(MIT Press, 2019)
(Olivier Blanchard e Lawrence Summers assinam o livro que
se esperava. Convocam o pensamento de vários economistas, incluindo o deles próprios,
para nos dar se a Grande Recessão de 2007-2008 deixará frutos em termos dos rumos
da macroeconomia. Sei
que outros economistas exigirão uma perspetiva mais radical, mas
realisticamente contentar-me-ia com a conclusão de que, incorporados todos s
ensinamentos da abordagem à Grande Recessão, a macroeconomia será ensinada e praticada
de maneira diferente.
A história económica e da evolução das ideias
que lhe anda associada já nos permitiu identificar no passado duas importantes
revoluções, antagónicas e figadalmente opostas.
Na Grande Depressão de 1930, produziu-se o
contexto histórico apropriado para que a revolução keynesiana emergisse e mudasse
completamente o modo de ler, praticar e gerir a macroeconomia. O keynesianismo na
sua origem cristalina, toda a fonte é mais cristalina do que as suas cópias, e
não o neokeynesianismo que se tem passeado por aí, é ainda hoje fruto de novas
interpretações, como eu espero que aconteça proximamente com os escritos do meu
Amigo José Cerqueira, economista angolano, licenciado pela FEP e doutorado em
Dijon com o Professor Bernard Schmidt. A finura e a elevação do pensamento de
John Maynard Keynes tornam difícil apagá-lo da memória e das referências dos
macroeconomistas. Keynes é um daqueles ombros gigantes em que nos podemos
apoiar para pensar o futuro, mas a sua dimensão não é fácil ser superada.
Entretanto, nos anos 70, com um contexto
macroeconómico incomparavelmente menos pesado, caracterizado pela coexistência
até aí estranha de inflação elevada e desemprego, assistiu-se ao que cada vez
mais considero ser um apagamento precoce da revolução keynesiana. Os economistas
pensaram ter domesticado o ciclo económico ao mesmo tempo que demoliram as
bases da política económica keynesiana. O “trade-off”
entre mais ou menos desemprego e menos ou mais inflação, respetivamente, foi
rompido, tendo a maior parte dos protagonistas deste revisionismo feito o
funeral à chamada curva de Philips que representava o referido trade-off. A partir daqui vai ser o
tempo da política monetária e da chamada regra de Taylor para conduzir a política
monetária em torno de um objeto de inflação estável em torno dos 2%. A política
fiscal quase que foi considerada pecaminosa e condenada ao fogo pela inquisição
dos equilíbrios naturais e dos estabilizadores automáticos. Essa ortodoxia monetária
galgou mundo e entrincheirou-se na formação do Banco Central Europeu, com plena
permissão e anuência dos socialistas e sociais-democratas europeus (não lhes
perdoemos porque sabiam o que faziam!).
Em 2007-2008, tal como zombies, Mortos-Vivos à
Guerra dos Tronos, o ciclo económico regressou com toda a força e arrasou a vida
de uma percentagem enorme de indivíduos e famílias, nos Estados Unidos da América
e na Europa. Mesmo que doze anos depois os economistas ainda não se tenham
inclinado para uma causa determinante, com a controvérsia ainda a existir, a
ideia de que o ciclo económico estava domesticado custou a vida aos seus
domadores. E, pior do que isso a forma como as sequelas da Grande Recessão
foram geridas, com particular incidência na subsequente crise das dívidas
soberanas, foi possível concluir que não era afinal possível ignorar acintosamente
os fundamentos keynesianos. Apesar do relativo êxito com que a duração do
impacto da Grande Recessão foi encurtada, doze anos depois as condições de
equilíbrio estrutural das economias avançadas alteraram-se radicalmente,
designadamente com duas evidências principais: (i) o quase pleno emprego da
economia americana não precipitou as temidas pressões inflacionárias; (ii) a taxa
de juro real de equilíbrio a longo prazo continua baixa e com perspetivas de aí
permanecer durante longo tempo.
A tentação de reconhecer que uma terceira
revolução macroeconómica poderá surgir para acolher e interpretar estes novos
factos estilizados é irrecusável. Pelo menos, há duas ideias que estão adquiridas
e essas são fortemente revolucionárias: (i) as grandes recessões têm fortes
efeitos a longo prazo pois tendem a debilitar o produto potencial das
economias; (ii) a política fiscal regressou em toda a linha, pois a política monetária
pode fazer todas as acrobacias flexíveis e criativas que entender mas não
consegue apagar a necessidade da política fiscal. E assim se percebe hoje
melhor o pecado da ortodoxia dos princípios que conduziram à criação do BCE.
A obra de Blanchard e Summers vai ter de ser
lida pelos que ensinam macroeconomia básica e não poderá deixar de ser uma
leitura obrigatória para a formação pós graduada e avançada em macroeconomia. Há
obras assim na história da economia. Obras que não são elas próprias revolucionárias
como a Teoria Geral de Keynes. Mas obras que situam e organizam a controvérsia
do pensamento e que darão origem aos avanços mais consolidados de pensamento. Estou
em crer que assistiremos a essa transformação.
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