quarta-feira, 7 de novembro de 2018

THE GREAT DIVIDE

(Congresso)
(Senado)


(Os resultados das intercalares americanas suscitam questões bem mais vastas do que a simples constatação de que os Democratas podem a partir do Congresso que passam a dominar e de que a subida dos Republicanos no Senado pode representar uma espécie de bastião isolador das ameaças a Trump. O que os resultados trazem são uma linha de indefinição ao rumo que os Democratas devem trilhar para barrar Trump nas próximas eleições presidenciais.

Não sendo um conhecedor profundo da sociedade americana, é praticamente por intuição alimentada por um acompanhamento regular e atento da imprensa americana que me tenho vindo a aperceber da profunda divisão que se vai estabelecendo nessa sociedade. Esse agravamento da grande divisão entre os americanos é praticamente contemporânea da ascensão de Trump ao poder, sendo também possível concluir que Trump tirou partido desses sinais que se vinham manifestando na sociedade americana. De facto, o racismo, sexismo e nacionalismo agressivo e o próprio basismo vazio de Trump são vistos por muita gente como o resultado direto de uma espécie de acidente da história que coloca um mentecapto narcisista no poder. Conviria, entretanto, começar a pensar que esses atributos de Trump representam, mais do que a excentricidade, a emergência de uma tendência política presente em muitos cantos do território americano. Trata-se de uma tendência que emerge entre os mais velhos, os mais iletrados, os mais rurais, precisamente as características que mais predominam nos Estados que são beneficiados pelo sistema eleitoral americano. Ou seja, o que está a formar-se é uma fratura profunda entre duas Américas, não deixando de ser surpreendente que uma divisão do mesmo tipo, não obviamente com os mesmos traços sociológicos porque as duas sociedades são diferentes, acabou por ser identificada entre o Reino Unido do BREXIT e o Reino Unido do REMAIN.

Esta divisão tem algo de irredutível. Ou seja, é uma fratura tão profunda que não tem cura possível a curto prazo. Ela quer também significar que as origens sociológicas da esquerda versus direita não operam, o que permite compreender as extremas dificuldades da primeira para compreender a divisão implantada e ajustar-se à mesma propondo projetos de esperança e que possam pelo menos minimizar a fratura revelada.

Como seria compreensível, apesar da vitória no Congresso, embora compensada em prejuízo dos Democratas pelo reforço Republicano no Senado, as eleições de ontem não facilitaram a vida aos Democratas sobretudo do ponto de vista de traçar um rumo consequente para abrir o caminho de uma possível vitória nas próximas presidenciais. É que os resultados eleitorais trouxeram para os Democratas resultados sobre os quais é praticamente impossível (salvo melhores análises que apareçam nos próximos dias) estabelecer um padrão que determine as vias do progressismo ou da moderação ao centro que os Democratas deverão seguir nas próximas eleições. O que quero dizer é que tanto para o Congresso como para o Senado, mais para o primeiro do que para o segundo, houve derrotas não previstas nas sondagens de gente muito progressista entre os Democratas e também vitórias de alguns moderados. Jelabi Cobb na New Yorker (link aqui) escalpeliza o exemplo da derrota do progressista Andrew Gillum na votação para Governador na Florida e mostra o que ela pode de significar de continuidade do debate interno acerca da opção progressista ou mais centrista que se revelará necessária para levar os Democratas a negar a Trump um novo mandato. É claro que tanto Gillum como, por exemplo, Beto O´Rourke perderam em disputas apertadíssimas para Governadores, mas a verdade é que perderam. Mas também é verdade que muitos candidatos progressistas ao Congresso foram vencedores.

Creio que a fratura a que aludi antes está generalizada por todo o território americano, embora a intensidade da mesma não seja obviamente territorialmente homogénea. Nesta diferenciação territorial da fratura poderá estar a raiz das escolhas certas a fazer pelos Democratas. Como é conhecido, nem sempre as lógicas de tendências internas nos partidos conduzem às escolhas. Por isso, o que se espera é que o longo e agressivo debate que os Democratas irão continuar a travar não desfoque a ação crucial que é necessário promover: barrar o caminho a Trump.

Sem comentários:

Enviar um comentário