domingo, 2 de junho de 2019

EVOLUTION OR REVOLUTION?

(MIT Press, 2019)

(Olivier Blanchard e Lawrence Summers assinam o livro que se esperava. Convocam o pensamento de vários economistas, incluindo o deles próprios, para nos dar se a Grande Recessão de 2007-2008 deixará frutos em termos dos rumos da macroeconomia. Sei que outros economistas exigirão uma perspetiva mais radical, mas realisticamente contentar-me-ia com a conclusão de que, incorporados todos s ensinamentos da abordagem à Grande Recessão, a macroeconomia será ensinada e praticada de maneira diferente.


A história económica e da evolução das ideias que lhe anda associada já nos permitiu identificar no passado duas importantes revoluções, antagónicas e figadalmente opostas.

Na Grande Depressão de 1930, produziu-se o contexto histórico apropriado para que a revolução keynesiana emergisse e mudasse completamente o modo de ler, praticar e gerir a macroeconomia. O keynesianismo na sua origem cristalina, toda a fonte é mais cristalina do que as suas cópias, e não o neokeynesianismo que se tem passeado por aí, é ainda hoje fruto de novas interpretações, como eu espero que aconteça proximamente com os escritos do meu Amigo José Cerqueira, economista angolano, licenciado pela FEP e doutorado em Dijon com o Professor Bernard Schmidt. A finura e a elevação do pensamento de John Maynard Keynes tornam difícil apagá-lo da memória e das referências dos macroeconomistas. Keynes é um daqueles ombros gigantes em que nos podemos apoiar para pensar o futuro, mas a sua dimensão não é fácil ser superada.

Entretanto, nos anos 70, com um contexto macroeconómico incomparavelmente menos pesado, caracterizado pela coexistência até aí estranha de inflação elevada e desemprego, assistiu-se ao que cada vez mais considero ser um apagamento precoce da revolução keynesiana. Os economistas pensaram ter domesticado o ciclo económico ao mesmo tempo que demoliram as bases da política económica keynesiana. O “trade-off” entre mais ou menos desemprego e menos ou mais inflação, respetivamente, foi rompido, tendo a maior parte dos protagonistas deste revisionismo feito o funeral à chamada curva de Philips que representava o referido trade-off. A partir daqui vai ser o tempo da política monetária e da chamada regra de Taylor para conduzir a política monetária em torno de um objeto de inflação estável em torno dos 2%. A política fiscal quase que foi considerada pecaminosa e condenada ao fogo pela inquisição dos equilíbrios naturais e dos estabilizadores automáticos. Essa ortodoxia monetária galgou mundo e entrincheirou-se na formação do Banco Central Europeu, com plena permissão e anuência dos socialistas e sociais-democratas europeus (não lhes perdoemos porque sabiam o que faziam!).

Em 2007-2008, tal como zombies, Mortos-Vivos à Guerra dos Tronos, o ciclo económico regressou com toda a força e arrasou a vida de uma percentagem enorme de indivíduos e famílias, nos Estados Unidos da América e na Europa. Mesmo que doze anos depois os economistas ainda não se tenham inclinado para uma causa determinante, com a controvérsia ainda a existir, a ideia de que o ciclo económico estava domesticado custou a vida aos seus domadores. E, pior do que isso a forma como as sequelas da Grande Recessão foram geridas, com particular incidência na subsequente crise das dívidas soberanas, foi possível concluir que não era afinal possível ignorar acintosamente os fundamentos keynesianos. Apesar do relativo êxito com que a duração do impacto da Grande Recessão foi encurtada, doze anos depois as condições de equilíbrio estrutural das economias avançadas alteraram-se radicalmente, designadamente com duas evidências principais: (i) o quase pleno emprego da economia americana não precipitou as temidas pressões inflacionárias; (ii) a taxa de juro real de equilíbrio a longo prazo continua baixa e com perspetivas de aí permanecer durante longo tempo.

A tentação de reconhecer que uma terceira revolução macroeconómica poderá surgir para acolher e interpretar estes novos factos estilizados é irrecusável. Pelo menos, há duas ideias que estão adquiridas e essas são fortemente revolucionárias: (i) as grandes recessões têm fortes efeitos a longo prazo pois tendem a debilitar o produto potencial das economias; (ii) a política fiscal regressou em toda a linha, pois a política monetária pode fazer todas as acrobacias flexíveis e criativas que entender mas não consegue apagar a necessidade da política fiscal. E assim se percebe hoje melhor o pecado da ortodoxia dos princípios que conduziram à criação do BCE.

A obra de Blanchard e Summers vai ter de ser lida pelos que ensinam macroeconomia básica e não poderá deixar de ser uma leitura obrigatória para a formação pós graduada e avançada em macroeconomia. Há obras assim na história da economia. Obras que não são elas próprias revolucionárias como a Teoria Geral de Keynes. Mas obras que situam e organizam a controvérsia do pensamento e que darão origem aos avanços mais consolidados de pensamento. Estou em crer que assistiremos a essa transformação.

Sem comentários:

Enviar um comentário