Já aqui o disse algumas vezes, mas nunca será demais repeti-lo: embora nem sempre concordo com tudo quanto ele opina, considero João Vieira Pereira um dos nossos melhores jornalistas económicos porque quase sempre reconheço nele uma base essencial de preparação e uma preocupação mínima de isenção analítica. Vem isto a propósito da sua coluna “Bloco de Notas” no “Expresso” deste fim-de-semana, designadamente no que toca à sua análise do que sucedeu com a nossa Cimpor (que, após ter chegado a ser uma marca global de raiz nacional, se tornou aquela que reputo como a mais lamentável e condenável sucessão de decisões político-económicas ocorrida no Portugal democrático).
Cito-o: “A Cimpor é hoje o espelho de anos de más decisões políticas, tomadas debaixo de um alegado interesse nacional, que não era mais do que uma desculpa para defender interesses particulares de grupos e pessoas que, por um motivo ou outro, caíram em certo momento nas boas graças de políticos e banqueiros. O importante era ajudar amigos e impedir a criação de grandes grupos económicos, com medo do poder que poderiam vir a ter.
Quando a Cimpor foi para a Bolsa, em 1994, era já uma excelente empresa, com uma estratégia de internacionalização sólida. A sua certidão de óbito é dada no início deste século, no seguimento da OPA lançada então por Pedro Queiroz Pereira (P.Q.P.), que detinha a Secil, concorrente da Cimpor. Muitos defendem que a venda aos brasileiros da Camargo Corrêa matou a empresa (e já vou a este ponto), mas o golpe mortal foi dado anos antes.
O dedo tem de ser apontado a Pina Moura, que impediu que P.Q.P. controlasse a Cimpor, numa operação lançada no mercado, e assim criasse um grupo ainda mais forte. O veto político atirou a empresa para as mãos de empresários superendividados, que hoje ou estão falidos ou à beira do precipício, como a família Teixeira Duarte ou Manuel Fino, e que deixaram calotes de milhões e milhões na banca, inclusive na Caixa Geral de Depósitos.
Já depois de a Teixeira Duarte e de Manuel Fino terem sido obrigados a admitir que nunca tinham tido capacidade financeira para controlar a Cimpor, P.Q.P. tentou de novo adquiri-la, mas foi travado desta vez pelo Governo de Passos Coelho.
António Borges já não está cá para se defender, mas foi ele que fez de tudo para que a empresa fosse parar a mãos brasileiras. Estava convencido de que era a única forma de salvar a Cimpor. Estava enganado. Mas o pecado original foi cometido antes, não quando Portugal estava debaixo de um resgate financeiro por ter ido à falência.”
O último episódio desta triste novela ocorreu há cerca de um mês, quando todos os ativos da operação portuguesa da Cimpor foram vendidos pelos brasileiros da Intercement a um conglomerado turco proveniente do fundo de pensões das forças armadas, de nome OYAK, assim fazendo prosseguir alegremente o fatiamento de uma das poucas grandes empresas que tínhamos sabido construir e afirmar em termos globais. Concluo: não me importa essencialmente assacar culpas e distribui-las em proporção de um qualquer critério pelos vários pecadores responsáveis, antes me importa, isso sim, constatar que o Estado não deveria nunca ficar à mercê de adeptos acéfalos dos caprichos do mercado, seja à boleia de uma conversão tardia e interessada ou por obra e graça de uma crença profunda. Foram dezoito anos vilanagem com fartura e de estragos sem regresso...
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