(A notícia da morte de Agustina apanhou-me em Lisboa,
entre reuniões daquele tipo que se poderiam concretizar perfeitamente por skype
ou vídeo-conferência, mas que continuamos a suportar pagando o tributo do
centralismo que se reproduz tanto melhor quanto mais visitas tiver. Em meu desfavor, há ainda o facto de grande parte
da minha generosa biblioteca com obras da autora estar em Seixas o que
inviabiliza a possibilidade de rever passagens, anotações, espantos, rendição.)
Agustina Bessa -Luís já nos tinha deixado há
muito tempo, como se pretendesse que fossemos cortando os laços com a sua prosa
e com o seu pensamento irredutivelmente crítico e a sua morte tivesse menos
impacto por isso. Da literatura que domina parte dessa estante inserida na
parede branca de Seixas brota um espírito prodigioso, uma forma incomparável de
recriação dos ambientes de um Norte que se vai esfumando no tempo que
transforma a Região. Parte desses ambientes serviu para um diálogo estranho
entre a sua prosa e o cinema de Manuel de Oliveira. Mas para além do cinema de
Oliveira, nas obras de Agustina passeiam-se rostos e personalidades femininas que
são verdadeiros tratados psicológicos, não precisando para isso do catálogo
feminista antes do tempo.
Creio que pela observação atenta de alguns ambientes com os quais manteve
forte proximidade, Agustina é uma analista imparável do mundo dos negócios que
já não se fazem assim. Li uma vez algures no tempo uma passagem de uma das suas
obras, primeiro pensei que fosse a sua notável biografia do Marquês de Pombal,
mas não a consegui encontrar, que concebia uma diferença espantosa de
significado entre os economistas e os financeiros, ou homens da finança como
lhe queiram chamar. Naquela passagem havia mais conteúdo de perceção dos
fenómenos económicos e financeiros e dos seus protagonistas do que numa bateria
de manuais e de jornais e revistas especializadas.
A edição pela Fundação Calouste Gulbenkian das suas crónicas completas,
dispersas por longos anos de trabalho de publicação em diferentes jornais,
palestras ou outros escritos, demonstra-nos a sua ampla cultura e sabedoria do
mundo. E do ponto de vista das suas referências territoriais não conheço mais
ninguém capaz como Agustina de ler com o mesmo quadro interpretativo as
famílias do Minho e do Douro.
A esquerda em Portugal e as suas famílias culturais nunca tragaram a obra
de Agustina com o requinte e a sabedoria como a autora tomaria uma taça de
champagne na sua intimidade ou num sarau familiar ou com amigos próximos. Se
ser de esquerda implica essa renúncia que se dane a esquerda.
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