São tempos a muitos níveis estranhos aqueles que atualmente vivemos. Também em termos macroeconómicos e, em concreto, no tocante ao financiamento das famílias, das empresas e dos Estados. A política de taxas de juro negativas é apenas uma perturbante manifestação disso mesmo, traduzindo-se no facto de os investidores serem obrigados a aceitar (por escassez de alternativas para alocação da liquidez) rendimentos negativos para as suas aplicações em títulos de dívida. Se nos focarmos na Zona Euro, merece evidência o facto de mais de metade da dívida pública (4,3 mil milhões de euros) negociar abaixo de 0%, percentagem que atinge os 90% no caso da Alemanha – de notar ainda que, há cerca de duas semanas, a Alemanha leiloou obrigações de médio prazo (10 anos) com o rendimento mais baixo de sempre (-0,24%). Sendo que Mario Draghi e o BCE já vieram corrigir a sua orientação do final de 2019 e prometer uma política de proteção da economia europeia contra a incerteza global, designadamente a criada pela guerra comercial entre EUA e China, através de cortes adicionais nas taxas de juros ou de uma intensificação das compras de ativos até, pelo menos, meados de 2020.
E em Portugal? Por cá, a proporção da dívida pública que é negociada abaixo de 0% está no valor mais alto de sempre, já superando os 40%. Com efeito, e até ao prazo de cinco anos, os títulos de dívida portuguesa negoceiam, em mercado secundário, com juros negativos (gráfico abaixo) – ou seja, o Tesouro retira um benefício (decorrente de os investidores aceitarem perder valor para poderem aplicar liquidez em dívida nacional) ao financiar-se nesses prazos. No entanto, Portugal ainda se encontra algo afastado dos juros negativos na taxa a dez anos – os investidores ainda exigem 0,484% para comprar obrigações nacionais a 10 anos, embora tal valor não tenha qualquer paralelo em relação aos que se observaram durante a crise (atingiram-se, então, máximos acima dos 15%).
A minha moral para esta história vai no sentido de uma interrogação muito forte quanto à sabedoria com que as autoridades nacionais europeias estão em condições de utilizar a margem de manobra que lhes vai sendo oferecida por este necessariamente temporário período de acalmia dos mercados.
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