(Com direito a conferência de imprensa, o Governo assinala
três anos de vida e mais do que isso praticamente a certeza de que a legislatura
será levada até ao seu termo. Em meu entender a síntese que melhor descreve estes três anos pode resumir-se
em três dimensões: o alcance político da solução de governo encontrada, alguns
sinais de uma doença infantil de complicações desnecessárias e o reflexo de
fragilidades estruturais de país e não de governo.)
Não sei sinceramente se António Costa alguma vez imaginou quão longe
poderia ir a solução de governar com apoio parlamentar negociado à esquerda. Sabendo
ou não sabendo, é natural que Costa se sinta distendido e “de bem com a vida”
politicamente falando. A legislatura aproxima-se do fim e quis a aleatoriedade
da economia mundial não perturbar por agora as periferias da economia do sul.
O que ficará definitivamente desta legislatura será objeto a seu tempo de
uma avaliação mais abrangente, até porque estou curioso se alguma das questões
pendentes em investigações complexas e demoradas terão ou não o seu epílogo até
às próximas eleições legislativas.
Mas uma síntese preliminar é possível.
Em primeiro lugar, a solução do PS governar com acordo
parlamentar negociado à esquerda veio revolucionar amplamente as condições políticas
da governação em Portugal. Isso é tão evidente que na sua última reunião anual
o Bloco de Esquerda veio por o dedo no ar e dizer que também estão em condições
de governar. Penso que nem os próprios bloquistas estarão ainda totalmente
conscientes do alcance dessa disponibilidade. Mas a verdade é que o chamado
arco da governação se estilhaçou em pedaços. Caíram todos os tabus e mitos que
foram construídos em torno dessa ideia peregrina de que não seria possível
governar com maioria de esquerda parlamentar. Há que reconhecer que embora seja
o Bloco o mais afoito em apanhar o comboio que pode fazer viagem, foi o pragmatismo
político do PCP que tornou possível a solução. O PCP pode ser rígido e não acompanhar
os sinais dos tempos. Mas a verdade é que tem uma rara intuição para medir e
avaliar a importância de cada momento político. É bem provável que uma solução
como a desta legislatura talvez não possa repetir-se. Mas o determinante é ter
ficado claro que foi possível, sem aparentemente a ocorrência de danos irreversíveis
para os parceiros do PS. Estou certo que se houvesse análise de opinião mais
profunda a militantes, eventuais perdas de votos ou estagnação de afirmação se
devem a outros erros cometidos por PCP e Bloco e não ao apoio parlamentar ao
governo do PS.
O segundo traço destes três anos é uma propensão de alguns setores do
governo para a complicação em seu próprio prejuízo. A questão do IVA sobre as
touradas (não a discussão das mesmas e do que elas representam do ponto de
vista polarizado das tradições e do grau de desenvolvimento) é um bom exemplo. Estes
“tiros no pé” têm uma repercussão sempre desproporcionada face ao que está
nelas em jogo e resultam do modo como a comunicação social hoje aborda a questão
política. Esquece ou desvaloriza as questões realmente importantes e adora recriar-se
com as minudências aparentemente resultado de um estranho”complicómetro” político.
O terceiro traço exigiria do Governo uma posição de maior clareza e
profundidade do seu discurso político para com os cidadãos. É verdade que não
pode dizer-se que o Governo o tenha ignorado, mas o modo como cavalga alguns símbolos
de pretensa modernidade do país, tipo WEB SUMMIT, acaba por transmitir a ideia
de que as vulnerabilidades e fragilidades não existem. Mas o país tem fragilidades
que resultam seja da dependência do percurso traçado por escolhas públicas
anteriores (a desvalorização do transporte ferroviário, por exemplo), seja das
não escolhas públicas realizadas (o estado calamitoso da coesão territorial, a
questão florestal, a não modernização da máquina do Estado e consequente qualificação
técnica dos seus quadros para domínios chave do futuro do país e a calamitosa
situação de alguns mercados de trabalho dados os níveis de precariedade,
veja-se o porto de Setúbal). Tenho para mim que este quadro de fragilidades e vulnerabilidades
(agravado por um período de ajustamento cego) constitui uma espécie de cepo que
paira sobre as cabeças dos sucessivos governos. A todo o momento pode emergir
uma situação qualquer que gerará a questão usual, de quem é a culpa, quem é que
vamos colocar no pelourinho para lhe tratar da saúde. Nesse tipo de situações,
haverá sempre uma Constança ou um Azeredo qualquer a ser o bombo da festa sem que
o fundamental, evidenciar a vulnerabilidade e traçar uma trajetória para a
corrigir, seja acautelado. Não me parece que fosse difícil um discurso político pedagógico que focasse
a necessidade de incrementalmente ir melhorando estruturalmente algumas destas
situações, sem deixar de cavalgar as pontas da modernidade, do trendy e da boa imagem do país. António
Costa teria capacidade política para em meu entender o poder fazer. Não o tem
feito. Já se arrependeu várias vezes e pelos vistos parece não estar disposto a
aprender. No caso da estrada de Borba, sair do problema com aquele “não sabia”
não consigo entender que estratégia de comunicação e posicionamento possa
servir. Ao problema de Borba, responde-se não com esquivas mas pegando o touro
pelos cornos (desculpem a provocação de um não aficionado). Ou seja, informando
o país de que há uma fragilidade em matéria de conservação de estradas e que se
estão a dar passos e a mobilizar recursos para o minimizar.
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