(Parece o nome de um bistrot
de ambiente e comida agradáveis, como os há em França. Mas não é. É de novo a
evidência de que o Macron para dentro não é seguramente o Macron para fora. Algum deles não encaixa e assim sendo podemos
estar perante uma fraude global…)
Ontem, segunda-feira 4 de março de 2019, Macron publicou em várias línguas,
incluindo o português, um vigoroso apelo na antecâmara das eleições europeias, designado
de “Por um renascimento da Europa”(link aqui). É um texto curto, direto, envolvente, de
grande ambição, podendo nós questionar a sua exequibilidade de aplicação no contexto
político europeu. Mas, como já por repetidas vezes aqui o enunciei, olho para
todas as lideranças nacionais e europeias e não vejo ninguém com mais fulgor e
vontade europeísta de fazer as coisas avançarem do que o agora em profundas
dificuldades internas Presidente francês. Podem-me avançar com todas as dúvidas,
interrogações e até suspeições sobre a personagem. Podem até enveredar por acusações
de caráter e denunciar tiques de arrogância elitista do tipo Grande École e
para quem as razões do êxito de uns são automática e indevidamente entendidas
como as razões do não sucesso dos outros. Tudo isso posso compreender e até,
como veremos mais adiante, até posso partilhar algumas dessas dúvidas. Mas o
contrafactual é terrivelmente eficaz. Quem apresenta uma visão mais corajosa
para o tal renascimento da Europa. Não é seguramente ninguém que tenha brotado
da alternância entre PPE e Socialistas Europeus. Basta comparar a natureza
direta e clarividente com o discurso redondo e não me comprometas de uma Maria
João Rodrigues para compreender a diferença. Por isso, me recuso a descartar o
pensamento de Macron, como algo que merece ser entendido e discutido de outros pontos
de vista que não o do movimento do Presidente francês.
Mas seguramente que há um problema. O Macron para fora não encaixa com o
Macron para dentro, sobretudo a partir do momento em que foi obrigado a lidar
com um movimento tão difícil de entender como os “gilets jaunes”. A este propósito, li quase em simultâneo o texto
de Macron sobre o renascimento da Europa e um fabuloso artigo de James McAuley publicado
na edição de 21 de março de 2019 do New York Review of Books, já disponibilizado
na newsletter que a revista americana publica on line. O artigo chama-se Low
Visibility e é uma peça de grande envergadura, que identifica, para mim
pela primeira vez, os três militantes de cujas iniciativas reivindicativas terá
nascido o inorgânico movimento dos coletes amarelos. Para lá de situar algumas
raízes conceptuais e de análise na obra do geógrafo francês Christophe Guilluy (no âmbito da recensão crítica de uma edição em inglês) de livros como Fractures Françaises (de 2013)
e de La France Périphérique (de 2014), sobre a
destruição da tal França doce e profunda de que Charles Trenet falava em
algumas das suas canções, o artigo da NY Review of Books (link aqui) mostra exemplarmente como
a ideia central que une tão inorgânico protesto é o seu ódio visceral às elites
francesas e a tudo que o Paris intelectual representa. Se o amarelo dos coletes
pode ser visto como uma metáfora da reivindicação de ser visto num mundo perdido
e destruído e por isso politicamente invisível, já o ódio visceral às elites
encontra em Macron a sua principal razão de ser.
Mas, pode questionar-se, como é que se formou esse ódio visceral? O artigo
mostra com alguma minúcia como algumas tomadas de posição internas de Macron
revelaram uma grande incompreensão para com os que perderam o comboio do progresso
e da qualificação. McAuley cita uma metáfora de Macron usada na inauguração de uma
start up parisiense designada de
Station F, localizada num antigo depósito ferroviário do décimo terceiro
arrondissement de Paris. A metáfora é tenebrosa: “Uma
estação de caminho-de-ferro é um lugar em que se encontram os que estão a ter êxito
e os que não são nada.” Como é óbvio, apenas uma metáfora, por
mais tenebrosa que ela seja, não teria a capacidade de gerar por si só o tal ódio
visceral. O problema é que Macron assinou algumas medidas que revelaram uma nítida
redistribuição dos mais pobres (cortando-lhes direitos) para os mais ricos
(descendo impostos), o que encaixava com a representação dos grupos sociais
sobre Macron.
Como sabemos, os coletes amarelos não são os mais pobres e marginalizados
da sociedade francesa. Segundo McAuley, o espírito de Tocqueville está presente
e vivo quando se reconhece que a raiz do movimento está em mulheres e homens da
classe média, em movimento de elevador social para usar a expressão de Pacheco
Pereira, que viram de repente essa melhoria social esfumar-se.
E por aqui chegamos à tese dos dois Macrons. Um deles ou ambos poderão
estatelar-se. Mas o paradoxo trágico é o renascimento europeu poder depender de
uma dupla personalidade. Moral da história a pensar nas eleições europeias:
conviria começar a pensar em trabalhar as ideias de Macron num quadro de uma mais
genuína compreensão de que glorificar os que têm sucesso e destruir os que
perdem comboios, tornando-os invisíveis politicamente, não dá bom resultados
nem para dentro nem para fora.
Sem comentários:
Enviar um comentário