(Congresso)
(Senado)
(Os resultados das intercalares americanas suscitam questões
bem mais vastas do que a simples constatação de que os Democratas podem a
partir do Congresso que passam a dominar e de que a subida dos Republicanos no Senado
pode representar uma espécie de bastião isolador das ameaças a Trump. O que os resultados trazem são uma linha de
indefinição ao rumo que os Democratas devem trilhar para barrar Trump nas próximas
eleições presidenciais.
Não sendo um conhecedor profundo da sociedade americana, é praticamente por
intuição alimentada por um acompanhamento regular e atento da imprensa americana
que me tenho vindo a aperceber da profunda divisão que se vai estabelecendo nessa
sociedade. Esse agravamento da grande divisão entre os americanos é
praticamente contemporânea da ascensão de Trump ao poder, sendo também possível
concluir que Trump tirou partido desses sinais que se vinham manifestando na sociedade
americana. De facto, o racismo, sexismo e nacionalismo agressivo e o próprio basismo
vazio de Trump são vistos por muita gente como o resultado direto de uma espécie
de acidente da história que coloca um mentecapto narcisista no poder. Conviria,
entretanto, começar a pensar que esses atributos de Trump representam, mais do
que a excentricidade, a emergência de uma tendência política presente em muitos
cantos do território americano. Trata-se de uma tendência que emerge entre os
mais velhos, os mais iletrados, os mais rurais, precisamente as características
que mais predominam nos Estados que são beneficiados pelo sistema eleitoral
americano. Ou seja, o que está a formar-se é uma fratura profunda entre duas Américas,
não deixando de ser surpreendente que uma divisão do mesmo tipo, não obviamente
com os mesmos traços sociológicos porque as duas sociedades são diferentes, acabou
por ser identificada entre o Reino Unido do BREXIT e o Reino Unido do REMAIN.
Esta divisão tem algo de irredutível. Ou seja, é uma fratura tão profunda que
não tem cura possível a curto prazo. Ela quer também significar que as origens
sociológicas da esquerda versus direita não operam, o que permite compreender
as extremas dificuldades da primeira para compreender a divisão implantada e
ajustar-se à mesma propondo projetos de esperança e que possam pelo menos minimizar
a fratura revelada.
Como seria compreensível, apesar da vitória no Congresso, embora compensada
em prejuízo dos Democratas pelo reforço Republicano no Senado, as eleições de
ontem não facilitaram a vida aos Democratas sobretudo do ponto de vista de traçar
um rumo consequente para abrir o caminho de uma possível vitória nas próximas presidenciais.
É que os resultados eleitorais trouxeram para os Democratas resultados sobre os
quais é praticamente impossível (salvo melhores análises que apareçam nos próximos
dias) estabelecer um padrão que determine as vias do progressismo ou da moderação
ao centro que os Democratas deverão seguir nas próximas eleições. O que quero dizer
é que tanto para o Congresso como para o Senado, mais para o primeiro do que
para o segundo, houve derrotas não previstas nas sondagens de gente muito progressista
entre os Democratas e também vitórias de alguns moderados. Jelabi Cobb na New
Yorker (link aqui) escalpeliza o exemplo da derrota do progressista Andrew
Gillum na votação para Governador na Florida e mostra o que ela pode de significar
de continuidade do debate interno acerca da opção progressista ou mais
centrista que se revelará necessária para levar os Democratas a negar a Trump
um novo mandato. É claro que tanto Gillum como, por exemplo, Beto O´Rourke
perderam em disputas apertadíssimas para Governadores, mas a verdade é que perderam.
Mas também é verdade que muitos candidatos progressistas ao Congresso foram vencedores.
Creio que a fratura a que aludi antes está generalizada por todo o território
americano, embora a intensidade da mesma não seja obviamente territorialmente homogénea.
Nesta diferenciação territorial da fratura poderá estar a raiz das escolhas
certas a fazer pelos Democratas. Como é conhecido, nem sempre as lógicas de tendências
internas nos partidos conduzem às escolhas. Por isso, o que se espera é que o
longo e agressivo debate que os Democratas irão continuar a travar não desfoque
a ação crucial que é necessário promover: barrar o caminho a Trump.
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