segunda-feira, 10 de junho de 2019

HISTÓRIAS DO CÉU E DA TERRA



(O álbum de produção própria de Isabel Rato que acaba de ser publicado e em torno do qual a pianista tem já realizados e programados concertos por todo o país é uma lufada de ar fresco na música popular portuguesa. Considero-o um bom exemplo das novas tendências que do jazz à música popular portuguesa novos nomes e personagens nos têm trazido. Mas é também o resultado das externalidades positivas que as melhores condições de formação musical geradas nas duas últimas décadas estão a produzir.

O “Para Além da Curva da Estrada” tinha-me escapado e foi a Antena 2, bem cedo, que me anunciou o “Histórias do Céu e da Terra”, o segundo disco de Isabel Rato. E o resultado é bem agradável. A busca de uma sonoridade que combina o mundo das improvisações jazzísticas com origens e fontes da música popular portuguesa abre um campo novo de experimentação, até agora pouco explorado. E o que é bem mais importante é que por detrás de um disco desta natureza se percebe um mundo novo de conhecimento e formação. Já não é apenas o autodidatismo que explica o que se vai passando. Há ali conhecimento e competências e o que estamos a assistir são o resultado das externalidades geradas por esse esforço público e das famílias.


Pode questionar-se se Portugal tem mercado musical suficiente para acolher o produto de tantas Escolas Superiores de Música. Muita gente irá experimentar outros voos para paragens mais distantes, completar formação e certamente alguns ficarão por lá. Mas há que reconhecer que a formação e a cultura musical deram uma grande volta no país, esperando que essa dinâmica esteja muito para além das orquestras e outros grupos que estão localizados nas duas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Todos esperamos que os poderes públicos compreendam a importância de disseminar esta onda por várias sedes de concelho ao longo país, promovendo a cooperação de recursos e não a sua atomização.

Relativamente à minha geração a diferença é abissal. Costumo recordar que a imagem que me ficou da minha parca formação musical no liceu público, hoje denominado de Rodrigues de Freitas no Porto, é tudo menos musical. Só mais tarde vim a perceber que tive como professor de canto coral um dos musicólogos mais relevantes do país, o Professor Armando Leça. Ora a imagem mais forte que me ficou dessas aulas foi a de um de quadro de lousa quebrado por um golpe de cana “pedagógica”. O meu colega Acrísio, hoje já desaparecido, fazia a vida negra ao pobre do Professor e, um dia, este perdeu a paciência e brandiu a cana para castigar o prevaricador. O Acrísio de pequena estatura tinha uma flexibilidade enorme, esgueirou-se, evitou a pancada e a cana acabou apontada ao quadro negro em que se escreviam as claves de sol, nele aparecendo uma racha profunda.

É esta a imagem que tenho da minha parca formação musical. Algo que apontaria mais para o sulco de uma nota mais profunda de Stockhausen do que para uma melodia.

O disco de Isabel Rato é uma grande revelação. Envolve-nos profundamente. Uma boa companhia para um fim de dia.

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