma vasta bateria de formas de ocultação de rendimento, então haverá cada vez mais super-ricos.

A síntese de Milanovic ajuda-nos a compreender a diversidade dos sinais na economia mundial: o rendimento per capita mediano aumenta expressivamente, mas o mundo está cada vez mais polarizado. Tudo isto nos pode ajudar a refletir sobre as dificuldades para a ocidente se encontrar uma fórmula política que integre este paradoxo. Não é fácil. O falsamente iluminado Trump pensa que terá encontrado essa fórmula. Duvido.

1 comentário:

  1. Branko Milanovic recebeu, em conjunto com Mariana Mazzucato, o Leontief Prize for Advancing the Frontiers of Economic Thought de 2018. Infelizmente, este prémio é pouco conhecido em Portugal.

    ResponderEliminar