sexta-feira, 7 de junho de 2019

O JARDIM DO ALTO DE SANTO AMARO



(Em tempos que já foram, o blogue de José Pacheco Pereira mostrava regularmente uma fotografia do passar do tempo sobre o Jardim do Alto de Santo Amaro em Alcântara. Por razões familiares e pessoais, as minhas presenças regulares em Lisboa para entre outras coisas visitar filho, nora e os netos Francisco e Catarina, residentes na zona, cruzam-se regularmente com aquele jardim. Mas nunca tinha vivenciado um fim de tarde num puro ambiente residencial, de classe média alta, mas não gentrificado. Como diria o outro, só tenho um adjetivo “gostei”.)

Há sempre razões afetivas e vivenciais nas nossas escolhas sobre as Cidades. Lisboa não foge à regra. Os meus referenciais são de visitante acidental, acumularam-se ao longo de muitos anos, desde a viagem mais longínqua na minha memória em que o meu Pai me colocou no centro do relvado do velho Estádio da Luz, até às sucessivas viagens de trabalho nas quais não me dispenso nunca de exercitar o olhar de visitante acidental. A partir do momento em que uma parte da família se radicou em Lisboa, a dimensão afetiva foi reforçada. Alcântara passou a ser o novo referencial, o centro a partir do qual se equaciona a mobilidade na Cidade. E Alcântara é uma freguesia em que gostaria de viver. Há sinais efetivos de gentrificação (um Bentley lindíssimo pairava imponente numa das esquinas), o preço médio da habitação começa a afastar tipologias de famílias e casais jovens de recursos mais contidos, mas não sei por que razão a freguesia continua a manter um nível aceitável de interclassismo, como aliás é fácil reconhecer nas escolas públicas em que o Francisco e a Catarina preparam o seu futuro.

Desde os tempos em que o hoje desativado blogue Abrupto de Pacheco Pereira inscrevia as imagens da passagem do tempo utilizando o Jardim do Alto de Santo Amaro, aquele jardim sempre exerceu uma influência sobre as minhas imagens da Cidade. Para além disso, tornou-se passagem obrigatória para as pequenas viagens ao encontro dos netos, mas nunca tinha tido a oportunidade de permanecer algum tempo distendido de fim-de-tarde, vivenciando o espaço através da interação entre as pessoas que lhe dão vida.

Pois hoje houve tempo para isso, para um copo de cerveja e os inevitáveis caracóis (com iniciação aos mesmos do Francisco e da Catarina) e sobretudo para perceber a dinâmica humana daquele fim-de-tarde. Vieram-me à memória algumas praças das cidades espanholas quando as mães e pais trocam dedos de conversa depois de irem buscar os filhos aos colégios e escolas. O espaço público do jardim está bem cuidado mas sem luxos e grandes sofisticações. O bar concessionado proporciona algum acolhimento, mas pela vivacidade do relacionamento de jardim dos meus netos compreendi que há ali uma prática de presença e animação do jardim, no espaço que medeia entre o fim das atividades escolares e o regresso a casa.

É tão simples fazer Cidade. Com pessoas e um mínimo de infraestruturas.

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