terça-feira, 13 de novembro de 2018

A ALEMANHA GERACIONAL



(Com a passagem de testemunho de Angela Merkel, primeiro ao nível da liderança da CDU e mais tarde com o seu abandono da cena política, é natural que o foco nas transformações das sociedade alemã e as suas consequências em termos de espectro político seja mais pronunciado. É também tempo, como lucidamente alguns observadores o salientam, para dedicar mais atenção aos problemas geracionais que a política alemã enfrenta.)

O fim do tempo de Angela Merkel aproxima-se, em tempos diferentes. Numa primeira fase, abandonará a liderança da CDU, mantendo-se como chanceler. Numa segunda fase, não se recandidatará a um novo mandato e provavelmente irá dedicar-se às suas conhecidas caminhadas, que bem aprecia. Está no seu direito.

É sempre precipitado fazer avaliações de personalidades tão marcantes na hora da preparação para a sucessão. Não conhecemos suficientemente o contexto em que a política alemã é exercida e, por isso, os juízos de valor sobre a sua prática política provavelmente só a distanciação no tempo e o apuramento efetivo das consequências da sua governação permitirão algum rigor de avaliação. É verdade que conhecemos o contexto da sua formação e da sua experiência política e daí poderemos inferir algumas regularidades do seu comportamento político. Mas isso não chega, até porque em políticas as curvas de aprendizagem pessoais não param de nos espantar.

A memória recente do seu futuro legado político será provavelmente marcada por uma dualidade de apreciação: por um lado, a sua tibieza em relação ao aprofundamento do edifício europeu é conhecida (há rumores de que Macron e a sua entourage se exasperam com a eterna indefinição e protelamento da resposta de Merkel às suas propostas); por outro lado, ninguém pode ignorar a sua coragem política interna na decisão de acolher um número tão significativo de refugiados, no contexto de uma sociedade que é cada vez mais securitária e revela sinais preocupantes de intolerância. Mais ainda, esses sinais têm penetrado a própria classe média alemã.

O que Merkel não poderá negar é a evidência cada vez mais segura de que a CDU está cada vez mais reativa ao aparecimento da extrema-direita no Parlamento alemão e nos Parlamentos de praticamente todos os Länder. E essa reatividade é no sentido camaleónico de adaptação ao que o eleitorado parece querer com a sua adesão a uma força política como a AfD (presentemente sob o fogo de acusações por ter recebido donativos nas últimas eleições de 2017 provenientes da Suiça). O que não anuncia boa coisa.

Se é verdade que o SPD não tem motivos para sorrir (o roto não tem condições de se rir do esfarrapado) pois tem experimentado uma muito séria erosão, a verdade é que a CDU de Merkel não tem sido pressionada apenas à direita. Os recentes ganhos eleitorais dos Verdes anunciam algum fervilhar de ideias e de projetos à esquerda.

É por isso que achei curioso um artigo de opinião publicado ontem no New York Times por Jagoda Marinic (link aqui) que considera que a divisão mais fraturante na Alemanha de hoje não é entre a esquerda e a direita, entre a moderação e o extremismo. O colunista chama a atenção para a fratura geracional que abala a sociedade alemã e para a onda de rotura que as gerações mais novas alimentam quanto ao pessimismo que domina entre as gerações mais velhas. Segundo estas gerações, a política alemã representa pessimamente o clima de diversidade já instalado na sociedade alemão e que parece de todo irreversível.

Não demos conta cá pelo reino mas uma grande manifestação de cerca de 250.000 jovens, organizada sob o tema “#unteilbar” (inseparáveis), aconteceu em Berlim a favor de uma sociedade mais aberta e mais diversa. Vale o que vale mas o êxito eleitoral dos Verdes na Baviera aconteceu com lideranças de 33 e 40 anos.

Ora aqui está um fenómeno a que Habermas dedicará seguramente toda a sua atenção.

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