(Scientific American, pag. 59)
(A revista Scientific
American é um repositório de ciência que muito aprecio e que se lê com
agrado, apesar da natureza avançadíssima das matérias que trata. Podemos considerá-la
um exemplo intermédio entre a revista científica para uso exclusivo de pares e
a revista de divulgação para públicos mais vastos. Mas para mim a Scientific American é um meio expedito para avaliar matérias no domínio
da economia. Estranho, não? Explico-me.)
Quem comprar e ler regularmente o Scientific
American apercebe-se rapidamente que só muito raramente a economia aparece representada
nos artigos que publica. Poderá dizer-se que isso corresponde a uma decisão de
não invadir domínios que não constam do seu estatuto editorial. Tenho para mim
que em parte pode ser essa a razão. Mas também entendo que tal raridade de
aparecimento corresponde à perspetiva que a ciência mais pura e dura tem da
economia, ou seja uma profunda desconfiança quanto ao modo como a economia
utiliza o método científico. Se nos recordarmos da maneira como o Nobel Paul
Romer utiliza o seu conceito de “mathiness”
para zurzir em alguma da macroeconomia corrente, que usa ardilosamente a matemática
para se invocar de um estatuto de rigor que não tem, não será difícil compreender
tal desconfiança.
Pois é com base neste entendimento que estou permanentemente atento aos
aparecimentos da economia no Scientific
American. O que de económico ali aparece tem de corresponder a algo de
relevante. É um critério como outro qualquer e não me tenho dado mal com a sua
utilização. Nunca me arrependi de tal opção.
Tudo isto para trazer a este blogue a divulgação do número de Novembro de
2018. Correspondendo ao interesse que este blogue tem dedicado ao assunto, o Scientific American deste mês dedica 23
páginas a um tema que me é bastante caro, o da desigualdade e vai ao ponto de
intitular o tema com a designação “A Ciência da Desigualdade”. Qualquer
economista de bom senso e de alma aberta tem de ficar satisfeito com este
reconhecimento. A revista enquadra o tema com um artigo de grande expressão de
Joseph Stiglitz, “The Rigged Economy”
(A Economia manipulada). No artigo, Stiglitz defende o argumento de que para a
economia americana toda a série de argumentos válidos que a teoria tem
apresentada (efeitos do progresso técnico, da globalização, da transformação
estrutural em favor dos serviços, entre outros) nenhum deles pode explicar rigorosamente
porque é que o fenómeno é mais intenso nos EUA do que nas restantes economias avançadas
(os EUA são conjuntamente com o Reino Unido a economia avançada mais desigual
do mundo). O argumento de Stiglitz aponta para um círculo vicioso entre concentração
do poder económico e viciação da política económica a favor dos grupos mais
ricos da sociedade americana, alterando e influenciando regras básicas da regulação
da economia a favor da concentração do poder.
Mas o artigo mais interessante de entre os publicados por esta edição do Scientific American é o de autoria de
Robert Sapolsky (curiosamente não um economista mas um professor de biologia e
neurologia em Stanford).O artigo chama-se “The
Health-Wealth Gap” e analisa as consequências económicas da desigualdade
sobre a saúde e a qualidade de vida por ela influenciada. A novidade do artigo
está na demonstração de que a influência da desigualdade sobre a saúde não se
circunscrever às desiguais condições de acesso aos serviços e cuidados de saúde.
Apoiando-se em variadas fontes de investigação científica, Sapolsky desenvolve
uma tese em que o estatuto socioeconómico de cada um, profundamente afetado
pelas condições de desigualdade, gera um conjunto de alterações fisiológicas no
corpo humano, uma espécie de marcadores (por exemplo estados de inflamação crónica
que penalizam a regeneração de tecidos) dos efeitos do stress provocado pelas débeis condições económicas.
Citando, para terminar:
“Como é
óbvio, temos de compreender melhor as consequências biológicas da desigualdade
e aprender vias melhores para curar as feridas na saúde. Mas francamente, já
sabemos um bom bocado. Sabemos o suficiente para parar o ultraje gerado pela
situação. É ultrajante saber que se as crianças nascerem na família errada, terão
uma predisposição para uma saúde mais débil no momento em que começarem a ler o
alfabeto. Não exigirá da nossa parte medir a inflamação ou a dimensão dos
cromossomas para provar que isso está errado, mas se tal acontecer teremos mais
poder para esta ciência”.
Em resumo, como o meu critério expedito o recomendaria, temos aqui matéria
relevante e está publicada no Scientific
American.
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