(Fim de tarde em Serralves para assistir à conferência de
comemoração dos 50 anos de publicação do Decreto-Lei de 1969 que criou as Comissões
Consultivas Regionais que viriam ao longo do tempo a transformar-se nas atuais
CCDR. Oportunidade para dar os
parabéns ao seu Presidente, meu colega de blogue, e a muita gente que passou
pelas sucessivas Presidências e também à que tecnicamente tem alicerçado a “casa” num legado incontornável.)
Tenho uma dívida à CCDRN pelo tempo de trabalho que lá desenvolvi enquanto
consultor das Presidências de Valente de Oliveira e de Luís Braga da Cruz e
pelo tipo de experiência e de contacto com os meandros insondáveis do
planeamento nacional.
Uma conferência sob o lema “Descentralizar o Estado – Reforçar as Regiões”
no contexto atual teria de fazer pairar sob a sessão em Serralves o fantasma da
regionalização e as esperanças e expectativas goradas que se foram alimentando à
medida que se fortalecia na casa o pensamento estruturado sobre a Região e sobre
os seus sucessivos futuros (em função do momento em que ele foi perspetivado). Mais
se adensaram as minhas elaborações quando estando anunciadas as presenças do 1º
Ministro e de João Cravinho na sua qualidade de responsável pela Comissão
Independente para a Descentralização não se confirmaram as respetivas
presenças.
Foi talvez uma sessão demasiado longa, atravessada por um forte cunho
afetivo que se sentiu em muitas das intervenções, talvez mais profunda pela voz
da Elisa Ferreira. Mas o espírito da regionalização adormecida estava lá,
sobretudo quando o auditório brindou o Professor Luís Valente de Oliveira com
uma prolongada salva de palmas pela sua intervenção, firme no rigor histórico e
também nas mensagens para uma possível reedição do processo. Onde ficamos a
saber que, no entender do palestrante, foi a ala conservadora do PSD que ditou no
governo de 1994 a vitória dos receios contra a inovação e que sempre houve,
pela positiva (o modo canhestro como foi lançado o referendo) e pela negativa
(adiando a mudança) bloqueios de natureza político-partidária ao avanço do
processo. Ainda me recordo como se fosse hoje da vinda de Cavaco ao auditório
da CCDRN destruir todas as esperanças da época, perante um amargurado e
desiludido Valente de Oliveira. Ao pé dessa sessão, a curiosa história de protocolo
incompetente que o Professor contou numa visita de Eanes a Chaves, em que foi
colocado no fim da hierarquia atrás dos Presidentes de Junta é uma ofensa irrelevante
de meninos.
O anfitrião Presidente Freire de Sousa geriu com o equilíbrio possível uma
sessão desta natureza com o contexto atrás referido e as duas citações de poemas
de Sofia levar-nos-iam muito longe.
Menos positivas foram as partes da sessão dedicadas aos painéis de intervenientes.
O painel com José António Barros, Luís Braga da Cruz, Miguel Cadilhe, Elisa
Ferreira e Manuel Sobrinho Simões, riquíssimo de conteúdo e de diversidade de
pontos de vista, foi penalizado pela encenação criada pela comunicadora de ocasião
responsável pela condução da sessão. Em vez de optar por sentar os cinco autores
do testemunho nas poltronas presentes e proporcionar, assim, um tom mais coloquial,
a sessão foi organizada com vindas separadas ao palco, em pé, para responder à
entrevista-testemunho conduzida pela apresentadora. Que me desculpem os amigos da
CCDRN, mas pode ser muito moderno mas não funciona. Jose António Barros explorou a experiência da renovação do Coliseu após o incêndio numa ótica de junção de forças a nível regional. Luís Braga da Cruz manteve-se no seu registo conhecido das implicações da adesão de Portugal e Espanha em 1986 às Comunidades Europeias para o relacionamento Galiza-Norte de Portugal. Miguel Cadilhe foi talvez o mais regionalista invocando a necessidade de um nível político semelhante ao da Galiza, pena foi que não tivesse desenvolvido a ideia que me é cara de que o esgotamento do modelo de afetação de recursos da economia portuguesa em 2011 é também a consequência e esgotamento do centralismo. Elisa Ferreira analisou emotivamente a sua experiência de trabalho na CCDR-N. Manuel Sobrinho Simões centrou-se na viragem da ciência a norte e no país e lamentou que essa viragem ainda não tivesse chegado aos hospitais públicos e ao SNS em geral.
Já o segundo painel, que adotou a intervenção a partir das poltronas em
palco, teve sobretudo uma excelente intervenção de Alberto Núñez Feijoo, presidente
da Xunta de Galicia, que continuo a não entender porque recusou a candidatura à
presidência do PP. O modelo de governação regional foi defendido e valorizado,
agora com a referência óbvia à necessidade de manter a lealdade ao estado e à
constituição espanhola, numa explícita referência ao desmando catalão, que é
provavelmente a única matéria em que tenho alguma convergência de perspetivas
com alguém como Feijoo que, a meu ver, se identifica com os lados da Opus Dei
espanhola. Para além disso, não estava muito interessado em saber o que Ferro
Rodrigues, em representação do Estado português, andava a fazer por Lisboa e
pelo mundo no ano de 1969, ano do Decreto-Lei que se comemorava. Pena que não
se tivesse concentrado na matéria da parte final da sua intervenção, a da relação
entre a regionalização, a crise da democracia na Europa e o advento do
populismo. Por aí sim, teria valido a pena. Quanto à nova Secretária de Estado do
Desenvolvimento Regional e da Coesão, Maria do Céu Albuquerque, que ainda há bem
pouco tempo encontrara numa sessão no Tramagal enquanto Presidente de Câmara,
está em aquecimento para a função. Não me lembraria vir a uma sessão destas
falar da incidência de FEEI e de apoios às empresas na Região, mas ninguém leva
a mal. Finalmente, a referência à intervenção do Presidente da Câmara Municipal
de Caminha e do Conselho da Região, Miguel Alves, toda ela voluntarismo e
energia para um futuro mais descentralizado, de que tipo? Regionalização? Legitimação
democrática e política às CCDR? Por que via esta última hipótese? Nada transpareceu,
o que nada me espantou pois ainda não consegui perceber o que pensa o PS desta matéria.
A tensão regionalista permaneceu no ar, mas é tempo de alguém honrar o testemunho
de Valente de Oliveira.
Entre os testemunhos laudatórios à CCDRN, o de Ana Pinho de Serralves, de José
António Barros em nome da experiência do Coliseu e até o de Sobrinho Simões, falou-se
muito de “carcanhol” comunitário e de dinheiro arranjado pela CCDRN para safar, pragmaticamente,
situações de sobrevivência. Pois é assim, não havia necessidade …
Com tamanha tensão na sala, acho que as belíssimas interpretações de Pedro Burmester, no princípio e no fim da sessão, não foram devidamente saboreadas.
(Complementos de texto em 12.03.2019)
Com tamanha tensão na sala, acho que as belíssimas interpretações de Pedro Burmester, no princípio e no fim da sessão, não foram devidamente saboreadas.
(Complementos de texto em 12.03.2019)
Sem comentários:
Enviar um comentário