(A Pluma Caprichosa é uma primeira página /editorial de
revista que tem, regra geral, muita força e que marca a nossa impressão neste
caso da E Revista do Expresso. O texto de hoje é particularmente contundente acerca do atavismo português,
tanto mais visível e penoso quanto mais o mundo muda à nossa volta.)
Não se fica indiferente à prosa de Clara Ferreira Alves (CFA). E se alguém
padecer dessa indiferença que se trate pois a dita prosa é suficientemente
estimulante, direta, incisiva.
O texto de hoje tem uma particular contundência para com o nosso estatismo,
não porque há muita gente a capturar as benesses do Estado, mas antes porque revelamos
uma total incapacidade de compreender as mudanças que nos rodeiam lá fora e por
isso anteciparmos a resposta ao futuro.
Esta incapacidade de compreender o futuro, antecipar-lhe as manhas e
encruzilhadas, prepararmos em conformidade as opções que melhor responderiam a
esse futuro desafiante, é frequentemente diagnosticada por quem pensa o país. Ainda
este último fim-de-semana, na minha intervenção na Conferência do Rotary Clube do
Porto na Casa da Música, lembrei palavras que já ouvi ao Manuel Sobrinho Simões,
e que partilho amplamente, sobre a nossa intrigante capacidade para sermos
reativos nas piores circunstâncias possíveis e dar mostras simultaneamente de
grande incapacidade de planear prospectivamente o futuro, compreendo o que muda
à nossa volta. Essa remissão para as palavras de Sobrinho Simões foi entre
tantas outras mensagens que destilei para quele auditório uma das poucas que mereceu
a bondade do jornalista que cobriu o acontecimento e que organizou um destacável
do Jornal de Notícias na semana passada. Quero crer que foi a referência a
Sobrinho Simões que condicionou a atenção do jornalista e não propriamente o
tema.
Esta dualidade entre reatividade criativa e total incapacidade de construir
futuro é sobretudo paradoxal num tempo em que na sociedade portuguesa se
multiplicam referenciais de planeamento, não direi como cogumelos em solos férteis
para o seu florescimento, mas em quantidade e diversidade suficiente para abandonar
a tentação de fazer valer esse dom da reatividade. Mas como homem do planeamento
que ainda sou, embora cada vez mais consciente das limitações das políticas públicas
e de muito do “wishful thinking” que circula
por aí aos mais variados níveis, tenho de concluir que a multiplicidade desses
referenciais obedece a formalismos impostos mas não desejados pela nossa
burocracia administrativa com a bênção política. Aliás, a diversidade desses
referenciais constitui uma forma travestida das incoerências do planeamento
português, no qual ninguém presta contas em termos de articulação, complementaridades
e avaliação de resultados.
Ainda há dias, numa reunião de trabalho no âmbito da preparação de processos
de programação 2021-2027 a nível sub-regional, neste caso para o nível de
intervenção das comunidades intermunicipais (CIM), me apercebi do “non sense”
que a programação dos Fundos Estruturais representa. Vale a pena contar.,
Na antecâmara do PT2030, francamente mal preparado pela governação de Passos
Coelho e neste caso específico de Poiares Maduro (Ministro) e Castro Almeida
(secretário de Estado), os territórios NUTS III com CIM reconhecidas e em
atividade foram convidados a desenhar estratégias para o período de programação.
Essas EIDT – Estratégias Integradas de Desenvolvimento Territorial pretendiam
dar resposta a instrumentos de integração territorial de projetos que as autoridades
comunitárias queriam disseminar e destinavam-se a servir de base e fundamento a
processos de contratualização que as CIM assinariam com os programas operacionais
regionais e algumas políticas públicas. Pois os planos contratualizados, para além
de, sob a estúpida mania portuguesa de tudo homogeneizar, terem assumido dimensões
e variantes que nada se pareciam com as opções estratégicas assumidas e
concertadas pelos municípios no âmbito das CIM, deram origem ainda a outras
perversidades. Uma das mais flagrantes perversidades, só possível num país de “Paradinhos”
da CFA ou de invertebrados como dizia em termos provocadores Unamuno, consistiu em vários
ministérios setoriais (tipo Trabalho e Solidariedade Social) terem acesso aos
pactos contratualizados apenas pelo simples facto de o POR era a única gaveta
capaz de proporcionar o graveto necessário à política pública em causa. Vejam a
falta de decoro institucional. Assinas um Pacto que, para além de não refletir
as opções para que trabalhaste, contém medidas que ministérios setoriais executarão
com o graveto dos programas operacionais regionais. Mas, além disso e elevando
a desfaçatez a um nível inimaginável essa participação de tais ministérios
faz-se sem qualquer reporte às CIM que deveriam gerir o referido Pacto que
assinaram e contratualizaram. Ou sejam, alguém decretou uma espécie de “direito
de pernada” dos tempos modernos, perante a passividade de Comissões de
Coordenação e Desenvolvimento Regional e CIM incrédulas.
Reativos como somos na perspetiva da adaptação rapidamente jogamos este
jogo das perversidades apenas por alguns cobres. Compreendo a contundência de
CFA mas se a destemida jornalista soubesse destes mundos de que ela está longe
e afastada estou em crer que seria mais contundente. A autora do Pluma
Caprichosa tem um tipo de irreverência que está nos antípodas das irreverências
tipo Bloco de Esquerda. Mas quando fila uma perversidade é implacável. Somos
bons na autocrítica, mas regra geral não tiramos daí consequências que se vejam
na ação.
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