(El País)
(Já não dá para ignorar. O prolongamento do julgamento em Madrid dos políticos
catalães acusados de rebelião e outros crimes de incumprimento da Constituição
espanhola pela realização do referendo independentista do 1 de outubro de 2018
não pode ser dissociado da perigosa deriva política observada em Espanha. Continuo entretanto a pensar que apresentar o
julgamento, para muitos, político, dos responsáveis catalães como uma
manifestação dessa deriva em curso é ainda mais perigoso e não corresponde a
uma interpretação política correta do alcance do independentismo catalão.)
Nunca escondi neste blogue a minha convicção de que existe um grande
diferencial de confiança entre o justo alcance do catalanismo como movimento de
afirmação cultural e política, que pode até integrar uma dimensão
independentista possível, e o aventureirismo da esmagadora maioria dos
protagonistas atuais do independentismo catalão que forçou o referendo do 1 de
outubro e toda a série de ações de agit
pro que habilmente foram tecendo. Tenho para mim que essa deriva matou por
muitos anos a força transformadora do catalanismo. E não tenho qualquer dúvida que
essa deriva assenta num supremacismo de contornos bastante perigosos, que não
podia deixar de suscitar a reação da outra Espanha. Também acho que essa posição
não é maioritária na Catalunha, embora a gestão política de Rajoy tudo tenha
feito objetivamente para a tornar possível. Puigdemont é o rsoto mais visível
dessa deriva, mas nas franjas mais radicais do independentismo também se podem
identificar protagonistas dessa deriva aventureirista. E também, como o escrevi
com todas as letras, nessa reação da outra Espanha há que distinguir entre a
Espanha que se sentiu naturalmente insultada por esse supremacismo e a Espanha
dos velhos demónios do espanholismo fascista, saudoso de Franco e da Falange, centralista
até à medula, que se acomodara, à espera de melhores tempos, no PP de Rajoy. Por
isso, comungo com a posição de Pacheco Pereira de que podem vir de novo maus
ventos da Espanha vizinha, mas estou em absoluto e total desacordo com o branqueamento
do aventureirismo e das derivas independentistas.
Também o referi oportunamente que a decisão infeliz de Rajoy de
judicializar a prevaricação do 1 de outubro na sequência da aplicação do artigo
155º da Constituição Espanhola foi a cereja no bolo da vitimização que os
independentistas precisavam para a sua comunicação internacional de que a
Espanha tem presos políticos. Não tenho quaisquer complexos de esquerda nesta
matéria, nem qualquer reputação beliscável por essa posição. Os prevaricadores
e incumpridores de uma Constituição democrática como o é a espanhola,
internacionalmente reconhecida, não são, meus senhores, presos políticos com a
conotação que lhe queremos dar para a associar ao despertar dos demónios a que
me referi anteriormente.
A judicialização do processo que Rajoy imprimiu ao seu desenvolvimento tem
consequências imprevisíveis, até porque o independentismo catalão, tal como está
neste momento organizado em termos de pensamento e de esticar a corda, já
mostrou que utilizará a tal cereja da vitimização até às suas últimas consequências.
Prova-o o arrojo, que deixou Madrid estupefacta, da manifestação realizada em
plena capital, ocupando o símbolo do madridismo, tão em baixo pelo desempenho irreconhecível
do Real, em protesto veemente contra o julgamento.
No seio de todo este processo de ajustamento das relações das autonomias
regionais com um estado centralista que regionalizou a contragosto dos mais
ultras e largamente impulsionado pelos reformistas da Espanha das nações, há um
corpo catalão que suscitou particular atenção. Estamos a mencionar os Mossos d’Esquadra,
a força policial autonómica da Catalunha. Já se tinha percebido que ainda antes
do referendo que conduziu á aplicação do 155º, sobretudo quando as Ramblas
foram palco de um ignóbil ataque terrorista, e em algumas escaramuças à medida
que o choque frontal entre Madrid e a Generalitat se tornou mais forte, a ação
dos Mossos d’Esquadra cruzou-se em conflito com a ação da polícia nacional. No
eclodir do próprio referendo foi visível a inação daquele corpo policial,
embora em algumas situações fosse compreensível a sua preocupação de não acirrar
ânimos. Mas quando os Comités Revolucionários do independentismo catalão mais
radical começaram a fazer sentir a sua intervenção mais violenta, aliás
objetivamente consentida pela Generalitat de Torra, começou-se a perceber melhor
a situação insustentável em que o independentismo estava a colocar a polícia
autonómica.
Por isso, era com alguma expectativa que se aguardava o testemunho do Major
Trapero, que comandava aquele corpo policial no 1 de Outubro. Ao longo do seu
interrogatório, Trapero referiu que, uns dias antes do referendo e perante as
perspetivas da sua consumação, tinha os Mossos d’Esquadra preparados para executar
uma ordem que tivesse a sua origem no Tribunal de Justiça Superior da Catalunha.
Questionado acerca de que ordem se trataria, Trapero referiu que seria a prisão
de Puigdemont e dos restantes conselheiros. Esperaram essa ordem mas a mesma não
veio.
Creio que estas declarações de Trapero ficarão para os anais da compreensão
da crise espanhola induzida pelo problema catalão como um dos mais significativos
testemunhos que passaram pelo julgamento de Madrid. Coloco este testemunho ao
lado, em termos de importância, do testemunho do líder basco que veio referir a
sua incompreensão pelo facto de Puigdemont ter recusado em cima da linha o seu
acordo a uma via negocial que tinha coordenado.
O filme segue dentro de momentos, mas com uma significativa mudança na audiência.
A direita espanhola ultra do VOX afia as garras, o PP está cagadinho de medo e
cheio de amores por imitar e não perder espaço e o CIUDADANOS, aparentemente tão
puro nos seus intentos de modernização anticorrupção, tem-se atolado nas
trafulhices e irregularidades de várias das suas eleições primárias.
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