domingo, 4 de novembro de 2018

A DESIGUALDADE NO SCIENTIFIC AMERICAN

(Scientific American, pag. 59)


(A revista Scientific American é um repositório de ciência que muito aprecio e que se lê com agrado, apesar da natureza avançadíssima das matérias que trata. Podemos considerá-la um exemplo intermédio entre a revista científica para uso exclusivo de pares e a revista de divulgação para públicos mais vastos. Mas para mim a Scientific American é um meio expedito para avaliar matérias no domínio da economia. Estranho, não? Explico-me.)

Quem comprar e ler regularmente o Scientific American apercebe-se rapidamente que só muito raramente a economia aparece representada nos artigos que publica. Poderá dizer-se que isso corresponde a uma decisão de não invadir domínios que não constam do seu estatuto editorial. Tenho para mim que em parte pode ser essa a razão. Mas também entendo que tal raridade de aparecimento corresponde à perspetiva que a ciência mais pura e dura tem da economia, ou seja uma profunda desconfiança quanto ao modo como a economia utiliza o método científico. Se nos recordarmos da maneira como o Nobel Paul Romer utiliza o seu conceito de “mathiness” para zurzir em alguma da macroeconomia corrente, que usa ardilosamente a matemática para se invocar de um estatuto de rigor que não tem, não será difícil compreender tal desconfiança.

Pois é com base neste entendimento que estou permanentemente atento aos aparecimentos da economia no Scientific American. O que de económico ali aparece tem de corresponder a algo de relevante. É um critério como outro qualquer e não me tenho dado mal com a sua utilização. Nunca me arrependi de tal opção.

Tudo isto para trazer a este blogue a divulgação do número de Novembro de 2018. Correspondendo ao interesse que este blogue tem dedicado ao assunto, o Scientific American deste mês dedica 23 páginas a um tema que me é bastante caro, o da desigualdade e vai ao ponto de intitular o tema com a designação “A Ciência da Desigualdade”. Qualquer economista de bom senso e de alma aberta tem de ficar satisfeito com este reconhecimento. A revista enquadra o tema com um artigo de grande expressão de Joseph Stiglitz, “The Rigged Economy” (A Economia manipulada). No artigo, Stiglitz defende o argumento de que para a economia americana toda a série de argumentos válidos que a teoria tem apresentada (efeitos do progresso técnico, da globalização, da transformação estrutural em favor dos serviços, entre outros) nenhum deles pode explicar rigorosamente porque é que o fenómeno é mais intenso nos EUA do que nas restantes economias avançadas (os EUA são conjuntamente com o Reino Unido a economia avançada mais desigual do mundo). O argumento de Stiglitz aponta para um círculo vicioso entre concentração do poder económico e viciação da política económica a favor dos grupos mais ricos da sociedade americana, alterando e influenciando regras básicas da regulação da economia a favor da concentração do poder.

Mas o artigo mais interessante de entre os publicados por esta edição do Scientific American é o de autoria de Robert Sapolsky (curiosamente não um economista mas um professor de biologia e neurologia em Stanford).O artigo chama-se “The Health-Wealth Gap” e analisa as consequências económicas da desigualdade sobre a saúde e a qualidade de vida por ela influenciada. A novidade do artigo está na demonstração de que a influência da desigualdade sobre a saúde não se circunscrever às desiguais condições de acesso aos serviços e cuidados de saúde. Apoiando-se em variadas fontes de investigação científica, Sapolsky desenvolve uma tese em que o estatuto socioeconómico de cada um, profundamente afetado pelas condições de desigualdade, gera um conjunto de alterações fisiológicas no corpo humano, uma espécie de marcadores (por exemplo estados de inflamação crónica que penalizam a regeneração de tecidos) dos efeitos do stress provocado pelas débeis condições económicas.

Citando, para terminar:

Como é óbvio, temos de compreender melhor as consequências biológicas da desigualdade e aprender vias melhores para curar as feridas na saúde. Mas francamente, já sabemos um bom bocado. Sabemos o suficiente para parar o ultraje gerado pela situação. É ultrajante saber que se as crianças nascerem na família errada, terão uma predisposição para uma saúde mais débil no momento em que começarem a ler o alfabeto. Não exigirá da nossa parte medir a inflamação ou a dimensão dos cromossomas para provar que isso está errado, mas se tal acontecer teremos mais poder para esta ciência”.

Em resumo, como o meu critério expedito o recomendaria, temos aqui matéria relevante e está publicada no Scientific American.

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