(O álbum de produção própria de Isabel Rato que acaba de
ser publicado e em torno do qual a pianista tem já realizados e programados
concertos por todo o país é uma lufada de ar fresco na música popular
portuguesa. Considero-o um bom exemplo das
novas tendências que do jazz à música popular portuguesa novos nomes e personagens
nos têm trazido. Mas é também o resultado das externalidades positivas que as melhores
condições de formação musical geradas nas duas últimas décadas estão a produzir.
O “Para Além da Curva da Estrada” tinha-me
escapado e foi a Antena 2, bem cedo, que me anunciou o “Histórias do Céu e da
Terra”, o segundo disco de Isabel Rato. E o resultado é bem agradável. A busca
de uma sonoridade que combina o mundo das improvisações jazzísticas com origens
e fontes da música popular portuguesa abre um campo novo de experimentação, até
agora pouco explorado. E o que é bem mais importante é que por detrás de um
disco desta natureza se percebe um mundo novo de conhecimento e formação. Já não
é apenas o autodidatismo que explica o que se vai passando. Há ali conhecimento
e competências e o que estamos a assistir são o resultado das externalidades geradas
por esse esforço público e das famílias.
Pode questionar-se se Portugal tem mercado musical suficiente para acolher
o produto de tantas Escolas Superiores de Música. Muita gente irá experimentar
outros voos para paragens mais distantes, completar formação e certamente
alguns ficarão por lá. Mas há que reconhecer que a formação e a cultura musical
deram uma grande volta no país, esperando que essa dinâmica esteja muito para
além das orquestras e outros grupos que estão localizados nas duas áreas metropolitanas
de Lisboa e do Porto. Todos esperamos que os poderes públicos compreendam a
importância de disseminar esta onda por várias sedes de concelho ao longo país,
promovendo a cooperação de recursos e não a sua atomização.
Relativamente à minha geração a diferença é abissal. Costumo recordar que a
imagem que me ficou da minha parca formação musical no liceu público, hoje denominado
de Rodrigues de Freitas no Porto, é tudo menos musical. Só mais tarde vim a
perceber que tive como professor de canto coral um dos musicólogos mais
relevantes do país, o Professor Armando Leça. Ora a imagem mais forte que me ficou
dessas aulas foi a de um de quadro de lousa quebrado por um golpe de cana “pedagógica”.
O meu colega Acrísio, hoje já desaparecido, fazia a vida negra ao pobre do
Professor e, um dia, este perdeu a paciência e brandiu a cana para castigar o
prevaricador. O Acrísio de pequena estatura tinha uma flexibilidade enorme, esgueirou-se,
evitou a pancada e a cana acabou apontada ao quadro negro em que se escreviam
as claves de sol, nele aparecendo uma racha profunda.
É esta a imagem que tenho da minha parca formação musical. Algo que apontaria
mais para o sulco de uma nota mais profunda de Stockhausen do que para uma melodia.
O disco de Isabel Rato é uma grande revelação. Envolve-nos profundamente.
Uma boa companhia para um fim de dia.
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