(Não morro de amores pelo estilo da prosa por vezes
simplista de João Miguel Tavares. Mas entre a controvérsia das suas palavras no
10 de Junho (porquê o discurso de Cabo Verde foi menos discutido?) e o bolor
que tresanda da reatividade de algumas elites acomodadas e intocáveis não tenho
dúvidas de que prefiro a primeira. A sociedade portuguesa precisa de ser abanada. Afastar
para o canto aquilo que não nos agrada com o rótulo de populismo e não ir à
luta da discussão do seu conteúdo reforça paradoxalmente esse populismo.
Portugal é um país pequenino e as suas elites quando não dão o salto para o
mundo e nele se projetam são mesmo muito pequeninas. Com elas não vamos a lado
nenhum.)
Se o discurso de JMT de Portalegre foi controverso, o de Cabo Verde foi
corajoso. Ainda não compreendi porque só o primeiro despertou tanta
controvérsia e o segundo foi olimpicamente ignorado. Sugiro uma explicação. O
discurso de Portalegre tocou fundo porque JMT ousou pegar em questões
consideradas intocáveis porque já estão rotuladas de intocáveis. O discurso de
Cabo Verde assumiu causas que a esquerda costuma agarrar e o facto de ter sido
um tipo de direita assumida a pegar nelas incomodou mas impediu a sua crítica,
porque se fosse feita era contraditória.
Pelas reações havidas e sobretudo pelo seu teor não só JMT terá material
inesgotável para desenvolver a sua intervenção, como Marcelo estará a rir-se de
gozo com o impacto da sua escolha para o 10 de Junho.
Só retomo este assunto porque entendo que as reações mais ou menos
elitistas ao discurso de Portalegre ilustram de modo perfeito as razões do
avanço do populismo em Portugal e noutras paragens. Rotular sem discutir não
trava o que estamos a rotular. Será populismo focar a crise de confiança nas
instituições democráticas, na classe política e nas elites que grassa na
sociedade portuguesa? Rotular essas abordagens como populistas contribuirá para
conter o fenómeno?
A questão preocupa-me apenas pelo facto de achar que a esquerda em Portugal
tem mostrado uma particular inabilidade para lidar com argumentos do tipo dos
que JMT acenou no discurso de Portalegre. A reação pavloviana de reagir
catalogando à partida os promotores de tais argumentos (populistas,
saudosistas, até fascistas) e com isso pretender esgotar e suster toda a
discussão é tonta e até pode ser considerada como arrogante e pretensamente
defensora da ideia de que só a esquerda tem moral para discutir algumas matérias.
A cada catalogação precipitada, e aqui haverá que discutir entre a inequívoca
gradação de qualidade que existe entre alguns desses argumentos, é mais um tiro
no pé. O discurso de Portalegre de JMT não pode ser equiparado a um dislate que
se coloca no Facebook ou no Twitter e que se esgota por aí. O discurso toca em
questões como o do elevador social a partir de regiões em declínio como o Alto
Alentejo e Portalegre que têm de ser analisadas em profundidade. Pode também discutir-se
se em democracia a questão dos desígnios nacionais tem de ser melhor discutida,
sobretudo não depreciando a ideia de desígnio pela sua multiplicação. E a questão
do “nós” (os cidadãos) e “eles” (os políticos e a classe política em geral) não
pode ser arrumada para o canto da simplificação.
Nestas coisas da dialética, o facto de estarmos a viver em Portugal um período
de forte desqualificação da direita, que se tem atropelado a si própria, sem
rumo e sem clarificação do modelo de liderança, é péssimo para o sistema democrático,
é-o também para a esquerda em geral que não tem sentido grande pressão para se
reinventar pela debilidade da oposições.
Cá por mim, embora, repito, não morra de amores pelo estilo da personagem,
a multiplicação de JMT seria benéfica, tanto mais elaborados quanto possível,
pois desse modo a catalogação preguiçosa teria os seus dias contados.
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