(Com a passagem de testemunho de Angela Merkel, primeiro
ao nível da liderança da CDU e mais tarde com o seu abandono da cena política,
é natural que o foco nas transformações das sociedade alemã e as suas
consequências em termos de espectro político seja mais pronunciado. É também tempo, como lucidamente alguns
observadores o salientam, para dedicar mais atenção aos problemas geracionais
que a política alemã enfrenta.)
O fim do tempo de Angela Merkel aproxima-se,
em tempos diferentes. Numa primeira fase, abandonará a liderança da CDU,
mantendo-se como chanceler. Numa segunda fase, não se recandidatará a um novo mandato
e provavelmente irá dedicar-se às suas conhecidas caminhadas, que bem aprecia. Está
no seu direito.
É sempre precipitado fazer avaliações de personalidades tão marcantes na
hora da preparação para a sucessão. Não conhecemos suficientemente o contexto
em que a política alemã é exercida e, por isso, os juízos de valor sobre a sua
prática política provavelmente só a distanciação no tempo e o apuramento
efetivo das consequências da sua governação permitirão algum rigor de avaliação.
É verdade que conhecemos o contexto da sua formação e da sua experiência política
e daí poderemos inferir algumas regularidades do seu comportamento político. Mas
isso não chega, até porque em políticas as curvas de aprendizagem pessoais não
param de nos espantar.
A memória recente do seu futuro legado político será provavelmente marcada por
uma dualidade de apreciação: por um lado, a sua tibieza em relação ao
aprofundamento do edifício europeu é conhecida (há rumores de que Macron e a
sua entourage se exasperam com a eterna indefinição e protelamento da resposta
de Merkel às suas propostas); por outro lado, ninguém pode ignorar a sua coragem
política interna na decisão de acolher um número tão significativo de refugiados,
no contexto de uma sociedade que é cada vez mais securitária e revela sinais
preocupantes de intolerância. Mais ainda, esses sinais têm penetrado a própria
classe média alemã.
O que Merkel não poderá negar é a evidência cada vez mais segura de que a
CDU está cada vez mais reativa ao aparecimento da extrema-direita no Parlamento
alemão e nos Parlamentos de praticamente todos os Länder. E essa reatividade é no
sentido camaleónico de adaptação ao que o eleitorado parece querer com a sua
adesão a uma força política como a AfD (presentemente sob o fogo de acusações
por ter recebido donativos nas últimas eleições de 2017 provenientes da Suiça).
O que não anuncia boa coisa.
Se é verdade que o SPD não tem motivos para sorrir (o roto não tem condições
de se rir do esfarrapado) pois tem experimentado uma muito séria erosão, a verdade
é que a CDU de Merkel não tem sido pressionada apenas à direita. Os recentes ganhos
eleitorais dos Verdes anunciam algum fervilhar de ideias e de projetos à
esquerda.
É por isso que achei curioso um artigo de opinião publicado ontem no New
York Times por Jagoda Marinic (link aqui) que considera que a divisão mais fraturante na
Alemanha de hoje não é entre a esquerda e a direita, entre a moderação e o
extremismo. O colunista chama a atenção para a fratura geracional que abala a
sociedade alemã e para a onda de rotura que as gerações mais novas alimentam
quanto ao pessimismo que domina entre as gerações mais velhas. Segundo estas
gerações, a política alemã representa pessimamente o clima de diversidade já
instalado na sociedade alemão e que parece de todo irreversível.
Não demos conta cá pelo reino mas uma grande manifestação de cerca de 250.000
jovens, organizada sob o tema “#unteilbar” (inseparáveis), aconteceu em Berlim
a favor de uma sociedade mais aberta e mais diversa. Vale o que vale mas o êxito
eleitoral dos Verdes na Baviera aconteceu com lideranças de 33 e 40 anos.
Ora aqui está um fenómeno a que Habermas dedicará seguramente toda a sua atenção.
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